LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON
NATUZA NERY
DE BRASÍLIA
A crise no Mercosul, com a sucessão no Paraguai e a entrada da Venezuela no bloco, lançou a diplomacia brasileira e o chanceler Antonio Patriota em seu primeiro grande teste como líder regional.
O desafio será a falta de sincronia entre o Itamaraty e a presidente Dilma Rousseff. Observadores privilegiados da "corte" em Brasília, Washington e Genebra ouvidos pela Folha e que pediram reserva do nome diagnosticam: a Chancelaria não se adequou ao estilo da presidente.
Desde que ela assumiu, ocorre um esvaziamento da posição brasileira em fóruns internacionais e em debates sobre temas relevantes, frustrando ambas as partes.
Uma autoridade graduada de uma organização internacional avalia que houve um momento em que a política externa brasileira, no governo Lula e no governo FHC, "era melhor do que o país". Hoje, entretanto, o país é melhor que a política externa, o que faz o Brasil jogar numa "liga inferior à sua".
Dilma gosta de deixar claro que ela e os diplomatas não falam a mesma língua (neste ano, ela faltou ao almoço dos formandos do Instituto Rio Branco e evitou a foto com eles). A relação com Patriota reflete isso.
Ao assumir, a presidente mostrou que queria uma "diplomacia de resultados". Os diplomatas são sua antítese na mesa de negociação: enquanto ela é dura, eles sempre buscam o consenso.
Patriota está fazendo – segundo um diplomata familiarizado com a dinâmica entre os dois- o que ele acha que a presidente quer que ele faça, o que "está errado".
O chanceler não é o único a levar broncas públicas de Dilma, mas seu estilo reservado fez dele alvo recorrente.
Quando o Brasil emitiu nota sobre os ataques na Líbia, por exemplo, interlocutores contam que Dilma ficou furiosa e exigiu que todos os posicionamentos do Itamaraty lhe fossem submetidos.
Em visita aos EUA, em abril, Dilma desmarcou a entrevista de Patriota com jornalistas americanos. O episódio ilustra sua política externa: a visita ficou quase imperceptível na imprensa local.
CENTRALIZAÇÃO
Como em outras áreas, a presidente concentrou em si as decisões. Mas, fora do país, são crescentes as críticas de que Dilma tem pouco apreço por temas externos e isso começa a reduzir a projeção do Brasil. Por outro lado, nenhum de seus movimentos foi considerado desastroso, e o peso econômico do país garante alguma voz a Brasília.
"Já sabíamos que ia encolher, mas encolheu demais", diz um diplomata. Para outro, o país começa a voltar, politicamente, à "periferia".
Nas entrevistas para esta reportagem, as frentes diplomáticas que emergiram pouco têm de política externa.
É o caso da "guerra cambial", bandeira emprestada da economia e usada em fóruns mundiais, e do programa Ciência Sem Fronteira, que Dilma pôs no topo de sua agenda na visita aos EUA, mas que ainda engatinha.
A outra frente é negativa: a rusga com a Organização dos Estados Americanos após esta pedir a suspensão da construção da usina de Belo Monte, que culminou na retirada do embaixador brasileiro da OEA, Ruy Casaes.
De acordo com uma pessoa envolvida no episódio, a presidente tinha razão em reclamar, mas a reação foi considerada exagerada e atraiu mais atenção para o tema.
Recentemente, Dilma avaliou positivamente o resultado da Rio +20. O timing escolhido, porém, contribuiu para a ausência de nomes de peso como Barack Obama, David Cameron e Angela Merkel, mais preocupados com agendas domésticas ou a crise.
A predileção da presidente pela agenda econômica acabou deixando o protagonismo na política externa com o Planalto, com o assessor Marco Aurélio Garcia reemergindo, e com a Fazenda.
Hoje, é a equipe do ministro da Fazenda, Guido Mantega, quando não ela mesma, que escreve os pontos de negociação da presidente, com os diplomatas informados tardiamente das decisões.
Diferença de gênios marca relação de Dilma com Patriota
Ministro não foi 1ª escolha para o Itamaraty; presidente queria uma mulher no posto, mas não aprovou nenhuma
Para observadores, falta à presidente o apelo que FHC e Lula, seus antecessores, tinham no exterior
DE WASHINGTON
Colaborou NATUZA NERY, de Brasília
Para os conhecedores da dinâmica entre Dilma Rousseff e Antonio Patriota, a dureza da presidente, contrastada à suavidade do ministro das Relações Exteriores, passou a afetar a relação.
Um dos primeiros nomes apresentados para o cargo, Patriota não foi a primeira escolha. Dilma queria uma mulher no posto, mas não achou quem a satisfizesse.
A seu favor, ele tinha o perfil mais discreto que o do antecessor, Celso Amorim, e a afinidade intelectual, descoberta nas passagens dela por Washington quando era ministra e ele, embaixador.
Patriota é também o primeiro chanceler brasileiro a falar mandarim, e a China é prioridade para Dilma (sem afinidade natural com outros chefes de Estado, ela elegeu o dirigente chinês Hu Jintao, pelo pragmatismo, seu parceiro preferido).
Descrito como "inteligente" e "preparado" por seus subordinados, o ministro das Relações Exteriores passou a frustrá-los pela falta de uma posição mais altiva.
SEM APELO
A dureza de Dilma Rousseff na diplomacia extrapola o gabinete. Falta a ela o apelo que tinham seus antecessores no exterior, de acordo com observadores ouvidos pela reportagem.
A química entre Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush, ou Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton, e o poder de atração dos dois na Europa sempre foram evidentes.
No briefing com Barack Obama durante sua visita aos EUA, em abril, a presidente não escondeu a irritação com o protocolo adotado pelos americanos, que optaram por um evento com os dois líderes sentados no Salão Oval, e não em pé nos jardins da Casa Branca, como reservado a aliados de mais peso.
Nas salas de negociações com outros líderes, fica pouco à vontade para falar. Segundo uma fonte, em uma delas começou a ler um pronunciamento preparado e logo perdeu a atenção dos presentes para seus smartphones.