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Hora H: 1º de setembro, 4:45 horas

Prelúdio
 
Escoam-se as últimas horas de agosto de 1939. Dos Cárpatos ao Báltico, a noite está fria. As previsões do tempo são excelentes. A bruma formada nas planuras se dissipará ao nascer do sol. O dia será calmo, com sol, propício à aviação.
 
Endurecido pelo verão o terreno é também propício aos tanques. Muitos rios secaram  e os grandes – o Narew, o Bug e o Vístula – são vadeáveis em quase toda a sua extensão. Tudo combina para dar as melhores condições possíveis à experiência de novos métodos de combate da Wehrmacht.
 
O conjunto das operações é chamado de Plano Branco (Fall Weiss). A ordem de ação somente chega aos QG dos grupos de exércitos às 17 horas. O ponto de partida da guerra, a hora H do destino da Alemanha e do mundo, é à 1o de setembro, às 4:45h da manhã. De imediato toda a rede de transmissões se movimenta, para divulgar até aos regimentos de infantaria, dispostos ao longo da fronteira polonesa, a decisão de Adolf Hitler. O prazo é tão curto que certas unidades não são avisadas a tempo e só entrarão em combate ao ouvirem o troar dos canhões.
 
No entanto, tendo sido lançada a ordem, certos chefes estão prontos a lançar a contra-ordem. É o caso do Coronel-General Gert von Rundstedt, comandante do Grupo de Exércitos Sul, e do chefe de seu estado maior (EM), o Tenente-General Erich von Manstein. Acreditam na repetição do que se passou seis dias antes. A 25 de agosto, às 15:25h – 3 horas depois de Rundstedt ter assumido o comando – chega a seu QG, instalado em uma aldeia às margens do Neisse, a ordem de romper as hostilidades no dia seguinte, às 4:30 da manhã. Às 20:30h, no momento em que comiam, foi-lhes entregue nova mensagem: o Fuhrer e comandante-chefe anulava a ordem de ataque e mandava deter as tropas! Três exércitos já estavam em marcha e foi preciso, literalmente segurá-los pela gola.
 
Até meia noite, dois generais esperam – todas as disposições tomadas para deter a avalanche -, ainda acreditando numa intimidação, num blefe. À meia noite, Rundstedt se levanta. “Agora – diz ele – é tarde demais. Acho que poderemos repousar por uma ou duas horas”.
   
“Quero evitar a intervenção dos Ingleses”. (Hitler)

Essa espera de uma semana concedido à paz agonizante, correspondeu a uma última tentativa de Hitler para impedir o conflito. A 25 de agosto, pela manhã, o telefone tocou, no gabinete de Goering. Ele ouvira a voz de Hitler: “Paro tudo”. – “Ah! (suspiro de alívio) Sério?”- “Não, quero ver se há um meio de evitar a intervenção dos ingleses.
 
A querela de Dantzig e do Corredor ameaçava desencadear o que Hitler ainda não desejava: uma guerra mundial. Ele fazia um último esforço para que a luta apenas ficasse entre ele e a Polônia.
 
A execução militar da Polônia fora anunciada por Hitler aos comandantes de seus exércitos no dia 23 de maio. “Não contem com uma reedição do caso checo. Desta vez senhores, terão a guerra…” Esta deveria começar antes do fim de agosto, depois das colheitas, para que pudesse acabar antes das chuvas de outono e da estação da lama. “Se o General von Brauchitsch me tivesse dito que tinha em vista uma guerra longa, eu não teria marchado. Mas ele me prometeu conquistar a Polônia em algumas semanas”. A França e Inglaterra não interviriam. “Já fiz o julgamento de seus dirigentes, em Munique: Daladier, Chamberlain…que vermes!”. A União Soviética, ao contrário, tinha em Stalin, um chefe no qual Hitler reconhecia quase um igual. Mas o Exército Vermelho estava enfraquecido pelos expurgos militares que acabavam de eliminar a maior parte de seus generais. “Aliás, não é impossível que a Rússia seja levada a se desinteressar da destruição do Estado polonês…” Esta última frase, consignada nos autos do processo do Tenente-Coronel Schmundt, ajudante de campo de Hitler, contém o germe da aliança hitlerista-soviética, o lance teatral de 23 de agosto.
 
O preâmbulo da reaproximação foi o envio, a Moscou de uma missão alemã, encarregada de negociar um tratado comercial. Simultaneamente, a França e a Inglaterra iniciavam, na capital russa, negociações tendo em vista estabelecer uma cooperação militar contra o Terceiro Reich. As duas negociações prosseguiram lado alado, uma discreta e fluida, outra cheia de crises. Franco-britânicos e russos atingiram penosamente, no dia 25 de julho, o princípio de um acordo político; em seguida, chegou a Moscou uma delegação militar, chefiada pelo General Doumenc e pelo Almirante Planket. Essa delegação deparou-se com um obstáculo intransponível; a URSS e a Alemanha não tinham fronteiras comuns e os poloneses recusavam-se obstinadamente a oferecer ao Exercito Vermelho um pedaço de sua pátria para campo de batalha. Foram vãs todas as pressões exercidas em Varsóvia.
 
E, então, um telegrama de Hitler chegou a Moscou: o Fuhrer dos alemães pedia a Stalin que recebesse, sem demora, seu Ministro das Relações Exteriores, Joachim von Ribbentrop.
 
A notícia da viagem estarreceu as capitais ocidentais, no decorrer da noite de 22 para 23 de agosto. Os poucos telegramas diplomáticos que assinalavam a possibilidade de uma aproximação entre o nazismo e o comunismo foram tachados de inverossímeis. Todos aqueles que, nas redações ou nas chancelarias tiveram nas mãos o teletipo soltaram a mesma exclamação de incredulidade. Despertado por seu Ministro das Relações Exteriores, o presidente do Conselho francês, Edouard Daladier, respondeu, sonolento: “Verifique se não é um boato de jornalistas”. A partir do dia seguinte, comunicados triunfais em Berlim e de Moscou anunciaram que um pacto de não-agressão fora assinado entre a URSS e o Reich alemão. A delegação militar franco-britânica não tinha mais nada a fazer do que voltar para casa.
 
Na Inglaterra, a frustração foi amarga. Na França, uma imensa confusão. Mas, na Alemanha, foi um alívio. Muitos que ainda duvidavam do gênio de Hitler já não tinham mais dúvidas. Certos alemães acreditavam que não mais haveria guerra, de vez que a espada soviética faltava às democracias ocidentais. Outros achavam que a guerra poderia acontecer, porque se dissipara o pesadelo das duas frentes. A frágil Polônia seria rapidamente posta de lado e a Alemanha se voltaria, com tudo, para o Oeste.
 
Em Moscou, tudo se passara às mil maravilhas. O mau negociador que era Ribbentrop não tivera que desatar nenhum nó. Stalin aceitara, imediatamente, que o pacto público de não-agressão fosse apenas um véu lançado sobre o pacto real: a quarta partilha da Polônia. Firmou-se acordo sem dificuldades, sobre a fronteira comum: o Narew, o Vístula e o San. Estendera a partilha até os países bálticos, reservando-se a Lituânia para a Alemanha e concedendo-se à Rússia a Letônia, a Estônia , a Finlândia, e, depois a Bessarábia, que a Romênia deveria entregar. Claro que o preço parecia elevado. A barreira de Estados-tampões, erguida em torno do bolchevismo, pelos tratados de 1919, fora derrubada. O germanismo seria extirpado de seus velhos postos de vanguarda, em Courlande e na Livônia. Isso era pesado, mas, ao mesmo tempo, insignificante, por ser provisório. O contrato estava maculado por mútua má-fé. Stalin o assinava pelo proveito imediato que punha em caixa e pelo tempo que ganharia. Hitler o assinava com a intenção de rasgá-lo. Seu objetivo – dizia ele a seus íntimos – não era retomar Dantzig e apagar o Corredor; nem mesmo destruir o Estado polonês: era conquistar as planícies russas, para assegurar o futuro do povo alemão. Os sacrifícios em que se consentia eram momentâneos, portanto, fictícios.
 
Entretanto, o dia seguinte a esse triunfo diplomático levou a Hitler cólera, surpresa e decepção. A cólera era motivada pela Itália. Em maio, esta havia assinado, com a Alemanha, uma pomposa aliança militar, a que os serviços de propaganda denominaram “Pacto de Aço”. Mas o aço se destemperava, desde a primeira prova. Ciano e Mussolini haviam descoberto, que a guerra estava iminente. Suplicaram a Hitler que a adiasse, pretextando pouca preparação de seu país e até invocando a Exposição Universal que deveria realizar-se em Roma, em 1940 – e para a qual tinham gasto muito dinheiro. O triunfo diplomático em Moscou não os tranqüilizava. Algumas horas depois do regresso de Ribbentrop, Hitler, sem revelar qualquer emoção, ouviu o Embaixador Attolico ler uma carta constrangida, de Mussolini, comunicando-lhe sua intenção de adotar uma atitude de não-beligerância. Quando este se retirou, Hitler explodiu: “Italianos indignos de confiança, covardes e fracos, eternos traidores!…”.  O comunicado oficial, no entanto, declarou que a não-beligerância não representava neutralidade, que a atitude da Itália fora aprovada pelo Fuhrer e que o Pacto de Aço estava mais sólido do que nunca.
 
A surpresa e a decepção, para Hitler, vinham de Londres. Em paris, onde o pacto germano-soviético destruía a coragem, entendia-se que a Polônia, daí em diante, não poderia salvar-se e que uma guerra para defendê-la não teria sentido. Em Londres, porém, não houve tal compreensão. A reação do Gabinete fora um comunicado seco, declarando que o acontecimento de Moscou de maneira alguma afetava as obrigações da Inglaterra e que esta estava decidida a cumpri-las. Algumas horas depois, o governo britânico especificou e reforçou esses compromissos. A garantia de ordem geral, dada, em maio, ao governo polonês, transformava-se, naquele mesmo dia, em tratado de assistência mútua. Cada parte contratante se comprometia a dar à outra toda assistência possível, no caso em que se julgasse necessário repelir pelas armas qualquer ataque, direto ou indireto, à soberania de um deles. Jamais os ingleses se haviam comprometido de maneira tão categórica. Jamais haviam concedido qualquer coisa que se parecesse tanto com uma carta-branca. Estranhos ingleses! No ano anterior, em Berchtesgaden, em Bad Godesberg, em Munique, Chamberlain, dera a impressão, ao poderoso Fuhrer, de um velho desvairado. E eis que, sem uma frase inútil, sem um único soluço, esse mesmo Chamberlain interpunha todo o poderio britânico entre uma Polônia condenada e uma Alemanha em armas! Seria um blefe? Seria uma resolução desesperada? Era preciso ver.
 
E foi para ver que Adolf Hitler decidiu suspender o ataque, a 25 de agosto, horas antes do instante fatal. Mas os dias desse prazo só foram preenchidos por negociações confusas. O ardil de Hitler esbarrara na legítima desconfiança inglesa. Os ingleses, no ano anterior, haviam acreditado no acordo de Munique. Rasgando-o, seis meses depois ao anexar a totalidade de uma Tchecoslováquia da qual havia prometido respeitar os destroços. Hitler brincara com a  sua boa-fé, destruíra suas ilusões. Agora era em vão que jurava que Dantzig e o Corredor constituíam as sua últimas reivindicações.
 
Quando anoiteceu no dia 31 de agosto, ainda subsistia um vestígio de negociação. Hitler admitira receber um plenipotenciário polonês e Mussolini lançara a idéia de uma conferencia internacional, para pôr em ordem os casos europeus em litígio. Naquela noite, a Europa dormiu melhor do que nas noites anteriores, convicta de que o ponto mais crítico da crise estava superado, de que mais uma vez a paz não morreria.
 
Mas quando o sol de 1° de setembro apareceu, os carros blindados nazistas transpuseram a fronteira e as bombas alemães caíram sobre as cidades polonesas. Uma vez mais, Hitler mentira: suas disposições conciliadoras de última hora tinham sido uma farsa de narcotizador. A ordem de atacar a Polônia fora repetida, na véspera. O esplêndido incidente de fronteira, fabricado por Himmler – o ataque à emissora de Gleiwitz, por presidiários, vestidos com falsos uniformes poloneses – estava em processo de execução. Ao comandante militar local, o Tenente-Coronel Steinmetz, que se opunha àquela felonia, fizeram calar com um: “Fuhrerbefehl”- uma ordem do Fuhrer. Agora a rádio alemã clama que o território alemão fora violado, que a minoria alemã da Polônia está sendo massacrada e que o Exército alemão é contrário à intervenção. Não se trata de declarar guerra: trata-se de uma expedição punitiva.
 
Os dados são jogados. Mas Hitler os lança antes de ter podido responder à pergunta que motivou o adiamento do 25 de agosto: a coragem da Inglaterra será um blefe?
 
Os poloneses pensam que tomarão Berlim
 
As bombas que despertam a Polônia, na alvorada de 1° de setembro, não a surpreendem: ela esperava a guerra: a guerra chegou.
 
Limitava-se a Polônia a esperar a guerra? Uma onda de fanatismo patriótico levantava o país. Por toda parte, encontrava-se pessoas do povo a dizer que tinham medo de que seus políticos deixassem passar a ocasião de dar uma lição aos alemães. Uma vez que Hitler quer o desaparecimento do Corredor, a Polônia o suprimiria à sua maneira: retomando a Prússia Oriental, onde a dominação germânica foi sempre uma usurpação. Berlim está a 100 km da fronteira: será em Berlim que se decidirá a querela e que se assinará a paz.
 
Os homens de responsabilidade rivalizam, em inconsciência, com os patriotas antolhados. No dia 15 de agosto, o embaixador polonês em Paris, Lukasievicz visitou o Ministro das Relações Exteriores, Georges Bonnet, e este o informou sobre um propósito, confessado por Hitler ao alto-comissário da Sociedade das Nações (SDN) em Dantzig, Karls Buckhardt: “Conquistarei a Polônia, em três semanas, com meu exercito mecanizado”. Lukasievicz deu de ombros: “Absurdo! Seremos nós que invadiremos a Alemanha, desde que comecem as hostilidades”. Vivendo em Berlim, no espetáculo cotidiano da força alemã, o Embaixador Lipski garante que uma guerra provocará uma revolução na Alemanha e que o exército polonês entrará triunfalmente em Berlim.
 
Apenas 20 anos são passados sobre a ressurreição da Polônia. Se houvesse prevalecido a sabedoria inglesa, o Estado renascido das cinzas da História teria sido confinado em seus limites geográficos e provido, em Dantzig, de simples direitos portuários. O ardor francês e o romantismo associado à causa polonesa impulsionaram essa atitude razoável, encheram a Polônia de minorias nacionais, estenderam-nas sobre a Rússia Branca e sobre a Ucrânia, abriram, como uma brecha através da Alemanha, o acesso ao mar artificial, que tomou o nome de Corredor. A tese dos polonófilos era a de que eles construíram, nas costas da Germânia, uma grande potência eslava, tomando à Rússia bolchevista seu papel de aliada da França. Mas apenas alimentavam uma ilusão.
 
O aliado saciado revelou-se um aliado ingrato. A decadência francesa foi tema em Varsóvia – como era tema em Roma e Berlim. Fortalecida por 33 milhões de habitantes, dos quais um terço de poloneses à força, a Polônia se colocou, em relação à França, como Estado sucessor. Recusou associar-se ao sistema de alianças que, sob o nome de Petite Entente, a diplomacia havia constituído na Europa Central. Levantou pretensões sobre o domínio colonial francês, reclamou Madagáscar, fazendo valer a tese de que as nações jovens e prolíficas tinham direito a uma nova partilha do mundo. Orgulhosa, ressentia-se furiosamente de tudo quanto a fazia ser considerada um satélite da França, inclusive a glória dada ao General Weygand de a haver salvo da reconquista russa, em 1920.
 
Multiplicaram-se em Varsóvia as manifestações anti-francesas. Teoricamente, a aliança franco-polonesa subsistia. Mas a verdade é que, até Munique e depois de Munique, as relações das duas aliadas chegaram a formas características de antipatia.
 
Já o inverso acontecia com a Alemanha. Uma opressão aberta e manhosa era exercida sobre as minorias alemães, enquanto a Alemanha mantinha, em Dantzig, permanente conflito. O governo hitlerista não deixava de agradar ao governo polonês com concessões que este acolhia com convicção de que era o reconhecimento de sua força. O marechal Goering, mestre de caça do Reich, vinha com esplêndido aparato caçar o alce na floresta de Bialowieza, e sempre declarava que a Alemanha tinha necessidade de uma Polônia forte e que não existia nenhuma contenda séria entre os dois países. Joseph Beck, protegido do herói nacional Pilsudski, levava a política da reaproximação até às última conseqüências. Na crise de Munique, colocou a Polônia ao lado da Alemanha, e arrancou à Tchecoslováquia um pedaço de carne: o pequeno território de Teschen.
 
Quando se tentava advertir os poloneses de que sua vez viria imediatamente depois da dos tchecos, eles rebatiam dizendo: “Nada tememos, pois somos temidos”.
 
A 26 de janeiro de 1939,  Varsóvia embandeirou-se de cruzes gamadas, em homenagem à Ribbentrop, que retribuía a Beck a visita que este fizera a Hitler. Foi o último lampejo de uma amizade que, do lado alemão, era um cálculo e, do lado polonês, uma quimera. Dois meses depois, o convidado Ribbentrop comunicava ao embaixador da Polônia que a Alemanha reclamava a restituição de Dantzig e o estabelecimento de uma passagem extraterritorial através do Corredor. A Polônia rejeitou essas exigências. O conflito estava aberto.
 
A aproximação do perigo não inclinou os poloneses a uma apreciação mais objetiva da força com que contava a Alemanha de Hitler.
 
Os estudantes quebraram as vidraças da Embaixada alemã, gritando: “A Berlim”. Os militares exageraram sua jactância: “Dão-nos conselhos perniciosos”- dizia o Ministro da Guerra, Kasprzicki. “Não os seguiremos. Recomendam-nos o fortalecimento, a defensiva, as manobras de retirada, a resistência sobre as nossas linhas de água. Não faremos nada disso. Nosso gênio é a ofensiva e será tomando a ofensiva que venceremos”.
 
A 1° de setembro, começa a mobilização. O dispositivo estratégico é absurdo. Querendo dar proteção à totalidade do território nacional, o General Rydz-Smigly estendeu, ao longo das fronteiras, 7 divisões, denominadas exércitos. Colocou forças importantes na armadilha do Corredor, ordenado-lhes conquistar a Prússia Oriental, e forças ainda mais importantes, os exércitos Kurtrzeba e Bortnowski, na saliência de Posem, plataforma de ofensiva contra Berlim. O Ocidente, baseando seus cálculos na população, avalia que a Polônia dispõe de 80 divisões; mas, na realidade, ela só possui 30, das quais apenas 23 são organizadas ao começarem as hostilidades. Aliás, um maior número em nada mudaria a situação, a não ser quanto à importância das perdas. Não é pela insuficiência de seus efetivos, nem erradas disposições de seus comandos, mas sim pela própria natureza que o Exercito polonês está derrotado, antes mesmo de ter combatido.
 
O armamento polonês data integralmente da Primeira Guerra. A força aérea somente conta com 420 aparelhos, entre os quais os únicos relativamente modernos são uns poucos caças P-24. Ao lado de 37 regimentos de uma cavalaria anacrônica, a força blindada se reduz a uma centena de velhos tanques. A artilharia é inteiramente hipomóvel. O material de transmissão, rudimentar. O material de DCA (Defesa Aérea) mal existe. A ofensiva está em pleno curso, mas os regulamentos de manobras são formalistas e pesados. Os homens estão sobrecarregados. As frotas de combate e as frotas regimentais, constituídos por pequenos carros rústicos. Praticamente, é um exercito sem motores. O que quer dizer: um exercito rústico, adaptado ao país, ignorante dos problemas de abastecimento, de circulação, de mecânica, que trazem de reboque a motorização dos transportes e a mecanização dos combates…
 
Blindados, Stukas e generais conspiradores
 
À frente, o Exército de Hitler…
 
Um exército nascido ontem. Em 1939, descontadas algumas violações menores, a Alemanha militar ainda estava sob o regime do Tratado de Versalhes. Tinha 100.000 soldados profissionais, espalhados por 10 pequenas divisões de infantaria e de cavalaria, e estava proibida de organizar forças blindadas, artilharia pesada, aviação e estado-maior geral. O restabelecimento de um serviço obrigatório e a constituição de um exército nacional de 36 divisões só foram ordenados por Hitler a 11 de março de 1935. O comandante-chefe, von Fritsch, considerando este total de 36 divisões excessivo e provocador, declarou que 24 bastavam à defesa nacional alemã. Mas Hitler foi além.
 
O Reichswerh, durante seus 15 anos de existência, sofrera a nostalgia dos tanques. Durante as manobras, representava-os por camionetas “blindadas” com telas, ou por silhuetas que dois soldados conduziam à maneira de palhaços de circo nos cavalos de papelão. Reprimidos no real, os espíritos imaginativos estudavam teoricamente o engenho proibido. Compreenderam que este representava uma revolução militar, reconciliante dos dois elementos, o poder e a rapidez, que a guerra de posições havia dissociado. Trabalhando com esse rico conjunto de dados, o pensamento militar alemão concebeu uma guerra nova, liberta das lutas de materiais, das longas e tristes matanças que, de 1914 a 1918, haviam desonrado a arte militar. Grupados em grandes unidades, operando a velocidade máxima, dispensados de esperar a centopéia paralítica da infantaria, os tanques penetram, manobram, envolvem, restauram à guerra o que ela pode ter de alegre, de improvisado e de inteligente.
 
Em matéria de aviação, o pensamento militar alemão era atraído pela doutrina do general italiano Douhet, que proclamava a superioridade absoluta da aviação estratégica, reduzindo a guerra a bombardeios de terror. Longe de aceitá-la, organizou uma força aérea de cooperação, cujos princípios de ação reúnem e completam a revolução dos blindados. Admitia-se – os franceses ainda o admitem – que os tanques só podiam ser usados sob a proteção da artilharia, cujo alcance definia seu raio de ação. O pensamento militar alemão reformulou o problema, substituindo o canhão pelo avião. Os bombardeiros de mergulho Sturzkampfflugzeuge, ou Stukas, podiam atirar seus projéteis sobre o objetivo com precisão superior à de um morteiro. Nessas condições, a guerra muda de ritmo e de profundeza. À cavalaria blindada, que são as grandes unidades de tanques, junta-se a artilharia volante, que é a aviação. Tais inovações não foram admitidas sem certa resistência por um corpo de generais cuja experiência militar fora adquirida nos campos de batalha imóveis e nos estados maiores do conflito precedente. A seus olhos, a infantaria permanecia como arma principal, a cujo proveito todas as outras são empregadas, segundo a fórmula comum aos regulamentos de manobra de todos os exércitos. O tanque era um dos servos do infante. Acompanhava-o, abria-lhes caminho, protegia-o com sua blindagem, e, protegido ele próprio pela artilharia, levava-o para frente. Que se pretendesse reduzir a infantaria ao papel de simples acompanhante, limitada a recolher prisioneiros, eis a idéia audaciosa que causou pasmo, no Exército alemão. Chefes militares excelentes, como Beck ou Halder, opuseram-se a isso, por muito tempo, com todas as forças.
 
O árbitro foi Hitler. Vastas discussões se travariam depois da guerra, sobre sua capacidade militar, uns o elevando até o gênio dos grandes capitães da História, outros rebaixando-o a um amador. Tanto quanto possível, convém deixar que os fatos falem. No decorrer desta narrativa, veremos Hitler prestando contas dos problemas da guerra, ora autor de vitórias magistrais, ora artífice de reveses terríveis. O que não se pode contestar é a dedicação com a qual se tinha iniciado na arte militar, sob seus mais vários aspectos. Estudara todos os clássicos da estratégia e todos os grandes capitães do passado. Conhecia, em detalhes, todo o material em serviço, e todos os exércitos. Seguia, aplicadamente, a evolução das doutrinas. Na querela entre os clássicos e os modernos, tomou o partido dos modernos. O exército rápido que Guderian e seus discípulos queriam organizar correspondia à sua impaciência de homem obcecado diante dos poucos anos que dispunha para realizar seus grandes desígnios. Trabalhou, com toda força de sua paixão, para impor a sua opinião aos discordantes.
 
Até 1938, à frente das três armas alemães, estavam o Ministro da Guerra, Werner von Blomberg, o comandante chefe do Exército, Werner von Fritsch, e o chefe do Estado Maior, Ludwig Beck – todos partidários do equilíbrio das armas, de uma estratégia defensiva-ofensiva e de uma política externa prudente. Hitler esmagou os dois primeiros em retumbantes processos morais. O terceiro, o monge-soldado Beck, tentou atravessar-se à torrente hitlerista, fazendo valer a responsabilidade do estado-maior, diante da nação: esmagado, por sua vez, concluiu que não havia outro recurso senão derrubar Hitler, pela força. E começou a conspirar, imediatamente. Hitler não estava suficientemente desembaraçado do único general bastante corajoso para desafiá-lo. Tendo arrancado de todos os soldados um juramento de fidelidade à sua pessoa, construiu, sem oposição, o organismo que tantas vezes será citado: o Oberkommando der Wehrmacht, ou OKW, que reunia, sob autoridade direta do Fuhrer-Chanceler, O Exército, a Marinha, a Aviação, as indústrias de armas, a propaganda, etc – em suma, tudo quanto constitui a capacidade militar de uma nação. As conseqüências dessa extrema concentração de comando seriam múltiplas, profundas e acarretariam imensas vantagens e graves inconvenientes. Mas a causa da guerra revolucionária foi definitivamente ganha, quando Hitler se constituiu comandante-chefe.
 
No momento em que começou a campanha da Polônia, eram 6 as divisões blindadas. As 5 mais antigas, numeradas de 1 a 5; a mais recente levava o numero 10. Compunham-se de uma brigada de tanques, uma de fuzileiros transportados, um batalhão de engenharia, um de comunicações, uma esquadrilha de observação e um único regimento de artilharia, composto de dois grupos de 105 rebocados ou automotores. A metade dos 288 tanques, constituindo a dotação média de uma divisão, é de Pz Kw 1, chamados “latas de sardinha”, de 6 toneladas, com uma fina blindagem e duas metralhadoras. Os Pz Kw 2, de 9 toneladas e dotados de um canhão de 20, são pouco menos frágeis. Foi preciso chegar-se aos Pz Kw 3 e aos Pz Kw 4 respectivamente de 15 a 20 toneladas, com calibres de 37 e 75, para conseguir armas de real poder. Mas o número de Pz Kw 4 não passava de 24, por divisão, e só uma vontade como a de Hitler, pôde impô-los a um estado-maior que os considerava pesado demais.
 
Tais eram essas ilustres Panzerdivisionen que iriam revolucionar a arte da guerra e permitir a Hitler dominar a Europa. Posteriormente, 4 divisões ligeiras, numeradas de 6 a 9, tornar-se-iam divisões blindadas, pela junção de material checo, mas, em lugar de uma brigada, só teriam um regimento de tanques, com 3 batalhões. Fica-se chocado, retrospectivamente, pela fraqueza desse corpo de combate, não somente quando o compara ao número de armas que iriam surgir, ao curso dos anos seguintes, mas mesmo quando colocados no quadro das armas militares da época. A impressão produzida pelas Panzerdivisionen e os sucessos que obtiveram levaram a que se superestimasse de maneira fantástica sua força, e foi preciso mais de um quarto de século para que esse exagero desaparecesse. Muito mais do que o peso e no número das armas, a revolução dos blindados consistiu na doutrina de ocupação e na coragem com que essa doutrina foi traduzida nos campos de batalha. Foi pela vitória da inteligência que a Segunda Guerra começou.

Comparativamente, a Luftwaffe era mais forte do que a arma blindada. A partir de 1934, ela superou suas doenças infantis, levantou sua produção anual de 900 a 6.000 aparelhos, fixou alguns tipos de avião que, até a afirmação do poderio industrial americano, iriam exercer o controle do espaço: o caça Me-109, o caça-bombardeiro Me-110, o bombardeiro de mergulho Ju-87, os bombardeiros horizontais Ju-88, He-111 e Do-17. No início das hostilidades, põe em serviço 771 caças, 408 caças-bombardeiros, 336 Stukas e 1.180 bombardeiros. Um total de 2.695 aviões, constituindo uma força aérea à qual nenhum país do mundo oporá equivalente, antes que se passem muitos meses.
 
Postos de parte a aviação e os blindados, o Exército alemão foi reconstituído em linhas tradicionais. A motorização era deficiente: apenas 4 divisões de infantaria motorizada, cooperando com as Panzer. O resto consistia em 36 divisões da ativa, 3 divisões de montanha, 37 divisões de reserva e 14 divisões de Ersatz – estas duas últimas categorias tiradas do nada, algumas semanas antes. O material era desigual: os obuses modernos, de 105 e 150, têm categoria superior à dos 75, 105 e 135 franceses, mas muitas baterias continuavam equipadas com o velho 77, de Guilherme II. A própria aviação carecia de chefes de grupos e iria levantar vôo com um estoque de bombas estritamente suficiente para três semanas de operações. Reconstituída em 5 anos, a Wehrmacht era uma improvisação, com a qual se assustavam alguns generais que se haviam formado no exército exemplar do tempo imperial.
 
Entre esses chefes, a maioria se esforça para ser apenas militar. Alguns são hitleristas: a maioria é anti-hitlerista. Não gostam de Hitler e Hitler os odeia. Entretanto, seria preciso um estranho profético para saber que, antes do fim da guerra, mais de cinqüenta marechais, generais e almirantes deverão ser fuzilados, enforcados, estrangulados, pendurados pelo pescoço em ganchos de açougue ou constrangidos ao suicídio pelo Fuhrer-Chanceler.
 
A conspiração já estava instalada nesse comando prometido a tal hecatombe. Antes de Munique, o Deuxieme Bureau (Serviço francês de Inteligência) dera de ombros diante de uma informação que advertia haver um general alemão prestes a marchar sobre Berlim, à frente de sua divisão blindada. Mas o general em questão existia: chamava-se Hoeppner (condenado à morte depois) e havia esperado, uma noite inteira, em sua guarnição de Turíngia, o sinal que lhes deveria ser enviado pela junta dos conjurados. Estes, reunidos em casa do Coronel-General Halder, contavam, em suas fileiras, como Coronel-General Beck, o General von Witzleben, o General de Infantaria von Stulpnagel, o Almirante Canaris, o Chefe de Polícia de Berlim, etc – todos já destinados a execução capitais.
 
“Se perdermos esta guerra, que deus tenha piedade de nós!”
 
Eles queriam deter Hitler, no dia seguinte, no momento em que voltasse do Congresso Nacional-Socialista, de Nuremberg.
 
As ordens já estavam assinadas, quando a rádio anunciou que Chamberlain obtivera uma audiência do Fuhrer e estava voando para Berchtesgaden…. “a base material de nossa conspiração estava destruída” – explicaria Halder, uma vez que Hitler não mais voltaria para Berlim. “A base moral não o estava menos: podíamos deter um insensato que atirava a Alemanha a uma guerra previamente perdida; não podíamos deter um chanceler que negociava com o Primeiro Ministro da Inglaterra a volta pacífica dos alemães para o Reich…”.
 
Depois de Munique, nenhuma nova ocasião se apresentou, mas a conjuração não estava morta. Um dos conjurados, Witzleben, comandava um exército na frente ocidental; outro, Canaris, dirigia a espionagem alemã. O próprio Halder não era outro senão o chefe do Estado-Maior, o braço direito do comandante-chefe do Exército, von Brauchitsch!… Assim, essa guerra mundial começava na rebelião latente de uma parte do Alto-Comando alemão contra o chefe do Exército e do Estado alemães. Disso resultariam estranhas revelações.
 
Os chefes que não conspiravam perderam o entusiasmo. Claro que nenhum deles admitia o Corredor, o estado de Dantzig, o traçado arbitrário das fronteiras orientais, a sujeição de um milhão de alemães ao jugo polonês. Mas achavam que o Exército alemão não estava ainda refeito para enfrentar um novo conflito europeu. Salvo os hitleristas Busch e Reichenau, todos assinaram, antes de Munique, um memorando, redigido pelo General Beck, para prevenir o Fuhrer contra os perigos que sua política aventureira fazia correr a Alemanha. O pacto germano-soviético os serenara um pouco, libertando-os da obsessão de uma guerra, em uma Rússia cuja rudeza e imensidade quase todos conheciam. Estão inquietos. A guerra começava antes que estivessem prontos.
 
O moral da nação, como a dos generais, estava muito longe da exaltação. Naquele mês de agosto de 1939, nada se assemelhava à torrente de entusiasmo, à corrida para o sacrifício de julho de 1914. Hitler sabia disso. No ano anterior, antes de Munique, fizera uma experiência que não ousava renovar, naquele ano: o desfile, em Berlim, de uma divisão blindada. Havia esperado uma tempestade de patriotismo: apenas provocou um espetáculo de consternação! Durante três horas, os carros blindados rolaram através das ruas da cidade em meio a um silencioso estupor, como se fora um exército inimigo numa cidade conquistada – com Hitler, à sacada da Chancelaria, esperando em vão o rumor belicoso que queria provocar, à passagem de seus monstros de aço. Findo o desfile, ele voltou para seu gabinete e atirou-se a uma poltrona, injuriando o povo alemão – da mesma maneira que, vencido e agonizante, o injuriaria seis anos depois, no mesmo local, depois de tê-lo crucificado e desonrado.
 
…Do Báltico aos Cárpatos, as tropas marcham. O plano de operações, retocado e ampliado segundo as diretivas de Hitler, agarrou a Polônia em uma tenaz. O ramo de esquerda é o Grupo de Exércitos Norte, comandado pelo General von Bock. O ramo da direita é o Grupo de Exércitos Sul, comandado pelo General von Rundstedt. O primeiro grupo se compõe de dois exércitos: o 3° (Kuchler), surgindo da Prússia Oriental, e o 4° (Kluge), desembocando da Pomerânia – ao todo 21 divisões, entre as quais 9 da ativa, com apenas duas blindadas. O segundo grupo é integrado por três exércitos: o 14° (List), reunido nos Cárpatos; o 10° (Reichenau), concentrado na Alta Silésia, e o 18° (Blaskowitz), lançado da região de Breslau – ao todo 36 divisões, entre elas 28 da ativa, das quais 4 blindadas. Enquanto o Grupo Norte apagará o Corredor, forçará a linha do Narew, tomará Varsóvia pela retaguarda, o Grupo Sul destruirá o grosso das tropas polonesas, a oeste do Vístula. Leva-se tão longe o desprezo ao adversário, que só se deixa, entre os dois grupos de exércitos, para defender Berlim da elite das tropas polonesas, uma cadeia de guardas alfandegários.
 
Às 4:45h, o cruzador-couraçado Schleswig-Holstein, chegado na véspera a Dantzig, abre fogo sobre o território polonês da Waterplatte. As formações aéreas voam. E, dentro da bruma, os tanques de Guderian, de Hopner e de von Kleist transpõem a fronteira e caem sobre os poloneses adormecidos.
 
O dia 2 se setembro é um bom dia para Hitler. As notícias militares são excelentes. O comando polonês foi completamente surpreendido. Via o inicio das hostilidades segundo o precedente de 1914: 15 dias para concentração das tropas, sem outras operações além de escaramuças à fronteira. Essa guerra, que arranca veloz, toma-o de surpresa. Os soldados batem-se, mas os tanques blindados alemães rompem a frágil posição de resistência e investem furiosamente, desorganizando a retaguarda, destruindo as ligações, paralisando o exercício do comando. A Luftwaffe derruba a aviação inimiga, neutraliza os QGs, bombardeia em mergulhos os núcleos de resistência, provoca engarrafamento das retaguardas inimigas, jogando às estradas uma multidão de civis desvairados…
 
Ao norte do dispositivo, as tropas alemães desembocam da Prússia Oriental e atacam a posição do Mlawa, que cobre Varsóvia. No Corredor, o 3° e o 4° exércitos fazem junção. No centro, o 10° Exército, ponta de lança do Grupo Rundstedt, atinge o Warta, numa marcha progressiva de 80 km em 36 horas. No extremo sul, as tropas alpinas de List forçaram a garganta do Jablunka, teatro de lutas intermináveis, na guerra anterior, e chegam às portas de Cracóvia. Era impossível esperar um início de ofensiva mais vivo e mais brilhante.
 
E a Inglaterra? E a França? Esperaram  21 horas e 30 minutos para notificar ao governo do Reich que o prolongamento da ação militar alemã os forçaria a cumprir seus compromissos com a Polônia. A Wilhelmstrasse olha com superioridade essa providência tardia. “É um ultimato? – pergunta Ribbentrop. “Não; é uma advertência” – respondem os embaixadores.
 
Graves desacordos existem entre Paris e Londres. Em Paris, o Ministro das Relações Exteriores, Georges Bonnet, agarra-se desesperadamente à proposta italiana de uma conferência a quatro. Em Londres, suspeita-se que a França se está furtando a esse entendimento. O Embaixador da Polônia, Conde Radzinski, chega, como um louco, ao Foreign Office, gritando que, a seu colega de Paris, Bonnet declarara que, pela Polônia, não faria massacrar as mulheres e as crianças da França. Esses poloneses apreciam tanto mais o egoísmo sagrado quando o haviam exercido, em 1938, às custas dos tchecos. Mas os deputados ingleses vão a seu encontro na impaciência e na indignação. Vaiam uma fraca declaração de Chamberlain, resumida nisto: “Nós protestamos. Esperemos, agora, a resposta do Sr. Hitler”. Dizem, nos bastidores de Westminster, que a moleza do gabinete provém da defecção francesa, mas que a Inglaterra  marchará sozinha e Chamberlain será derrubado e substituído por Churchill.
 
Enquanto isto, em Berlim, Hitler passa a noite com alguns íntimos, na sala de música da nova Chancelaria, lendo, com voz radiante, os boletins de vitória que lhes chegam da frente polonesa. Na França, a mobilização geral fora decretada na véspera, à noite, o que significava, segundo os cálculos do serviço alemão de contra-espionagem, que pelo menos 80 divisões se concentravam do mar do Norte à Suiça. Ora, a Alemanha só deixara, a oeste, 11 divisões ativas, e várias semanas serão necessárias para que as 35 divisões, de terceira e quarta vaga, que devem reforça-las, atinjam uma segunda coesão. Nas cidades fronteiras, como Freiburg-am-Brisgau, o boato de que os franceses transpunham o Reno levantara uma onda de pânico. Mas o Fuhrer permanece imperturbável. Registra que a Câmara francesa, votando 85 milhões de créditos suplementares, nunca pronuncia a palavra “guerra”. Mais uma vez a intuição hitlerista se revela exata: a França e a Inglaterra não passam à ação.
 
Mas Hitler se engana. Se a vontade francesa está oscilante, a resolução inglesa é firme. Ao Conde Ciano, que lhe telefonava febrilmente do palácio Chigi, Lorde Halifax responde que nenhuma conferência pode ser cogitada sem que, previamente, a Alemanha retire suas tropas do território polonês. Mussolini manda responder que não pode transmitir tal exigência ao Fuhrer. Rompe-se o último fio da paz.
 
Às 4 horas da manhã de 3 de setembro, o Embaixador Neville Henderson  recebe, de Londres, ordem de pedir audiência a Ribbentrop, para as 9 horas. Wilhelmstrasse finge dormir, como se estivesse em plena paz. Henderson tem que despertar uma porção de subalternos, para ouvir a resposta de que Sua Excelência Ribbentrop não estaria visível pela manhã, mas que o conselheiro de embaixada Paul Schmidt, intérprete de Hitler, estava habilitado a receber qualquer comunicação do Governo inglês. Foi nas mãos desse funcionário de segunda classe que a Inglaterra teve que entregar seu ultimato: se às 11 horas – dentro de duas horas! – não recebesse garantias categóricas quanto à imediata retirada das tropas alemães, existiria estado de guerra entre ela e o Reich alemão…
 
A França segue – a reboque. Recusa apresentar seu ultimato simultaneamente com o inglês, insiste em que o prazo só expire a 4 de setembro, evita, ainda, empregar a palavra “guerra”. “O Governo francês – escreve Bonnet – ficaria na obrigação de cumprir os compromissos que a França contraiu com a Polônia e que o Governo alemão conhece…”. Três horas depois de o Embaixador Henderson ter enviado o ultimato, o Embaixador Coulondre remete à Wilhelmstrasse essa eufêmica declaração de guerra. A da Inglaterra, Schmidt a tinha imediatamente levado ao gabinete de Hitler. Ele estava de sentado à mesa de trabalho. Ribbentrop, de pé, perto de uma janela. Schmidt traduziu, lentamente, o ultimato. Hitler parecia petrificado. Permaneceu imóvel por um interminável momento. Depois, lançou a seu Ministro das Relações Exteriores um olhar furioso de homem enganado. “E agora?” – disse, com inflexão inexprimível. Schmidt apressou-se a sair.
 
Na ante sala, havia-se reunido uma pequena multidão de ajudantes de campo e altos funcionários do partido. Schmidt os pôs a par do ultimato inglês. Caiu outro silêncio, que a voz de Goering rompeu: “Se perdermos esta guerra, que Deus tenha piedade de nós”.
 
A França ataca: Tarde demais!
 
A 7 de setembro, pela manhã, grupos de reconhecimento, pertencentes aos 3°, 4° e 5° exércitos franceses, transpõem a fronteira alemã, a oeste dos Vosges, em frente a Sarrelouis, Saarbruck e Deux-Ponts. O objetivo da ofensiva é aliviar a Polônia, obrigando o Exército alemão a voltar-se para a frente ocidental.
 
Demasiado tarde? não, não é demasiado tarde… É dramaticamente, tarde demais!…
 
Pelo relógio de 1914, essa intervenção no quinto dia da mobilização seria honrosa. Procedia-se, de início, à concentração dos exércitos, atrás da carapaça da cobertura, e somente quando essa concentração terminasse seria possível empreender ação ofensiva. A convenção franco-polonesa de estado-maiores, discutida em maio – e não ratificada, por falta de um acordo político -, conformava-se com essa concepção clássica. Previa que a França “desencadearia, progressivamente, operações ofensivas, de objetivos limitados”, lá pelo quarto dia de sua mobilização, para atacar com o grosso de suas forças, lá pelo 15°, “se o esforço principal a Alemanha se acentuasse sobre a Polônia”. A França não estava, pois, atrasada nem quanto ao relógio de seu pensamento militar, nem quanto ao meio compromisso assumido.

Mas, pelo relógio de 1939, a intervenção francesa chega tão tarde que se torna inútil. A Polônia ainda se bate mas sua derrota está consumada. O mesmo 7 de setembro que vira a entrada prudente das vanguardas francesas no Sarre, vê, na Polônia, o desabamento da resistência organizada. O 4° Exército alemão cerca o Vístula, até Thorn. O 3° Exército, tendo conseguido uma penetração em Mlawa, toma Varsóvia pela retaguarda. O corpo diplomático, o governo e o comando saíram de lá precipitadamente, mas sua rota de fuga, o sudeste, está cortada pelo 14° Exército, que, tendo conquistado Cracóvia, avança em direção à fronteira romena. A oeste do Vístula, o exército polonês do saliente de Poznan (o exército que devia marchar sobre Berlim) tenta, por uma reviravolta, cair sobre o flanco esquerdo do 8° Exército alemão. Rundstedt, porém, reorienta seu 5° Exército, lança o 15° Corpo de Exército motorizado e o 16° blindado pela retaguarda de Bortnovski. A reação polonesa nada mais resulta do que no primeiro grande cerco da guerra, o bolsão do Bzura, no qual 19 divisões polonesas são capturadas.
 
Do lado alemão, as mais altas esperanças estão ultrapassadas. Somente tarde demais, quando submetidas as operações a uma crítica pormenorizada, se revelarão certas fraquezas bastante inquietantes, em um exército cujas bases ainda não estão bem firmes. O rendimento excelente das unidades blindadas e aéreas tudo conquista. A infantaria e a cavalaria polonesas são impotentes contra os tanques; a artilharia hipomóvel polonesa perde todos os cavalos, sob o bombardeio da aviação; os bombardeios em profundidade cortam as comunicações e desorganizam as retaguardas. O próprio tempo, é, uma vez mais, hitlerista. As chuvas estão atrasadas, o céu continua radioso – cúmplice imperturbável dos aviões e dos tanques.
 
É, na verdade, uma bela guerra, fresca e alegre. As perdas são poucas. As divisões não motorizadas mal têm ocasião de combater. As personalidades distintas do regime nazista vêm assistir a essas “grandes manobras”, em que está compreendido o salto de Leni Riefenstahl sobre o QG de Rundstedt, com uma pequena pistola à cintura e um punhal na bota branca. Quanto à Hitler, transportou-se para seu primeiro QG, de campanha, no Kasino Hotel de Sopot, praia de Dantzig. Não se envolve com os pormenores das operações. Mas tira conclusões sobre essa guerra de grande rendimento, na qual acreditou, contra a opinião dos profissionais.
 
Enquanto isso, ora súplices, ora afrontosamente, os representantes do comando polonês, em Londres e em Paris, pedem a abertura das hostilidades aéreas. A resposta é que a RAF, vai, todas as noites, atirar panfletos sobre a Alemanha, mas que o governo francês julga inoportuno atrair represálias sobre suas indústrias de guerra, tomando a iniciativa de bombardeios mais sérios. No Sarre, elementos de uma dezena de divisões avançam, passo a passo, tirando do anonimato algumas localidades, como Bubingen, Wittersheim ou Hornbach. As diretivas do comando são de uma modéstia exemplar. Trata-se de “investir progressiva e metodicamente” sobre a Linha Siegfried entre Haardt e Mosela, e só depois e eventualmente o ataque às fortificações deverá ocorrer. A resistência inimiga corresponde, em medida, a essa fraca agressividade – de acordo com as ordens de Hitler, que havia prescrito que suas forças se limitassem a responder aos ataques. Todavia, os soldados franceses têm cruel surpresa: as minas. As estradas saltam sob os veículos, as tropas, avançando através dos campos, caem em armadilhas mortais – e os homens que abrem a porta de uma granja ou apanham um objeto abandonado são pulverizados. As minas… O Exército francês, votado à defensiva, mal sabe o que são.
 
Fútil ofensiva! Só teria sentido se a França, adaptando seu exército à condição de guardião dos tratados, tivesse corpos de combate blindados, capazes de se atirar sobre a Alemanha e invadi-la. O General Gamelin sabe, melhor que ninguém, que se trata de um simulacro de ação, em favor de uma Polônia condenada. Desde o dia 9 de setembro, ele vem registrando, para o General Georges, seu adjunto para a frente nordeste, a gravidade das derrotas polonesas, sublinhando que as missões defensivas tomam a prioridade. A ofensiva terminou, para a Polônia.
 
No dia 17, Moscou fala. Molotov declara que o governo polonês já não dá sinal de vida: logo, a República Polonesa deixara de existir. A URSS, consequentemente, procede à ocupação dos territórios que, em seu acordo com o Reich, lhe foram reconhecidos como zonas de influência. Uma modificação será aposta a esse acordo, a  28 de setembro: em troca do abandono da Lituânia, pela Alemanha, a nova fronteira germano soviética será recuada para leste, até Bug. Ainda há combates esparsos, mal conhecidas fogueiras de heroísmo, de uma guerra esquecida. Um general, Victor Thomme, defende-se, com furor, na cidade de Modlin. Um general, Prugar-Katlings, entrincheira-se na floresta de Ianov, de onde surge, com alguns esquadrões – cavaleiros contra Panzer! – para se atirar ao assalto de uma divisão blindada imobilizada por falta de combustível. Um almirante, Unruh, disputa, até o dia 2 de outubro, o pequeno porto militar de Hel, na extremidade de uma faixa de areia da baía de Dantzig. Em contrapartida, o herói de estampas de Epinal, o Marechal Rydz-Smigly, passa pela Romênia sem armas, mas com numerosa bagagem. A Polônia de Kosciuzko até hoje cora de vergonha.
 
A própria Varsóvia, defendida por um general polonês chamado Rommel, foi sitiada. Considerando que toda resistência coordenada cessara, os generais alemães propõem bloquear a cidade e esperar sua capitulação. Mas replicando que Varsóvia é uma fortaleza, Hitler manda que a aviação e a artilharia a castiguem. A cidade rende-se a 27 de setembro, após um bombardeio de 4 dias.
 
Outros desentendimentos vão produzir-se entre Hitler e seus generais. Seguindo o Exército vitorioso, as SS (Schutzstaffel – Guarda de Proteção) e a Gestapo se precipitam sobre a Polônia. O General Petzel, comandante das forças em Poznan, protesta contra a matança dos judeus. O General von Kuchler declara ao Gauleiter da Prússia Oriental, Koch: “O Exército alemão não foi organizado para servir de furriel a um bando de assassinos”. Nomeado comandante das tropas de ocupação, o General Blaskowitz faz condenar à morte os membros das SS, culpados de atrocidades, e, tendo Hitler anulado o julgamento, envia-lhe uma nota de protesto que lhe cortará a carreira. A animosidade do antimilitarista que é Hitler contra os militares de carreira, prisioneiros das concepções anacrônicas de honra, jamais deixará de se exacerbar.
 
No entanto, esses militares, tão detestados, ganham para seu Fuhrer, uma bela vitória. A Polônia, que os estados-maiores ocidentais julgavam estar apta a resistir por um ano, é arrasada em 19 dias. Deixa 694.000 prisioneiros nas mãos de seus vencedores – e mais 217.000 nas dos russos. As perdas dos exércitos alemães se elevam a somente a 10.572 mortos, 30.322 feridos e 3.409 desaparecidos.

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