Ian Kershaw tornou-se conhecido depois de ter escrito uma biografia de Hitler, de duas mil páginas, publicada no fim dos anos 1990 e responsável por sua popularidade internacional como historiador. Seu livro mais recente, Das Ende – Kampf bis in den Untergang (O Fim – Combate até a Queda), Kershaw, hoje aos 68 anos, procura respostas para o relativo bom funcionamento da sociedade alemã na fase final e apocalíptica do Terceiro Reich.
Ainda em abril de 1945, salários e honorários eram pagos normalmente no país, os músicos da Filarmônica de Berlim apresentavam-se em concertos, o time de futebol Bayern de Munique jogava regularmente e as tropas alemãs recebiam armas e munição. Até mesmo o abastecimento da população com alimentos esteve garantido até os últimos dias da guerra, mesmo considerando que de vez em quando e em alguns lugares houvesse escassez.
Militarismo prussiano
Ian Kershaw questiona como isso foi possível, perguntando por que a população alemã tolerou as atrocidades da guerra até a derrocada total, sem se rebelar, como ocorreu, por exemplo, em novembro de 1918. "A resposta é simples. O terror do aparelho de repressão nazista era tão grande que uma revolução vinda de baixo era completamente impossível", diz Kershaw.
Esta foi inclusive a principal diferença entre aquele momento e o fim da Primeira Guerra Mundial, acredita o historiador. Em 1918, aponta ele, havia na Alemanha um Parlamento, partidos políticos e até mesmo um movimento pacifista. Não existia nenhuma Gestapo e nem soldados inimigos em território alemão. "A situação em 1918 era completamente diferente da de 1945. O terror funcionou até as últimas semanas da Segunda Guerra, sendo capaz de abortar qualquer ameaça revolucionária ao regime", diz o historiador.
Ian Kershaw analisa de maneira clara, em seu livro de 700 páginas, a queda do regime de Hitler, destrinchando detalhadamente e de maneira impressionante as estruturas de comando do Terceiro Reich até o terceiro ou quarto escalões. "Por que os generais da mais alta patente do Exército obedeciam às ordens cada vez mais absurdas de Hitler?", pergunta o historiador. Por um lado, diz ele, em função das tradições nefastas do militarismo prussiano, que ainda eram presentes; por outro lado, continua Kershaw, porque os nazistas souberam explorar magistralmente antigos conceitos militares como "obrigação" e "honra" para atingir seus propósitos.
Conformidade no Estado do "Führer"
A principal explicação de Ian Kershaw para a conformidade bizarra dos alemães é, contudo, uma outra, de ordem estrutural: ao contrário da Itália fascista, segundo ele, a Alemanha nazista era, de fato, um "Estado do Führer".
Enquanto Mussolini tinha, durante todo o período de seu governo, que dar satisfações ao rei Vítor Emanuel 3° e ao Grande Conselho do Fascismo, que o depôs em julho de 1943, não existia nada na Alemanha que equivalesse a essa divisão parcial de poder. Hitler não devia satisfações a nenhuma instância, nem a ninguém, e não havia nenhuma instituição com a qual ele fosse obrigado a debater suas decisões. E como ele, na condição de ditador, havia tomado a decisão de levar a guerra até a autodestruição, o povo alemão não tinha outra alternativa exceto obedecê-lo praticamente sem resistência, opina Kershaw.
Em seu livro, o historiador britânico dá provas de maestria em narrativa histórica. Em uma espécie de cinemascope historiográfico, Kershaw oferece ao leitor uma interpretação coerente e marcante dos últimos dias de guerra na Alemanha. Trata-se de um livro grandioso como um filme sobre a história daquele período, apresentado por Kershaw ao público de hoje.
Autor: Günter Kaindlstorfer (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer