Jornal de Brasília
No primeiro semestre, o Governo Federal, em parceria com o governo do Acre, regularizou e conseguiu empregar mais de dois mil haitianos. Agora, há 96 imigrantes do país caribenho na cidade de Iñapari, no Peru, onde tentam regularizar seus documentos para trabalhar em território brasileiro. Moradores de Iñapari e do município vizinho de Assis Brasil, no Acre, afirmam que os haitianos não querem fazer nada, mas, reconhecem que, sem comida, água e energia, como estão há quase quatro meses no Peru, não dá para continuar.
Segundo o imigrante Junior Saint-Jean, que já tem situação regularizada na fronteira, eles foram transferidos a dois barracões de madeira na última sexta-feira. As 26 mulheres, a maioria com infecção urinária, detectada por médicos do hospital de Assis Brasil, estão num barracão separado, com um só cômodo, sem energia elétrica. Dormem em colchonetes e fazem necessidades fisiológicas no mato, em área próxima ao leito do Rio Acre. Quando ganham água, usam para cozinhar. A comida também é doada.
Banho, só no rio ou com a água que sobra e fica numa caixa de 500 litros. O banheiro é tampado com uma espécie de rede e coberto com telhas de amianto. A água é distribuída por cinco canos que escorrem para uma vala a céu aberto.
“COMO ANIMAIS”
“Vivemos como animais. O governo peruano não nos dá qualquer apoio”, disse Saint-Jean. No barracão masculino, 70 homens dividem seis apartamentos, um deles separado para quem está com a saúde mais debilitada. Assis Brasil e Iñapari estão numa região da Amazônia onde a leishmaniose é endêmica, disse o clínico-geral do hospital da cidade brasileira, Everton da Costa.
Quase todos os homens têm o corpo coberto de pequenas feridas, como mostrou o imigrante ilegal Ebetch Nerizier, 26 anos. “Os mosquitos picam a gente toda noite. Estamos sem tratamento médico. Alguns, por estresse, pensam até em se matar”. Perguntado por que não retornam ao Haiti, Nerizier foi direto: “Queremos trabalhar no Brasil, ganhar um pouco mais de dinheiro para mandar para nossas famílias que ficaram no Haiti. Lá é pior, não tem nada.”
Nova rota de imigração
Uma nova rota de imigração foi utilizada pelas 35 pessoas que se estabeleceram em Brasiléia (AC). Diferentemente do que fizeram os que se aventuraram no primeiro semestre com pacotes oferecidos por “coio – tes” (agenciador de imigrantes ilegais) haitianos, esses chegam em pequenos grupos para não chamar a atenção do policiamento de fronteira, também com apoio dos coiotes.
Agora, aguardam a liberação de um CPF para poder ingressar legalmente e trabalhar. Nessa rota, os haitianos viajam de avião da República Dominicana à cidade boliviana de Ibéria. De lá, caminham oito quilômetros pela mata da Amazônia até Cobija, Bolívia, que faz fronteira com Brasileia, e tem duas pontes sobre o Rio Acre, que podem ser atravessadas tranquilamente.
Nos dois dias em que a reportagem passou em Brasileia não foi visto policiamento de fronteira do lado brasileiro nas pontes. Comerciantes locais disseram que é por causa da greve da Polícia Federal.
POUCO A POUCO
Os primeiros haitianos chegaram em junho e, a partir daí, outros pequenos grupos, como a família de Obelca Jules, último a ingressar em Brasiléia, aparecem de forma “picada”, disse o representante do governo do Acre na cidade, Damião Melo. Eles ainda usam as duas rotas mais visadas pela polícia de fronteira. Esses caminhos foram usados pelos 2,7 mil haitianos que ingressaram em Brasileia no primeiro semestre, já com documentação legalizada pelo governo brasileiro.