Submarinos alemães afundam navios brasileiros. Movimentos populares exigem que o governo declare guerra. Ocorrem episódios de violência contra imigrantes. O presidente do Brasil, que já havia sido pressionado a abandonar a neutralidade alguns meses antes, decide enfim assinar a declaração de guerra.
Parece o enredo da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Mas o ano é 1917. O presidente, não é Getúlio Vargas, mas Venceslau Brás. O inimigo não é a Alemanha nazista de Adolf Hitler, mas o antigo Império Alemão do Kaiser Guilherme 2º.
Em 26 de outubro de 1917, o Brasil, que havia se mantido neutro por quase três anos da Primeira Guerra Mundial, decidiu se juntar aos poderes da Entente, a aliança militar contra a Alemanha que naquele momento incluía a Grã-Bretanha e a França e recentemente havia passado a contar com apoio dos EUA.
Parte da imprensa celebrou a decisão do presidente Brás. "…E entramos na Guerra!", anunciou a manchete do jornal Gazeta de Notícias.
O fim da neutralidade
Brás resistiu o quanto pôde em se lançar no conflito. À época, o Brasil era um país atrasado. Seu Exército precário só tinha experiência em sufocar revoltas populares, como Canudos (1896-1897) e o Contestado (1912-1916). A Marinha ainda se recuperava do expurgo de milhares de homens que haviam se amotinado em 1910.
Sem uma base industrial relevante, o país também viu os investimentos externos sumirem quando os beligerantes redirecionaram recursos. A Alemanha, seu terceiro mercado exportador, ficou fora do alcance por causa do bloqueio aliado. Distante da Europa, o Brasil também não parecia ter qualquer interesse estratégico no conflito.
Mas antes mesmo dos ataques a navios o clima no país já vinha sendo preparado para a entrada na guerra. "O envolvimento emocional de intelectuais e políticos, a intensa participação da imprensa influenciando a opinião pública, as pressões diplomáticas e ingerências econômicas dos Aliados, bem como a intensificação das relações diplomáticas e o crescimentos dos interesses comerciais com os EUA, conduziram o Brasil a uma mudança gradual de posicionamento", disse o pesquisador Valterian Braga Mendonça, autor de A Experiência Estratégica Brasileira na Primeira Guerra Mundial.
Os submarinos alemães acabaram potencializando esses fatores. Em 1916, um navio brasileiro foi afundado, mas o governo não tomou nenhuma atitude. Em fevereiro de 1917, a Marinha alemã decidiu implementar uma política de guerra submarina irrestrita, sem levar em consideração se os alvos eram de países neutros. O resultado foi logo sentido no Brasil.
Os ataques a navios
Em abril de 1917, o vapor Paraná foi afundado na região do canal da Mancha. Três brasileiros morreram. Em maio, mais dois navios, Tijuca e Lapa, foram torpedeados. Desta vez o país decidiu abandonar sua política de neutralidade. A primeira represália foi o confisco de 44 navios de bandeira alemã atracados em portos brasileiros.
Eles foram rebatizados e receberam bandeira brasileira. O então ministro das Relações Exteriores, Lauro Müller, defensor da neutralidade e alvo regular de ataques por causa da sua origem alemã, acabou pedindo demissão. A gota d'água veio em 18 de outubro, quando o navio Macau, ironicamente uma das embarcações confiscadas dos alemães, foi afundado pelo submarino U-93 no litoral da Espanha. O comandante do navio, Saturnino Furtado de Mendonça, e um marinheiro, foram feitos prisioneiros. Nunca mais se ouviu falar deles.
A reação no país
Os jornais brasileiros cobriram o episódio à exaustão. O A Época veio com a manchete "A infâmia allemã". Já a Gazeta de Notícias estampou o título "Crime feroz da pirataria 'boche'", usando o termo pejorativo francês para se referir aos alemães.
Não eram só os jornais que tentavam influenciar a opinião pública a pressionar o governo. Desde 1915, antes mesmos dos ataques, um grupo de intelectuais e personalidades vinha agindo para que o país se juntasse aos Aliados. Eles formaram a Liga Brasileira pelos Aliados, e também passaram a denunciar o que classificavam de "perigo alemão" das colônias germânicas no sul do Brasil.
O grupo reunia pesos pesados da vida pública brasileira, como Ruy Barbosa e o escritor Graça Aranha. Quando Müller deixou o Itamaraty, o ex-presidente Nilo Peçanha assumiu a vaga. O novo ministro tinha justamente Ruy Barbosa como um de seus modelos e tratou de aproximar o Brasil dos EUA, que já estavam em guerra com a Alemanha e haviam se tornado o principal destino das exportações brasileiras.
Os alemães não tinha uma máquina comparável para influenciar a opinião. A marinha britânica havia cortado o cabo telegráfico submarino que ligava a Alemanha ao Brasil, diminuindo o fluxo de notícias vindas do país. Embora os alemães tivessem influenciado o Exército brasileiro por meio de missões militares, as elites simpatizam com os Aliados, especialmente os franceses. "Desde o período imperial, as elites brasileiras eram educadas segundo o modelo educacional francês", disse Mendonça.
Os ataques a navios também provocaram reações do público contra imigrantes alemães. Incidentes foram registrados em Porto Alegre. Em Curitiba, jornais e estabelecimentos comerciais de alemães foram depredados. Sobrou até mesmo para a comunidade polonesa local, erroneamente identificada como pró-germânica porque a Alemanha tinha então milhões de poloneses vivendo em seu território.
O papel do Brasil na guerra
Na história do conflito, o Brasil foi o único país sul-americano que se juntou aos Aliados, mas seu papel foi bastante modesto. "A participação do Brasil ao lado da Entente foi extremamente limitada, senão inexpressiva para considerar o resultado final da guerra", afirmou o historiador Carlos Daróz, autor do livro O Brasil na Primeira Guerra Mundial: a longa travessia. Segundo ele, apenas 2 mil brasileiros se envolveram diretamente no conflito.
Sem um Exército moderno, o país se limitou a enviar 24 oficiais para treinamento com as forças francesas. Alguns chegaram a participar de combates. Treze aviadores também foram incorporados aos corpos de aviação do Reino Unido. Uma missão com 138 médicos e enfermeiras foi enviada à França em agosto de 1918.
Também foi criada uma Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), com oito navios. O plano era caçar submarinos alemães em uma faixa entre o litoral de Serra Leoa, na África, e o estreito de Gibraltar, na entrada do Mediterrâneo. Mas as coisas não ocorreram conforme o planejado. A partida só aconteceu em agosto de 1918.
Os velhos navios movidos à carvão enguiçaram várias vezes no caminho. Quando finalmente aportaram em Freetown, na Serra Leoa, os brasileiros sofreram um grande número de baixas, não pelas mãos dos alemães, mas por causa da malária e da gripe espanhola. Dos 1.515 tripulantes, 156 morreram. Eles foram sepultados em Dacar, no Senegal.
Outros 140 outros ficaram tão doentes que tiveram que ser enviados de volta ao Brasil. A divisão naval, que a essa altura contava com quatro navios, só conseguiu alcançar Gibraltar em 10 de novembro de 1918, um dia antes da assinatura do armísticio que marcou o fim do conflito. No caminho, os marinheiros confundiram um cardume de golfinhos com um submarino alemão e abriram fogo. Dezenas de cetáceos morreram.
A memória da guerra
A memória da participação brasileira no conflito resiste em alguns monumentos e nomes de logradouros. Nos anos 1920, os corpos dos 156 marinheiros da DNOG foram exumados em Dacar e levados ao Rio de Janeiro. Hoje eles repousam discretamente em um mausoléu no cemitério São João Batista. Uma rua foi batizada em homenagem ao Tenente Eugênio Possolo, um aviador que morreu durante treinamento na Europa.
O U-93, o submarino que responsável pela ação que marcou a virada final na posição brasileira no conflito, desapareceu com toda a tripulação no norte do Atlântico em 18 de janeiro de 1918, três meses depois do afundamento do Macau. Em julho de 2014, mergulhadores afirmaram ter encontrado seus destroços no litoral da Bretanha, oeste da França.