Rubens Barbosa
A radicalização da política interna, agravada com o pedido de impeachment da presidente da República, adquire contornos dramáticos com a decisão do PT de mobilizar forças internas e externas para denunciar um pretenso golpe contra a democracia no Brasil. Ministros do Supremo Tribunal Federal explicam que na discussão e votação do impeachment o devido processo legal vem sendo rigorosamente seguido e que é um grave equivoco insistir na tese do golpe e do retrocesso. Além da incitação interna – "não passarão", "vamos à luta" – dos movimentos sociais (CUT, MST, UNE e outros), o Palácio do Planalto estimula ações que vão além das nossas fronteiras.
O governo e o PT não hesitam em fazer uso da máquina pública para tentar desinformar governos estrangeiros, organizações internacionais e a mídia sobre o que está acontecendo no Brasil com o objetivo de deslegitimar o futuro governo e atingir a imagem presidencial. As conexões externas do PT e de seus principais líderes – dentro e fora do governo – estão sendo mobilizadas para uma forte campanha contra o Brasil e suas instituições, junto a pessoas em organizações internacionais e governos afins ideologicamente.
Felipe González e Ricardo Lagos assinaram documentos críticos ao processo de impeachment. O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) e o alto comissário de Direitos Humanos emitiram notas oficiais contra o processo de impeachment, acusando as oposições de golpe. Na longa e inaceitável nota da OEA, Luis Almagro investe contra o Judiciário e o Legislativo brasileiros, chegando a afirmar que não há prova contra a presidente, em clara interferência em assunto interno do Brasil. O secretário-geral da Unasul, a pedido do presidente do Uruguai, emitiu nota criticando a aprovação do início do processo de impeachment na Câmara de Deputados.
Os presidentes bolivarianos da Venezuela e da Bolívia se pronunciaram em clara interferência nos assuntos internos brasileiros. O presidente do Equador fez graves afirmações ao qualificar a Operação Lava Jato de Plano Condor e atacar o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal. Raúl Castro também saiu em defesa de Dilma em comunicado oficial do governo cubano. A ministra do exterior de um dos países-membros do Mercosul chegou a afirmar que o Brasil deveria ser suspenso caso a presidente Dilma seja afastada, colocando o Brasil no mesmo pé do Paraguai.
O normalmente esquecido corpo diplomático em Brasília foi convidado a participar da reunião no Palácio do Planalto em que a chefe de Estado fez pronunciamento inflamado dizendo que não renunciaria e que iria lutar contra o golpe. A sede de governo transformou-se em palanque político onde puderam ser ouvidas seguidas manifestações de militantes e de alguns embaixadores que repetiam palavras de ordem e gestos de punhos cerrados e braços esticados. Em encontro com correspondentes estrangeiros, a presidente e Lula repetiram a narrativa do golpe e de crítica ao Ministério Público.
A campanha no exterior adquiriu contornos de realismo mágico quando, depois de mencionar a grave situação e, contraditoriamente, afirmar ser o País uma democracia vigorosa, em evento da ONU sobre clima, a presidente da República pediu a aplicação da cláusula democrática pelo Mercosul e pela Unasul contra o Brasil, se for afastada. Sábado passado, o ministro de Relações Exteriores e o assessor internacional da Presidência visitaram o secretário-geral da Unasul e, em grave atentado contra a soberania do País, formalizaram pedido nesse sentido, em carta assinada por Marco Aurélio Garcia.
Essas demandas inusitadas – não me lembro de nenhum exemplo de chefe de Estado e de governo pedindo graves sanções contra seu próprio país – não levarão a nada, nem interna nem externamente. Com a possível exceção dos países bolivarianos (Venezuela, Equador e Bolívia), nenhum outro aceitará sequer examinar a aplicação da cláusula democrática contra o Brasil.
O que choca é a narrativa de golpe ser usada no exterior pelo governo e pelo PT contra o próprio país e suas instituições. O resultado é um desserviço ao Brasil, pois vai contra o interesse nacional e a imagem do País no exterior. Procura-se criar um clima venezuelano de confrontação e de instabilidade política que inexistem no Brasil. O futuro governo terá de executar uma estratégia de longo prazo para neutralizar essa campanha de lesa-pátria, construída para oferecer a narrativa do PT para as eleições de 2018.
Todos esses episódios contribuem para macular a percepção a respeito do trabalho sério e competente desenvolvido pelo Itamaraty, por representarem interferências indevidas no trabalho diplomático e em seus processos decisórios. Como ocorreu com a iniciativa de funcionário com notórias ligações com o PT de enviar a todas as embaixadas brasileiras instrução para que diplomatas fossem designados para transmitir aos governos locais a ameaça de golpe contra a presidente e, agora, com a presença do ministro do Exterior na Unasul.
A recuperação do prestígio do Itamaraty e de sua centralidade no processo de decisão e execução internas são condições necessárias para o Brasil voltar a exercer efetiva liderança e passar a influir de forma positiva no cenário regional e multilateral, deixando de lado a atitude de "anão diplomático" que hoje prevalece.
Neste momento crítico para a instituição, que deveria defender os interesses brasileiros no exterior, e deverá responder, com o novo governo, aos ataques contra o País, é importante relembrar a lição do patrono da diplomacia brasileira. Pouco antes de assumir o Itamaraty, no início do século 20, Rio Branco afirmou, sem meias-palavras, que não se devem confundir interesses partidários com os interesses maiores do País. O Brasil, em primeiro lugar.
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