RIO – Igrejas evangélicas têm ampliado sua influência na América Latina ao longo dos anos e envolvido, nesse processo, desde donos de canais de comunicação a impulsionadores de campanhas políticas , passando ainda por membros do Congresso e pessoas próximas ao governo . As informações integram reportagem do Grupo Diários América (GDA) sobre o crescente fortalecimento de redes e agenda do grupo religioso .
Pelo continente, vantagens como isenção tributárias e outras leis, que beneficiam evangélicos, são articuladas por meio de associações com partidos e políticos. Essas costuras se adaptam, inclusive, a trocas de governo — para especialistas, o objetivo desses grupos é se aproximar dos cargos de poder, independentemente de quem os ocupe.
Um dos casos que se destaca é o da igreja Luz del Mundo, do México. Com três membros no Parlamento e ligações com diferentes partidos — como o Partido Revolucionário Institucional (PRI), Ação Nacional (PAN) e o que está no poder atualmente, Morena — a igreja também administra empresas com diversas atividades comerciais no país.
O líder da igreja mexicana, Naasón Joaquín Garcia, está preso desde junho sob a acusação de ter cometido crimes como abuso sexual de menores, pornografia infantil e tráfico de pessoas. Mesmo assim, chegou a ser homenageado duas vezes por parlamentares.
Ainda no México, o presidente da Confraternização Nacional de Igrejas Cristãs Evangélicas (Cofraternice), Arturo Farela, diz ser amigo de longa data do atual presidente do país, Andrés Manuel López Obrador. A gestão de Obrador tem sofrido forte influência de grupos evangélicos, que o ajudaram desde a campanha — ele fez uma aliança com o Partido do Encontro Social, de viés-cristão-evangélico — e em pelo menos cinco atos públicos favoráveis ao governo.
A candidatura do pastor evangélico Javier Bertucci à presidência da Venezuela levou o país ao chamado “fenômeno Bertucci” durante as eleições de 2018. O partido dele, “Esperança pela mudança”, ultrapassou a marca de um milhão de votos em um feito histórico para uma sigla com esse viés religioso. Entre os venezuelanos, apenas 17% se declaram evangélicos ou protestantes, segundo a organização sem fins lucrativos Latinobarómetro.
A tentativa de Bertucci, porém, foi polêmica. O pastor foi acusado de ser cúmplice do presidente Nicolás Maduro ao concorrer em uma eleição não reconhecida por grande parte da oposição e também teve seu nome envolvido com denúncias de corrupção.
No Uruguai, o pastor Jorge Márquez busca as urnas para tentar comandar o governo desde 2009. Assim como ele, outros líderes religiosos seguem o mesmo caminho. Neste ano, ao menos 16 listas eleitorais foram encabeçadas por pastores evangélicos nas primárias. Há ainda três parlamentares evangélicos eleitos pelo Partido Nacional.
Um dos dois únicos partidos com status legal na Colômbia é a Mira, oriunda da Igreja de Deus Ministério de Jesus Cristo Internacional. A sigla está presente no Congresso colombiano há 19 anos. A influência de movimentos religiosos entre os colombianos influenciou a vitória do “não” ao plebiscito sobre a proposta de acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 2016. O presidente Juan Manuel Santos chegou a se reunir com uma dezena de pastores para ouvi-los sobre o tema.
Com uma queda no número de católicos nos últimos 20 anos (eles eram 73% da população em 1998 e passaram a ser apenas 55% no ano passado), o Chile também está assistindo a um aumento no número de evangélicos. Correspondentes a uma parcela de 16% do país, os religiosos também ampliaram seu poder político e econômico: hoje, sete dos 155 deputados são evangélicos e, há dois anos, mais de 40 igrejas e corporações tinham ações em empresas listadas na Bolsa, segundo a Superintendência de Valores e Seguro. Na área das comunicações, os evangélicos comandam dois canais de TV chilenos e uma centena de emissoras de rádio.
Um dos crescimentos mais expressivos na população evangélica aconteceu em El Salvador: de 28,7% fiéis em 2004, o país passou a ter 39,5%, em 2019. Eles estão presentes em meios de comunicação e são membros de conselhos que elaboram políticas públicas. Não há associações a um partido político específico, mas sim aos ocupantes dos cargos de poder. Nas últimas quatro posses presidenciais, por exemplo, além da presença de padres católicos, foi registrada a participação de pastores.
A influência dos evangélicos na Argentina ainda não é muito perceptível, apesar deles serem o segundo grupo com mais fiéis no país. Falta uma organização política que auxilie o grupo, bem como um candidato com trajetória suficiente para se eleger.
Mesmo diversas e segmentadas, as igrejas evangélicas têm agendas comuns para a América Latina. Elas compartilham, por exemplo, pautas contra o aborto e direitos LGBTs. Em Porto Rico, um grupo submeteu, sem sucesso, um projeto ao Senado para aplicar terapias de conversão a homo e transsexuais. No Chile, a ex-presidente Michelle Bachelet foi atacada por ter estimulado projetos que autorizavam o aborto em casos específicos e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
O Brasil é um dos exemplos mais notórios do crescente poder evangélico, num cenário multifacetado entre diversas denominações religiosas e com consecutivo aumento de peso eleitoral. No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro deveu sua vitória em boa parte a esta parcela do eleitorado: pesquisas de intenção de voto no segundo turno indicavam um apoio a ele de 70% entre os evangélicos, um índice raras vezes alcançado.
Esses grupos religiosos começaram a se consolidar na década de 1970, e mais do que quadruplicaram de tamanho nas décadas seguintes. No Congresso, a quantidade de parlamentares evangélicas também cresceu — a chamada bancada evangélica é das mais numerosas do parlamento brasileiro.