A energia de fusão nuclear é uma promessa que se busca tornar realidade há décadas em vários países. E agora a China disse estar um passo mais perto do feito. Autoridades chineses anunciaram no fim de semana (5 e 6/12) que colocaram em funcionamento um reator direcionado para a meta de gerar energia por fusão nuclear.
O equipamento chamado HL-2M Tokamak está localizado na cidade de Chengdu, capital da Província de Sichuan, no sudoeste da China. Ele é capaz de gerar temperaturas de 150.000.000º C, o que o levou a ser chamado de "sol artificial".
Em comparação, o núcleo do Sol alcança "apenas" 15.000.000º C. As altas temperaturas geradas pelo "sol artificial" são fundamentais para obter a fusão nuclear, um processo tido por anos como uma maneira de produzir energia limpa e praticamente inesgotável. E em que consiste o anúncio da China e o que ele significa na corrida pela aguardada energia de fusão nuclear?
Fusão nuclear
Para entender o feito chinês, primeiro é preciso explicar o que é a fusão nuclear. Como seu nome indica, é um processo no qual o núcleo de dois átomos leves se unem para formar um núcleo mais pesado.
A cada reação de fusão, é liberada uma grande quantidade de energia. Assim funcionam o Sol e as estrelas, onde a cada segundo ocorrem milhões de reações em que os núcleos de hidrogênio, por exemplo, se fundem e geram núcleos de hélio.
A ideia é pegar um tipo de gás de hidrogênio, esquentá-lo a mais de 100 milhões de graus Celsius até que ele forme uma nuvem fina e frágil chamada plasma, e então controlar esse plasma por meio de poderosos ímãs até que os átomos se fundam e liberem energia.
Esse processo libera baixas quantidades de carbono e poucos resíduos, razão pela qual a fusão nuclear foi proposta como uma forma eficiente de proteger o meio ambiente.
Entusiastas da energia de fusão nuclear argumentam que ela poderia deixar para trás o uso de combustíveis fósseis por meio da queima, um dos principais culpados pelas mudanças climáticas. Atualmente, a energia nuclear é produzida por processos de fissão, método contrário à fusão em que um núcleo pesado é dividido para produzir outros mais leves.
A fissão gera grandes quantidades de lixo radioativo e levanta preocupações relacionadas à proliferação de armas nucleares.
Além disso, ao contrário da fusão, a fissão cria uma reação em cadeia, criando o risco de uma explosão.
A energia de fusão é, também por isso, considerada mais segura do que a energia de fissão.
O sol artificial
O equipamento inaugurado pela China é o que os engenheiros chamam de tokamak, uma máquina desenvolvida para aproveitar a energia da fusão nuclear.
Um tokamak funciona como uma câmara a vácuo em forma de anel onde o gás, mediante calor e pressão extremos, se converte em plasma e inicia a fusão.
O HL-2M é o maior e mais avançado tokamak criado pela China, segundo informações da Companhia Nacional Nuclear da China (CNNC, na sigla em inglês).
Segundo seus criadores, o HL-2M pode processar mais do que o dobro de plasma do que outros aparelhos do país.
"É um importante equipamento de apoio para alcançar o avanço da energia de fusão nuclear da China", diz um comunicado da CNNC.
Olhando para o futuro
A CNNC também destaca que o "sol artificial" é uma "plataforma indispensável com a qual a China pode absorver a tecnologia ITER (International Thermonuclear Experimental Reactor)".
O ITER, que está sendo construído na França, é o maior projeto de fusão nuclear do mundo, envolvendo a União Europeia, Estados Unidos, Índia, Japão, Coréia do Sul, Rússia e China.
O objetivo do ITER é construir um tokamak que possa produzir 500 MW de energia até 2025.
Um reator que gera 500 MW de energia seria suficiente para abastecer cerca de 200 mil residências ao mesmo tempo.
O experimento ITER não será capaz de converter a energia que produz em eletricidade, mas pretende ser o primeiro experimento de fusão que gera mais energia do que consome.
As informações do HL-2M "serão uma contribuição útil para o funcionamento futuro do ITER e permitirão que os pesquisadores chineses se beneficiem dos resultados do ITER", disse Stewart Prager, pesquisador do Laboratório de Física de Plasma da Universidade Princeton, nos EUA.
Entusiasmo e ceticismo
Apesar da empolgação com os avanços no campo da energia por fusão nuclear, alguns especialistas mantêm o ceticismo.
Até agora, tem sido difícil tornar a energia de fusão comercialmente viável porque os cientistas não foram capazes de gerar energia suficiente a partir das reações.
Os tokamaks de hoje consomem mais energia do que produzem.
"Não estou muito animada", disse Chary Rangacharyulu, especialista em física nuclear da Universidade de Saskatchewan (Canadá), à BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol), referindo-se ao anúncio do "sol artificial" da China.
Rangacharyulu menciona que o alto custo desses projetos e o tempo que leva para produzir um modelo experimental "não o convencem" de que eles são a solução para o problema energético mundial.
O professor acrescenta que geralmente não é "muito otimista" em relação à energia de fusão nuclear, porque, ao contrário da fissão, a reação não se sustenta.
"Quando a reação em cadeia é desencadeada na fissão nuclear, ela pode continuar e só temos que controlá-la", diz o especialista.
"O processo de fusão não é uma reação em cadeia, tem que haver um fornecimento constante de partículas para sustentar a reação.
Por fim, Rangacharyulu alerta que a energia de fusão não é totalmente limpa, pois pode produzir nêutrons que podem gerar radioatividade.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) afirma que a fusão nuclear é uma das "fontes de energia mais ecologicamente corretas", mas alerta que reduzir o influxo de nêutrons na estrutura de um reator "é um grande desafio para futuros experimentos de fusão".
Por outro lado, a China mantém seu entusiasmo com a tecnologia.
De acordo com o CNNC, o país pretende desenvolver um reator de fusão experimental em 2021, construir um protótipo industrial até 2035 e iniciar o uso comercial em larga escala até 2050.
"Ainda faltam algumas décadas para que a fusão gere energia em uma escala comercialmente significativa", conclui Prager, da Universidade Princeton.