Texto FT
Tradução UOL
Hillary Clinton, tentando conter aquilo que ela teme ser uma rota de guerra no Oriente Médio, está ela própria engajada em um curso belicoso.
A secretária de Estado dos Estados Unidos está lutando para convencer países em dúvida dos méritos das sanções propostas contra o Irã. Entre os céticos estão a Turquia (vizinha do Irã), a China (uma descrente tradicional) e o Brasil.
O Brasil? Tendo suportado bem a crise financeira global, o país tornou-se importante na comédia das nações, quase sem que ninguém percebesse. Na semana passada, Brasília recebeu os líderes da China, da Rússia e da Índia, na segunda reunião de cúpula dos “Brics” – tendo convidado também a África do Sul por cortesia.
Ainda mais notável tem sido a velocidade da ascensão do Brasil. O país participou da primeira reunião do G8 há apenas seis anos, como observador. Naquela época, ele contava com mil diplomatas espalhados pelo mundo. Hoje há 1.400, e o Brasil chegou até a abrir uma embaixada em Pyongyang.
“Brasil, Rússia, Índia e China têm um papel fundamental na criação de uma nova ordem internacional”, declarou na semana passada o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Esse tipo de linguagem imperial seria de se esperar da Rússia ou da China. No caso de Lula da Silva, o ex-líder trabalhista de 64 anos de idade, no entanto, as palavras são adoçadas pela sua imagem global de homem comum – ou “o cara”, conforme Barack Obama certa vez o chamou.
Certamente, o líder brasileiro não sentiu nenhum desconforto ao abraçar Hillary Clinton em um dia de março e o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, no dia seguinte – conforme ele pretende fazer novamente durante uma visita a Teerã no mês que vem.
“Eu estou infectado pelo vírus da paz”, disse certa vez Lula da Silva. E o ministro da Defesa do Brasil chegou a frisar que o país não tem inimigos.
No entanto, essa política do arco-íris adotada pelo Brasil pode estar chegando a um limite, e ela poderia até mesmo ameaçar a cadeira permanente no Conselho de Segurança na Organização das Nações Unidas (ONU) que o país cobiça.
Gafes recentes prejudicaram a imagem lapidada do Brasil, e a do seu presidente também. “Um gigante político, mas um pigmeu moral”, afirmou recentemente Moisés Naím, editor da revista “Foreign Policy”.
Houve um momento em fevereiro quando Orlando Zapata, um ativista dos direitos humanos de Cuba, morreu, após uma greve de fome de 86 dias. “Greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto de direitos humanos para libertar pessoas”, comentou Lula da Silva, apesar do fato de ele próprio ter feito greve de fome durante a ditadura militar brasileira.
Além disso há a vizinha Colômbia, que o Brasil tem criticado devido ao acordo de Bogotá com os Estados Unidos referente a bases militares, embora Brasília ignore o apoio da Venezuela ao movimento guerrilheiro colombiano Farc, bem como a aquisição de armas russas por parte de Caracas.
Finalmente, há o Irã. No ano passado, Lula da Silva cumprimentou Ahmadinejad pela sua contestada vitória eleitoral. Após comparar os manifestantes iranianos a maus perdedores de uma partida de futebol, ele convidou Ahmadinejad para visitar o Brasil. A iniciativa fez parte do papel que Brasília adotou, de pacificador de todos, e que neste caso consiste em apoiar o direito do Irã à energia nuclear, mas não a armas nucleares.
Para os críticos, essa é uma política externa irritante – narcisista e ingênua. Mas, assim como todos países poderosos, o Brasil está buscando aquilo que acredita ser do seu interesse. Se ele está fazendo isso de forma efetiva é uma outra questão.
Os diplomatas brasileiros são amplamente reconhecidos como negociadores habilidosos, especialmente na área comercial. Mas o país carece de uma rede de pesquisa que lhe informe sobre as visões de mundo conforme as estruturas de, digamos, Washington ou Moscou. Ele não está acostumado aos holofotes da opinião internacional. E, inevitavelmente, o Brasil tem cometido erros.
Isso até o momento tem custado pouco para o Brasil. O comércio representa apenas um quinto da economia do país, de forma que a necessidade de cultivar a boa vontade comercial do Ocidente não é um fator decisivo. E o Brasil também não enfrenta problemas imediatos nas suas fronteiras. O Brasil é menos pressionado do que a maioria dos países por problemas de segurança, necessidades econômicas ou políticas domésticas. Ele pode se dar ao luxo de dizer o que deseja – em relação ao Irã ou qualquer outro assunto.
Mesmo assim, muitos acreditam que se o Brasil quiser sentar-se à mesa internacional mais importante do mundo ele terá que fazer algumas escolhas difíceis. O Brasil poderia ajudar a fazer com que a rodada Doha de negociações sobre o comércio internacional fosse reativada – com a possibilidade de se beneficiar com isso. Mas isso significaria fazer pressões quanto a certas questões, como a da propriedade intelectual, que poderiam desagradar os seus atuais amigos.
Um desafio maior terá início após a eleição presidencial de outubro deste ano, quando o Brasil terá que se virar sem o charme de Lula da Silva. A imagem de império da amabilidade característica pelo país poderá não durar.