A "finlandização", neutralidade imposta pela Rússia à Finlândia durante a Guerra Fria, é uma pista controversa na resolução da crise na Ucrânia, cuja menção ainda hoje irrita Helsinque.
As declarações atribuídas ao presidente francês, Emmanuel Macron, no sentido de que ela faz "parte dos modelos" evocados para resolver a crise provocaram reações, embora ele tenha negado ter utilizado o termo.
O precedente de preservar suas fronteiras dando ao seu poderoso vizinho o direito de intervir em assuntos estratégicos ecoa na situação atual na Ucrânia, mas uma solução semelhante pode ser inaceitável para o governo ucraniano, segundo especialistas.
Neutralidade sob controle
Após uma primeira guerra (1939-1940) provocada pela invasão da União Soviética e então uma segunda a partir de junho de 1941 em que a Finlândia lutou contra o Exército Vermelho ao lado da Alemanha nazista, a Finlândia e a URSS assinaram um armistício em 1944 e depois um acordo de paz em Paris em 1947.
No novo contexto da Guerra Fria e da Cortina de Ferro, um “tratado amistoso” foi assinado no ano seguinte.
Sob o acordo, os líderes finlandeses concordaram em ficar de fora da cooperação militar ocidental, especialmente a recém-criada Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Foram aplicadas especialmente na mídia políticas autoritárias que buscavam acabar com o sentimento antissoviético nas esferas políticas e culturais finlandesas.
A Rússia exerceu controle sobre a política externa e militar da Finlândia impedindo, por exemplo, os acordos de proteção mútua de sua antiga província na era czarista (1809-1917) com a Suécia e a Noruega.
Insulto
Essa política ajudou a evitar a invasão soviética e a entrada do país no bloco oriental, e muitos concordam que os líderes finlandeses não tinham outra opção.
Mas a afronta à sua independência vivida pela Finlândia é atualmente considerada por muitos como um período vergonhoso.
"Na Finlândia, quando se diz que alguém está ‘finlandizado’, é quase um insulto, porque significa que a pessoa opta mais pelo lado russo do que o do Ocidente", destacou o ex-primeiro-ministro Alexander Stubb em entrevista à AFP.
Muitas figuras do mundo político e midiático do período são hoje criticadas por terem abusado da autocensura para não perturbar o Kremlin.
Após a queda da URSS em 1991, a Finlândia abandonou sua neutralidade para aderir claramente ao campo ocidental, entrando na União Europeia em 1995 e mais tarde tornando-se parceira, embora não membro, da OTAN.
"Éramos um pequeno país entre a cruz e a espada", enfatiza o professor Teivo Teivainen, da Universidade de Helsinque.
"Muita gente aceita que a finlandização faz parte da nossa história", considera. "Mas evocar o termo em referência à Finlândia e a Ucrânia é uma ofensa" para muitos, diz o especialista.
'Novas situações'
A ideia de que uma "finlandização" da Ucrânia poderia resolver as tensões com a Rússia e até mesmo solucionar o conflito que dura desde a anexação da Crimeia em 2014 provoca fortes reações do lado oriental do Báltico.
Para o ex-presidente estoniano Toomas Hendrik Ilves, "a Finlândia não teria sido considerada uma democracia" durante o período de finlandização.
"Não era bom se ver", acrescentou. Mencionou em particular o caso de Urho Kekkonen, um poderoso presidente por 26 anos cujo mandato foi prorrogado por uma simples decisão parlamentar.
"Velhas palavras para novas situações pouco funcionam", afirmou Stubb no Twitter.
O ex-chefe da diplomacia finlandesa, que esteve envolvido na mediação do cessar-fogo entre a Rússia e a Geórgia em 2008, rejeita firmemente a ideia de que a finlandização possa representar uma saída para o bloqueio da questão ucraniana.
"Nenhuma grande potência, a Rússia ou qualquer outra, deve decidir sobre a linha a ser seguida pela Ucrânia em termos de sua própria segurança", acrescentou.