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Figueiredo ameaçou apoiar Argentina militarmente se britânicos a invadissem

MARCELO DE MORAES

Arquivos secretos mostram que o governo brasileiro alertou os EUA que não aceitaria que tropas britânicas atacassem a região continental da Argentina durante a Guerra das Malvinas. O documento inédito, ao qual o Estado teve acesso, narra dois encontros em maio de 1982 entre os então presidentes do Brasil, general João Baptista Figueiredo, e dos EUA, Ronald Reagan, além do secretário de Estado dos EUA, Alexander Haig.

O documento pertence ao acervo do Conselho de Segurança Nacional, guardado no Arquivo Nacional, em Brasília, e tem a rara classificação de "ultrassecreto".

Na primeira conversa, no dia 11 de maio, na Blair House – a casa de hóspede oficial do presidente dos EUA -, Figueiredo encontra-se apenas com Haig, numa preparação para a reunião presidencial, dois dias depois, com Reagan.

Tanto ele quanto Haig lamentam que a disputa pelas Malvinas – que os britânicos chamam de Falklands – tenha se tornado um conflito militar e tentam operar como moderadores. Mas Figueiredo avisa que as consequências poderiam ser muito piores se os britânicos terminassem por combater em solo continental, em vez de apenas no Arquipélago das Malvinas.

O general brasileiro dá a entender que essa situação não seria aceita na América do Sul e o Brasil poderia até mesmo se posicionar militarmente ao lado dos vizinhos.

Segundo o documento, ao término do encontro, Haig perguntou a Figueiredo se "haveria algo que pudesse dizer ao presidente Ronald Reagan" como preparação para o encontro do dia seguinte.

Segundo o relato do arquivo, "o presidente Figueiredo, em resposta, disse que só tinha uma preocupação, qual seja a do fato consumado de que a Inglaterra promova ação no continente, o que teria repercussões desastrosas na América do Sul".

O documento deixa claro que "o presidente Figueiredo assinalou a necessidade de que essa hipótese seja evitada a todo custo". O receio brasileiro era que um ataque desse tipo, representando invasão de território sul-americano por um país europeu, provocasse forte reação popular contrária.

"Solidariedade americana". Segundo o relato do encontro, feito pela inteligência do Exército brasileiro, o presidente Figueiredo afirmou que, para o Brasil, "a situação é extremamente penosa". "Pois não se pode avaliar até que ponto se pode conter a opinião pública. Se ocorrer o pior, a solidariedade americana certamente eclodirá", cita o texto. "Que a Inglaterra não chegue a esse ponto, pois seria muito delicado", diz o documento.

Haig concorda com o presidente brasileiro, mas é extremamente direto ao afirmar que "não se pode controlar o que a Inglaterra vai fazer".

E vai mais além: afirma que não sabe o que Londres fará, "mas apenas que está pronta a fazer alguma coisa".

O secretário de Estado lembrou que, quando o governo peruano participou de uma intermediação em busca de um acordo diplomático, quase houve uma solução pacífica para a disputa pelas Malvinas.

Mas, sem acordo, a situação tinha se deteriorado desde então. Segundo a narrativa dos militares brasileiros, Haig teria dito que, naquele momento, "os Estados Unidos não sabem o que os ingleses farão, porque nada dizem". E avisou: "Estão nervosos".

Olho de Moscou. No mesmo encontro, Haig e Figueiredo falam abertamente sobre o risco de a União Soviética aproveitar-se do conflito para aumentar sua margem de influência em relação aos argentinos. No domingo, documentos secretos revelados pelo Estado mostraram que o governo brasileiro temia que os soviéticos ajudassem a Argentina até mesmo com seu programa nuclear, fornecendo urânio enriquecido.

Haig diz a Figueiredo que "a União Soviética já estava pescando em águas turvas", porque o embaixador soviético em Washington comentara que seu país não pretendia ajudar a junta militar que comandava a Argentina, "mas o povo argentino".

Conforme o relato do encontro, Haig "confirmou que a URSS estava jogando a longo prazo (sic)". Figueiredo concordou e afirmou que "quem estava lucrando era exatamente a União Soviética". E defendeu que "não se pode perder a Argentina para a causa do Ocidente e este objetivo somente seria realizável desde que o regime argentino não se desestabilizasse".

Na conversa, o presidente brasileiro afirma que seu medo era que o governo argentino caísse "nas mãos dos peronistas, como aliados dos comunistas, que dele posteriormente tomariam conta". Para Figueiredo, essa combinação poderia provocar o aparecimento no sul do continente de "uma Cuba muito maior".

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