A progressão das forças ucranianas continua nesta terça-feira (4), depois da retomada da cidade estratégica de Lyman no sábado (1°). Várias locadidades foram recuperadas das mãos dos russos no Donbass, onde a contraofensiva avança. Nos arredores de Kherson, o exército de Moscou também está sob pressão.
As forças russas ainda parecem não ter se recuperado da derrota em Lyman, na região de Donetsk, uma área agora completamente retomada pela Ucrânia. O domínio deste importante centro ferroviário suscita um grave problema ao exército de Moscou, na defensiva e obrigado a estabelecer uma nova linha de batalha. Os ucranianos seguem avançando em direção ao leste e as cidades de Svatove e Kreminna, na região de Lugansk, estão na mira dos soldados de Kiev. Segundo informações veiculadas no Telegram pelos militares russos, eles enfrentam graves dificuldades no setor, tornando injustificável a anexação do local, formalizada após os referendos realizados pela Rússia na semana passada.
Progressão lenta, mas determinada no sul
No sul, a progressão dos ucranianos é mais lenta, mas as unidades blidadas reforçam suas posições nos arredores de Kherson, cujo 90% do território está nas mãos dos russos. Avançando em direção à cidade estratégica de Nova Kakhova, o objetivo do exército de Kiev de retomar a margem direita do rio Dnipro parece distante, mas os soldados parecem determinados em seguir em frente.
A região de Kherson é um território-chave que tinha uma população de um milhão de pessoas antes da guerra. O local é de fundamental importância por ser uma grande área agrícola, mas também é uma rota para a península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014.
O governador da ocupação imposto pelas Rússia em Kherson, Vladimir Saldo, admitiu um "avanço" dos ucranianos, especificamente mencionando a perda do controle da cidade de Dudchany, embora tenha afirmado que a aviação russa freou as tropas de Kiev, segundo uma entrevista publicada na segunda-feira (3) em seu canal do Telegram. Seu adjunto Kirill Stremousov disse nas redes sociais nesta terça-feira que o avanço ucraniano foi contido e que não há que entrar em "pânico".
Mais de 200 mil soldados recrutados
O ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, indicou nesta terça-feira que mais de 200 mil pessoas foram recrutadas por Moscou desde o anúncio de uma mobilização "parcial" em 21 de setembro para a ofensiva na Ucrânia. Inicialmente, a convocação feita pelo presidente russo, Vladimir Putin, tinha o objetivo de mobilizar 300 mil reservistas com experiência militar, ou com competências úteis para a batalha. No entanto, vieram à tona diversos casos de idosos, doentes e estudantes chamados para a ofensiva.
Shoigu declarou ainda que as tropas mobilizadas estão sendo treinadas em cerca de 80 campos militares e seis centros de formação. Segundo o ministro, um "número significativo" de cidadãos se apresentou voluntariamente nas delegacias do país, antes mesmo de serem convocadas.
Diante de protestos contra o recrutamento em todo o país e com dezenas de milhares de russos fugindo para outros países para evitar participar do conflito, o Kremlin parece ter adaptado o discurso. Advogados russos afirmam estar submersos de pedidos de ajuda de cidadãos para escapar da mobilização.
"Estamos trabalhando 24 horas todos os dias", diz Serguei Krivenko, presidente da Citizen Army Law, um grupo de defesa dos direitos humanos formado por uma dezena de advogados. "Trata-se de uma convocação ilimitada em tempos de guerra, que pode durar meses ou anos. É praticamente impossível deixar o exército russo. A única solução é a morte, ferimentos ou a prisão por ter desobedecido ordens", reitera.
Segundo Krivenko, as pessoas que procuram a organização estão em pânico. "Eles não entendem o que acontece. O governo está convocando qualquer um e a lei os autoriza a fazer isso", explica. O próprio presidente Putin reconheceu que há erros nas convocações e prometeu corrigi-los.
Nas redes sociais russas, circulam postagens ensinando como evitar a mobilização. Elas são frequentemente acompanhadas de modelos de formulários para solicitar uma autorização médica para o não alistamento por supostos motivos de saúde.
Anexação de territórios pela Rússia agravará violações de direitos humanos, diz ONU
A anexação de territórios ucranianos pela Rússia agravará ainda mais as violações de direitos humanos cometidas por Moscou e aumentará o "sofrimento e devastação incalculáveis" infligidos aos ucranianos, denunciou a Organização das Nações Unidas nesta terça-feira (4).
Ao apresentar um relatório sobre a situação dos direitos humanos na Ucrânia ao Conselho de Direitos Humanos em Genebra, Christian Salazar Volkmann destacou que o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos tinha evidências de '"uma série de violações dos direitos à vida, à liberdade e à segurança".
A invasão da Ucrânia pelas forças armadas russas "levou a uma situação terrível de direitos humanos em toda a Ucrânia", observou o gerente de operações do Alto Comissariado em campo. "O povo da Ucrânia experimentou sofrimento e destruição incalculáveis, pois o conflito armado resultou em uma ampla gama de violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário, afetando civis e combatentes", afirmou Volkman.
A Rússia anunciou na sexta-feira (30) a anexação oficial de quatro territórios ucranianos, provocando a condenação de grande parte da comunidade internacional e a promessa de Kiev de recuperar seu território. "Com a anexação, a Federação Russa tomou medidas que aprofundam em vez de resolver o conflito e exacerbam as violações de direitos humanos associadas a ele", apontou Salazar Volkmann.
Novas fronteiras
“O chamado redesenho das fronteiras internacionais, separando arbitrariamente famílias, comunidades e sociedades tem impactos concretos nos direitos humanos das pessoas de ambos os lados das linhas assim redesenhadas”, acrescentou. A ONU ainda destaca que o processo de anexação dos territórios comprometeu a liberdade de expressão, a liberdade religiosa e impede o acesso aos cuidados de saúde, ao emprego e aos serviços sociais.
Este 34º relatório do Gabinete do Alto Comissariado sobre a situação dos direitos humanos na Ucrânia abrange o período de 1° de fevereiro a 31 de julho deste ano e, portanto, abrange os primeiros meses da guerra lançada pelo Kremlin em 24 de fevereiro.
De acordo com o documento, "relatos perturbadores" apontam para abusos dos direitos humanos em detenção, tanto de civis quanto de prisioneiros de guerra, enquanto desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias "crescem" em territórios controlados pela Rússia e seus aliados locais. "Relatórios terríveis de tortura e maus-tratos" de civis e prisioneiros de guerra continuam a chegar, disse a autoridade, referindo-se ao caso de dois soldados ucranianos que foram "torturados até a morte".
A anexação de territórios ucranianos pela Rússia vai ser discutida numa reunião de emergência da Assembleia-Geral da ONU, marcada para a próxima segunda-feira (10).