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Europa pode voltar a ser simples campo de batalha russo-americano

Quando a União Soviética desapareceu, o mundo respirou aliviado. Acabava a Guerra Fria com o seu apocalíptico equilíbrio do terror e seus milhares de foguetes nucleares prontos para uma destruição mútua garantida.

Mas de repente, um arzinho gélido voltou a soprar na geopolítica mundial. Primeiro Donald Trump e depois Vladimir Putin, decidiram romper o tratado proibindo as armas nucleares terrestres de alcance intermediário (as FNI), assinado em 1987.

Essas decisões só serão efetivas daqui a seis meses, tempo suficiente para negociar outro acordo, mas as perspectivas não são nada alvissareiras. Não se trata porém, de um repeteco do velho mundo bipolar onde Washington e Moscou gastavam bilhões numa corrida armamentícia atômica, produzindo mísseis cada vez mais sofisticados e perigosos ameaçando a vida do planeta.

Os tempos mudaram.

A Rússia de hoje é só a sombra da potência militar da URSS de ontem. Claro que Putin aposta todas as suas fichas na reconstrução do poderio bélico russo e utiliza, sem complexos, a força militar no jogo diplomático. Basta olhar para a invasão da Geórgia, a guerra híbrida contra a Ucrânia, a anexação da Criméia, a intervenção na Síria ou as provocações navais e aéreas permanentes nas fronteiras europeias.

É show de músculos, só que o Kremlin não tem mais dinheiro para uma corrida armamentícia nuclear com Washington. Quanto aos Estados Unidos, eles estão mais preocupados com o crescimento do poderio militar chinês que pode vir a ameaçar todo o dispositivo estratégico americano na Ásia-Pacífico.

Sem falar do perigo representado pelos mísseis de alcance intermediário desenvolvidos pelo Irã e a Coréia do Norte. Portanto, a ruptura do Tratado FNI afigura-se mais como um pretexto para os dois lados.

Aliás, a preocupação com a China é também compartilhada pelos russos nada confortáveis com o crescimento do poder nuclear chinês nas suas fronteiras siberianas.

E a Europa?

Quem fica que nem mortadela no sanduíche é a velha Europa. O objetivo político do Tratado FNI de 1987 era consolidar o equilíbrio de forças no Velho Continente afastando o perigo de um confronto atômico limitado ao território europeu.

O problema dos mísseis de alcance intermediário (entre 500 e 5.5000 quilômetros) é que podem atingir alvos em pouquíssimos minutos. Quando os Soviéticos instalaram os seus SS-20 durante os anos 1980, a ideia era dar um recado à Europa ocidental e à OTAN: agora temos meios de atacar e destruir vocês rapidamente, e os americanos só poderiam responder com mísseis nucleares estratégicos de largo alcance arriscando uma guerra atômica global na qual eles próprios seriam destruídos.

O objetivo era dividir a OTAN entre americanos e europeus, e propor para a Europa um pacto de paz que faria da União Soviética a potência dominante do continente.

Só que o tiro saiu pela culatra: Washington instalou os seus foguetes intermediários Pershing II na Alemanha, ameaçando diretamente o território soviético.

O presidente Gorbachev não teve outro remédio do que negociar o Tratado FNI com Ronald Reagan. Hoje, tanto os Estados Unidos quanto a Rússia querem produzir novos foguetes e sistemas antimísseis sofisticados sem o constrangimento de tratados que proíbem tal ou tal categoria. Sobretudo para responder à ameaça chinesa e tentar obrigar Pequim (mas também o Irã e a Coréia do Norte) a aceitar um enquadramento de suas estratégias balísticas.

A questão é que os europeus voltam à estaca zero. Apavorados de perder o guarda-chuva nuclear americano, eles estão ameaçados de voltar a ser um simples campo de batalha russo-americano. Uma perspectiva que pode dividir ainda mais os europeus e destruir a Aliança Atlântica.

Só que Trump e Putin, por razões distintas, querem desmantelar a União Europeia: é bem mais fácil influenciar e controlar uma Europa fragmentada. Não é o retorno da Guerra Fria, é o recomeço – por tabela – do confronto estratégico sobre o futuro do Velho Continente.

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