Os acontecimentos da última semana ressaltaram a reviravolta notável registrada pela economia global desde a crise financeira.
Seis anos atrás, os Estados Unidos viviam um pânico financeiro, a Europa era vista, de maneira geral, como um espectador inocente e a China, como um instrumento para a recuperação do crescimento mundial. Agora, a economia americana avança rápido — gerando empregos a um ritmo não visto desde o fim dos anos 90 — enquanto o governo chinês tenta administrar uma desaceleração econômica e a Europa ainda busca se levantar.
Os diferentes sinais emitidos pela política monetária são emblemáticos da mudança: os dados positivos de emprego divulgados na sexta-feira pelos EUA aumentam a probabilidade de que o Federal Reserve, o banco central americano, eleve os juros de curto prazo este ano, enquanto o Banco Popular da China cortou os juros na semana passada.
O descompasso nos cenários de crescimento e nas respostas políticas é um prenúncio de possíveis abalos no mercado financeiro, como o risco de um fortalecimento ainda maior do dólar americano, que já se valorizou 11% contra uma cesta ampla de divisas no ano passado e 2% contra o yuan chinês.
Esse cenário também suscita uma grande dúvida: a economia americana — mais forte, mas ainda enfraquecida pela crise — poderá revigorar a economia global da mesma forma que fez anteriormente?
Como a participação da economia chinesa no crescimento global é hoje bem maior que antes, a desaceleração do país certamente terá maiores consequências para a economia mundial do que teve no passado. Mas uma recuperação americana e uma Europa estabilizada ajudaria o resto do mundo a administrar os problemas da China.
Essencial para o panorama econômico é a alteração dos padrões de estresse financeiro ao redor do mundo.
As autoridades do Fed disseram na quinta-feira que 31 grandes bancos foram aprovados nos testes anuais que medem a capacidade deles de resistir a uma crise financeira, o que significa que esses bancos possuem reservas grandes o suficiente para enfrentar um retorno da recessão. É a primeira vez desde que o Fed iniciou os testes durante o pânico de 2009 que todos os bancos têm o capital necessário para passar na prova de estresse.
Com as instituições financeiras americanas em terreno mais firme, o crescimento do crédito está acelerando. Os portfólios de empréstimos comerciais e industriais dos bancos nos EUA subiam 12% em meados de fevereiro em relação a igual período do ano anterior. Ao mesmo tempo, as carteiras de empréstimos ao consumidor e de financiamento de imóveis estão crescendo e as reservas em dinheiro estão diminuindo.
“Tem sido um caminho doloroso e um pouco desapontador, mas chegamos aqui através de um processo de ajustes bastante graduais, mas significativos [na dívida] do setor privado, uma cura difícil no setor financeiro e um Federal Reserve que tem consistentemente tentado compensar [as travas ao crescimento]”, diz o economista chefe do J.P. Morgan, Bruce Kasman.
Por outro lado, as autoridades chinesas reduziram sua meta de crescimento para 2015. Ao ritmo de 7%, a segunda maior economia do mundo ainda deve crescer mais rápido que quase todas as outras, mas sua força claramente diminuiu. O país cresceu 7,4% em 2014, o ritmo mais lento em quase 25 anos. O Fundo Monetário Internacional estima uma expansão de 6,8% em 2015.
Além disso, os problemas da China se refletem no destino de outras economias emergentes exportadoras de commodities — Brasil e Rússia estão em recessão ou bem perto de uma.
O governo chinês luta contra problemas que ameaçam levar a metas contraditórias — ele busca impulsionar a produção econômica no curto prazo, enquanto tenta, ao mesmo tempo, reajustar uma economia que se tornou altamente endividada e se guiou para o mercado imobiliário após a crise financeira de 2008.
A preferência de Pequim por ajustes graduais está deixando os formuladores de políticas com poucas opções atraentes, um menor crescimento econômico e orçamentos mais apertados num momento em que a população envelhece rapidamente, exigindo mais serviços sociais abrangentes e mais qualidade de vida.
Enquanto a China enfrenta problemas, a Europa mostra evidências de melhoras, o que pode ser um importante fator de mudança no cenário econômico global.
O Banco Central Europeu elevou suas previsões econômicas na quinta-feira para este ano e para o próximo, em um sinal de confiança que a economia europeia, um dos pontos problemáticos da economia global nos últimos cinco anos, está se fortalecendo mesmo antes do lançamento do pacote de estímulo de mais de 1 trilhão de euros do BCE marcado para hoje. O BC estima crescimento de mais de 2% em 2017.
“Se a Europa realmente administrar um crescimento em direção aos 2% faria uma grande diferença para a economia global e para a China”, diz Carsten Brzeski, economista do ING.
Depois de crescer 20% por ano entre 2006 e 2008, as exportações chinesas para a zona do euro caíram ou se estagnaram nos últimos quatro anos, diz ele. E a Europa, especialmente a Alemanha, depende da China. O país foi o principal destino de ferramentas mecânicas alemãs no ano passado.
A Alemanha começou a registrar uma forte recuperação ajudada pelo enfraquecimento do euro, que torna as exportações alemãs ainda mais competitivas no mercado global, pelos preços baixos do petróleo e pelos juros quase zero que impulsionaram um boom na construção.
Para uma economia global que praticamente desconsiderou a Europa nos últimos cinco anos, qualquer contribuição será bem-vinda. “Hoje em dia na zona do euro você fica agradecido por qualquer expansão registrada” , diz Howard Archer, economista da consultora IHS Global Insight.