Acusados pela França de ter desferido um "golpe pelas costas" ao torpedear seu "contrato do século" para vender submarinos à Austrália, os Estados Unidos tentaram nesta quinta-feira (16), sem sorte, apaziguar a ira de Paris.
"A França é um parceiro vital" na região Indo-Pacífico e "em muitos outros campos", garantiu o chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken. "Já é há muito tempo e vai continuar sendo no futuro", acrescentou.
A origem do estremecimento nas relações franco-americanas foi a nova "aliança Indo-Pacífico" com o Reino Unido e a Austrália anunciada na quarta-feira pelo presidente Joe Biden.
Esta parceria estratégica, batizada de "AUKUS" e claramente destinada a combater as crescentes ambições da China na região, inclui a entrega de submarinos nucleares norte-americanos para Canberra e deixou a França fora do tabuleiro.
O ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, não escondeu sua "raiva" e "amargura" diante da decisão, que descreveu como "unilateral, brutal e imprevisível".
Ao denunciar um "golpe pelas costas", Le Drian comparou o método de Biden com "o que fez seu antecessor Donald Trump", de quem o presidente democrata busca se diferenciar a todo custo.
"Isso não se faz com aliados", declarou o chanceler francês, que negociou o "contrato do século" com a Austrália quando era ministro da Defesa em 2016.
O gigantesco contrato no valor de US$ 65 bilhões contemplava a entrega à Austrália de 12 submarinos franceses com propulsão convencional. No âmbito da nova parceria entre Washington, Londres e Canberra, a Austrália rompeu o acordo e futuramente receberá submarinos nucleares fabricados por seus parceiros anglo-saxões.
"Os franceses ofereceram uma versão que não era superior à usada pelos Estados Unidos e Reino Unido e, no final, nossa decisão foi baseada em nossos interesses de segurança nacional", explicou o ministro da Defesa australiano, Peter Dutton, durante uma visita a Washington nesta quinta-feira.
Pelo acordo, os Estados Unidos aumentarão sua presença militar na Austrália e instalarão bases militares logísticas no território australiano. Atualmente, um total de 2.500 fuzileiros navais americanos fazem rodízio anualmente, em grupos de várias centenas, em Darwin, no norte da Austrália. Dutton disse que a nova aliança significará um aumento no número de soldados.
A seu lado, a chanceler australiana, Marise Payne, por sua vez, considerou que "a liderança dos Estados Unidos no Indo-Pacífico" é "indispensável".
Além dos contratos comerciais, Paris denunciou uma falta de diálogo, depois que a retirada das forças americanas no Afeganistão deixou marcas nas relações dos Estados Unidos com aliados cujas opiniões pouco pesaram na decisão de Biden.
Os europeus agora têm uma "boa ideia" de como Washington enxerga seus aliados, resumiu uma fonte em Paris.
Gala cancelada
Sintoma de uma crise profunda, as autoridades francesas e americanas trocaram recados pela imprensa ao longo do dia.
"Estivemos em contato com nossos colegas franceses nas últimas 24 a 48 horas para discutir o AUKUS, antes do anúncio", afirmou Antony Blinken.
A França negou ter sido avisada com antecedência e, menos ainda, consultada.
"Não fomos informados deste projeto antes da publicação das primeiras informações nas imprensas norte-americana e australiana", respondeu na quarta-feira o porta-voz da embaixada francesa em Washington, Pascal Confavreux.
E apesar das palavras conciliatórias do Secretário de Estado americano, as autoridades francesas cancelaram uma noite de gala marcada para sexta-feira na residência do embaixador francês em Washington.
A festa se preparava para comemorar o aniversário de uma batalha decisiva na guerra de independência dos Estados Unidos, que terminou com a vitória da frota francesa sobre a britânica em 5 de setembro de 1781.
Essa ruptura espetacular jogou um balde de água fria nas relações entre Paris e Washington, já que alguns esperavam que Joe Biden facilitaria um vínculo transatlântico melhor após quatro anos de tensões com Trump.
"É verdade que enfrentamos uma pequena crise diplomática", resumiu Anne Cizel, especialista em política externa da universidade de Sorbonne.
"Os Estados Unidos estão mandando um sinal um tanto estranho, pois exigem a presença (militar) de seus aliados europeus no Indo-Pacífico e ao mesmo tempo se posicionam como o principal concorrente para a venda de submarinos franceses", resumiu.