No fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil foi convidado por Estados Unidos e Reino Unido para participar da ocupação da Áustria. Essa eventual participação, afirma o historiador americano Frank McCann, poderia ter mudando a posição geopolítica brasileira no mundo
Em entrevista à DW, McCann diz que os motivos que levaram à recusa do convite ainda são uma incógnita. Baseado em suas pesquisas, porém, ele aposta que a proposta sequer chegou a Getúlio Vargas e acabou discutida apenas a nível militar.
"Havia 10 mil homens brasileiros que não lutaram, que não estavam exaustos e poderiam ter sido colocados em caminhões e levados para a Áustria, que não é muito longe. Eu diria que eles tinham capacidade de participar da ocupação e tinham homens para isso", frisa.
DW Brasil:Qual foi o peso da participação da FEB na Segunda Guerra Mundial?
Frank McCann: O Brasil tinha uma divisão pequena na guerra, com 25 mil pracinhas, pouco em comparação com outros países. Mas foi muito importante, por ter sido a primeira vez que o Brasil esteve envolvido em uma guerra fora do seu território. Isso mudou sua posição no mundo e também entre os Aliados. Além disso, foi muito importante para o país em termos de orgulho.
Em sua pesquisa, você afirma que os americanos convidaram o Brasil para participar da ocupação da Áustria. Como esse convite foi feito?
Eu pesquisei em arquivos americanos e encontrei pouca coisa sobre isso, quase nada. O que temos são os testemunhos de pessoas que estavam na Itália, diplomatas brasileiros e também de militares americanos e britânicos, que em cartas falavam sobre esse convite.
Por que foi feito o convite?
Os americanos e britânicos precisavam de tropas, era uma questão de números. Na época dessa conversa, a guerra já tinha acabado na Europa, mas ela ainda não tinha acabado no Pacífico. As tropas americanas na Itália foram enviadas ao Pacífico. Os americanos e britânicos estavam preocupados em ter tropas suficientes lutando nessa região, e a ideia de enviar homens para ocupar a Áustria não parecia muito lógica. Porém, eles precisavam de outros que pudessem fazê-lo, e o Brasil estava lá e tinha tropas, fazia sentido perguntar.
E qual foi a reação dos brasileiros ao convite?
Imediatamente o Brasil, na pessoa do tenente-coronel Castelo Branco, que era o chefe da seção de operações da FEB na Itália, se opôs ao convite. E, aparentemente, Mascarenhas de Morais [comandante da FEB na Segunda Guerra] também se opôs. Eu vi uma carta que ele escreveu a Dutra na qual fala que as tropas brasileiras não estavam equipadas de maneira apropriada para participar da ação. Na verdade, isso foi muito estanho.
Por quê?
A decisão não é uma questão militar, mas sim política. Deveria ter sido uma decisão política, mas eu não sei se o convite chegou a ser debatido politicamente. Eu não encontrei nada nos arquivos de Getúlio Vargas indicando que ele foi consultado sobre o tema. Não foi uma decisão do governo, isso implicaria que os ministros e o presidente tivessem sido envolvidos. Foi uma decisão militar.
Há indicações dos motivos que levaram os militares a rejeitar a ocupação?
Parece que a decisão foi fortemente influenciada pelo que Mascarenhas estava pensando. Mas eu não posso afirmar por que isso ocorreu. No entanto, é possível que Mascarenhas e sua equipe estivessem exaustos, eles fizeram tudo que podiam fazer e talvez isso tenha sido tudo que podiam fazer.
Mas os oficiais americanos queriam que eles participassem da ocupação. E isso era uma coisa diferente do que a FEB estava fazendo. Parece que o Mascarenhas acreditava que suas tropas não tinham sido apropriadamente treinadas para uma ocupação.
Com base nas suas pesquisas, você acredita que o Brasil tinha condições de participar da ocupação na época?
Não posso dizer com certeza, mas a FEB tinha 25 mil pracinhas na Itália em 1945, sendo que 15 mil participaram de batalhas e outros 10 mil ficaram apenas em treinamento. Havia 10 mil homens que não lutaram, que não estavam exaustos e poderiam ter sido colocados em caminhões e levados para a Áustria, que não é muito longe. Eu diria que eles tinham capacidade de participar da ocupação e tinham homens para isso.
A recusa de ocupar a Áustria foi uma decisão acertada dos militares?
Politicamente essa não foi uma decisão boa, porque isso teria mudado o status do país. O Brasil de aliado passaria a fazer parte das forças de ocupação. Em uma conversa que li, Castelo Branco diz a um oficial americano que eles não eram parte do Conselho de Controle Aliado [EUA, Reino Unido, URSS e França] e por isso não deveriam participar da ocupação. Eu não entendo essa lógica, mas eu não sei o que ele estava pensando, e se ele realmente pensava assim ou se apenas seguiu Mascarenhas.
Quais foram as consequências dessa decisão para o Brasil?
Não sabemos o que poderia ter acontecido, mas eu acho que poderia ter aumentado o prestígio brasileiro. Poderia ter mudando a discussão sobre uma cadeira permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Talvez eu esteja indo longe demais, mas certamente teria aumentado o prestígio brasileiro e poderia ter sido suficiente para o país ganhar a cadeira no Conselho. Mas isso poderia ser difícil, porque os britânicos e os soviéticos se opuseram à presença brasileira no Conselho.
Quais outras áreas teriam se desenvolvido de outra forma se o Brasil tivesse tomado uma decisão diferente?
Provavelmente teria mudando a relação brasileira com a União Soviética. Eles teriam mais contato direto com as tropas russas, pois a Áustria fazia fronteiras com regiões ocupadas pelos soviéticos. Então a natureza das relações entre soviéticos e brasileiros seria diferente, mas, de que forma, eu não sei dizer.