Rafael Balago
Folha de São Paulo
10 de Março 2022
WASHINGTON
Nos últimos dias, acenos do governo dos Estados Unidos têm sinalizado uma possível mudança de tom em relação ao Brasil, com elogios pontuais à posição da diplomacia do país em meio à guerra na Ucrânia.
As falas contrastam com uma série de críticas públicas, carregadas de palavras duras, feitas por causa da visita do presidente Jair Bolsonaro (PL) à Rússia, dias antes de a invasão começar.
O presidente Jair Bolsonaro acompanhado do líder russo Vladmir Putin, na visita que fez ao país pouco antes da invasão da Ucrânia
No domingo (6), Brian Nichols, secretário-assistente para o Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado, elogiou no Twitter a atuação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU. "Cada voto para responsabilizar o Kremlin por essas ações horríveis importa. Os EUA estão orgulhosos de ficar ao lado do Brasil para defender os direitos humanos de todos na Ucrânia", escreveu.
As posições no Conselho de Segurança também foram bem recebidas, segundo um funcionário do Departamento de Estado ouvido pela Folha. Sob condição de anonimato, ele ressaltou que, apesar das críticas públicas dos EUA à viagem de Bolsonaro, os dois países continuam a trabalhar juntos em vários níveis de governo para tentar ajudar a resolver a crise na Ucrânia.
Na semana passada, o Brasil votou a favor de duas resoluções no colegiado: uma condenando a invasão —o texto foi barrado pela Rússia, que tem poder de veto— e outra que fez com que o tema fosse levado à Assembleia-Geral. Nela, uma moção de condenação às ações da Rússia foi aprovada no dia 2 de março, também com voto do Brasil.
Em entrevista ao podcast da revista America's Quartely no último dia 3, Juan Gonzalez, diretor para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional, buscou mostrar que compreende as dificuldades do governo brasileiro.
"Você tem uma zona de paz e segurança no Atlântico Sul, uma área que o Brasil e sua política externa buscam tornar um lugar de neutralidade, porque eles não querem virar peças de xadrez em uma, digamos, Guerra Fria. E a neutralidade é boa até que um país invade outro. Nesse ponto você tem que escolher um lado, e eu penso, sem especificar nenhum país, que a articulação da neutralidade é uma racionalização por não querer tomar uma posição", disse.
Apesar dos votos anti-Moscou da diplomacia brasileira na ONU, Bolsonaro tem falado em manter equilíbrio no conflito, temendo abalos que a guerra pode ter na economia, como no fornecimento de fertilizantes agrícolas —23% dos insumos consumidos no Brasil em 2021 vieram da Rússia. "Para nós, a questão do fertilizante é sagrada", afirmou o brasileiro. Desde que a invasão da Ucrânia começou, o presidente fez inclusive acenos públicos a Vladimir Putin.
Na entrevista, Gonzalez também falou de meio ambiente, um dos pontos recentes de tensão entre EUA e Brasil. Afirmou que o país é um líder global e regional nas questões climáticas e que o combate ao desmatamento seguirá sendo uma questão difícil, mesmo que Bolsonaro deixe o poder.
"O PT [de Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas] não era pró-clima até isso se tornar uma questão global. Mesmo em um governo do PT, isso será muito difícil, porque há atores políticos muito fortes nessa área, muitos negócios poderosos ao redor. Não vou subestimar os desafios políticos que qualquer governo do Brasil terá na Amazônia", ponderou.
Esse tom mais ameno na diplomacia com Brasília se dá ao mesmo tempo em que os EUA buscam se reaproximar da Venezuela. Uma rara rodada de negociações foi realizada no fim de semana, seguida de especulações de que isso poderia abrir caminho para atenuar sanções e liberar a compra de petróleo venezuelano por Washington.
Dois americanos presos foram soltos nos últimos dias, após a visita da delegação de Joe Biden ao ditador Nicolás Maduro.
À Folha o Departamento de Estado dos EUA não comentou possíveis relações entre os dois movimentos. "A parceria estratégica de longo prazo é importante para as duas nações e para as duas regiões, baseada em um compromisso compartilhado com os valores democráticos. Continuaremos a trabalhar com o Brasil para enfrentar os desafios globais, incluindo ameaças à paz e à segurança globais", disse, em nota, um porta-voz do órgão.
Em fevereiro, o governo americano fez críticas públicas a Bolsonaro pelo fato de ele ter visitado a Rússia em meio à tensão entre Moscou e Kiev, que mais tarde desembocaria na guerra. Em 16 de fevereiro, o brasileiro esteve com Putin e se disse "solidário à Rússia" —sem especificar a que aspecto manifestava sua solidariedade.
No dia seguinte, o Departamento de Estado fez críticas. "O momento em que o presidente do Brasil expressou solidariedade com a Rússia, justo quando as forças russas estão se preparando para lançar ataques a cidades ucranianas, não poderia ser pior", disse um porta-voz da pasta, em nota a jornalistas. "Isso mina a diplomacia internacional direcionada a evitar um desastre estratégico e humanitário."
Logo depois foi a vez de a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, falar. "Eu diria que a vasta maioria da comunidade global está unida em sua visão de que outro país tomando parte de sua terra, aterrorizando seu povo, é certamente algo não alinhado aos valores globais. Então, penso que o Brasil pode estar do outro lado em que a maioria da comunidade global está."
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