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Embaixador Chinês Yang Wanming diz que pais aposta em descarbonização

 

 Marcos de Moura e Souza, Marta Watanabe,

Daniela Chiaretti, Fernando Lopes,

Ivo Ribeiro e Assis Moreira

Valor

26 de outubro de 2021

São Paulo, Berlin e Genebra

  

Maior destino das exportações do Brasil, a China prevê uma explosão de sua classe média em pouco 'mais de uma década. Serão 80O milhões de pessoas nessa faixa de renda, o dobro do que é hoje. Para o Brasil, esse aumento acelerado do padrão de consumo chinês deve representar uma nova janela de exportações, não apenas das commodities tradicionais, mas de alimentos de consumo diário nos quais o Brasil já tem posição de destaque global, corno carne, suco de laranja, café. Esse é e horizonte que o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, afirma ver nas relações entre os dois países.

Em respostas enviadas por escrito ao 'Valor, ele pinta uma China que pretende crescer nos próximos anos não mais como uma potência poluidora. O plano deve ser detalhado na COP26, mas passa, por exemplo, pela redução de carvão como fonte de energia e também da redução do volume da produção de aço, maior emissor de CO2 da indústria chinesa.

A seguir, principais trechos da entrevista:

Valor: A China planeja anunciar na COP26 uma aceleração da  transição climática, com planos mais ambiciosos de redução das emissões?

Yang Wanming: A C0P26, a ser realizada daqui a algumas semanas, é uma reunião importante no campo da mudança climática e da governança ambiental mundial. A China espera que a COP26 emita um forte sinal em defesa do multilateralismo e promoção da cooperação entre todas as partes, engajando a comunidade internacional no pleno cumprimento dos objetivos e princípios estabelecidos na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e no Acordo de Paris. Sobretudo os países desenvolvidos devem assumir a liderança na redução substancial de emissões e cumprir os compromissos com ações concretas em financiamento, tecnologia e capacitação.

Todas as partes devem respeitar o mecanismo da Contribuição Nacionalmente Determinada e promover um ganho duplo tanto em resposta à mudança climática como em desenvolvimento sustentável. Guiada pelo pensamento de Xi Jinping sobre a civilização ecológica, a China segue firmemente o caminho de desenvolvimento que prioriza o meio ambiente e crescimento verde e de baixo carbono. O país anunciou as metas de alcançar o pico de emissões de COz antes de 2030 e a neutralidade de carbono antes de 2060, demonstrando a sua ambição nas ações climáticas. O governo chinês lançará planos de ação voltados às principais áreas e setores, assim como uma série de medidas de apoio, construindo o arcabouço institucional para honrar o compromisso. A China está disposta a fazer mudanças socioeconômicas de forma ampla, abrangente e profunda para esse fim e vai trabalhar com todas as parles para dar a devidaa contribuição ao avanço da governança climática global.

 “O Brasil tem recursos complementares à China e é cada vez mais importante para a segurança alimentar"

 

Valor Na Assembleia Geral da ONU, o presidente Xi Jiping disse que a China não construiria mais usinas de carvão no exterior. Isso quer dizer que Pequim também não vai mais financiar a construção de usinas a carvão no exterior?

 

Yang  Para responder à mudança climática, o governo chinês assumiu o compromisso de não construir usinas de carvão no exterior. Os investimentos chineses passam por uma transição com foco em projetos que estejam em sintonia com os conceitos de sustentabilidade ambiental e descarbonizacão. Nos últimos sete anos, entre os investimentos feitos pela China nos países parceiros da iniciativa Cinturão e Rota, a percentagem dos projetos de energia renováveI aumentou de 19% para 58%, superando a fatia da energia fóssil.

De agora em diante, além de acelerar a sofisticação de sua estrutura industrial e sua matriz energética, a China vai se valer da tecnologia ambiental e das finanças verdes para apoiar os países em desenvolvimento na transição verde e na descarbonização das fontes de energia.

Valor. A falta de insumos tem sido um problema para a indústria pelo mundo. Um exemplo de oferta insuficiente é o de semicondutores. Quanto tempo o senhor considera ainda ser necessário para que as cadeias produtivas que dependem de insumos chineses se normalizem?

Yang  Desde o início da pandemia, a China venceu desafios internos e externos, persistiu na abertura no exterior e fez todos os esforços para manter o estável funcionamento das cadeias globais de produção e de suprimento, dando um forte impulso à recuperação e crescimento da economia mundial. Tomando os semicondutores como exemplo, entre janeiro e agosto, as exportações chinesas desses produtos cresceram 34,8% sobre o mesmo período do ano passado, e as vendas para o Brasil aumentaram 46,1%. É importante salientar que toda a cadeia produtiva internacional envolve uma série de elos interdependentes, desde os insumos até a logística, passando por design, produção e montagem. Nenhum país seria capaz de cobrir todo o processo. Portanto, a causa da atual interrupção do abastecimento não está na China, mas em bloqueios e sainções por parte de certos países interessados em se dissociar da China, cortar o suprimento e defender pautas particulares. É uma atitude que vai contra as regras da economia de mercado e inviabiliza a recuperação econômica global.

Valor. Quais setores o senhor considera que nos próximos anos devem atrair mais capita chinês no Brasil?

Yang A China é um dos principais investidores do Brasil, que mantém uma das mais altas taxas de crescimento no volume de  aportes no Brasil. Em termos cumulativos, a China tem no Brasil um investimento superior a U$ 80 bilhões, o que representa um terço do total de investimentos chineses em toda a América Latina. Esses apartes estão presentes em setores tradicionais e emergentes como petróleo, energia elétrica, novas energias, infraestrutura, agricultura, manufatura e telecomunicações, criando no Brasil mais de 40 mil empregos diretos. Na próxima fase, a tendência do fluxo desses investimentos e os setores serão definidos pela natureza complementar das duas economias e pelas respectivas demandas de desenvolvimento. Por exemplo, tanto o governo federal como vários governos locais fizeram da infraestrutura, energia e agricuItura áreas prioritárias para a retomada econômica no pós-pandemia. Isso certamente trará oportunidades para a cooperação bilateral. A parte chinesa está disposta a expandir a parceria com o Brasil em setores emergentes como economia digital e de baixo carbono, agricultura e cidades inteligentes, telecomunicações 5G, com o objetivo de alcançar juntos um desenvolvimento sustentável.

Valor: Dentre os principais itens da pauta de exportações brasileiras para a China, quais o senhor entende que tem atualmente e que tendem a ter nos próximos anos mais espaço para crescer no mercado chinês?

Yang: A China tem sido o maior destino das exportações brasileiras por vários anos. De janeiro a setembro deste ano, os embarques brasileiros para a China cresceram 34%, e o superávit comercial com o país já superou o total do ano passado com um novo recorde, respondendo por dois terços do saldo comercial positivo do Brasil. No futuro, os bens de consumo domésticos podem se tornar um importante ponto de crescimento no comércio bilateral. O mercado chinês é o maior do inundo e também o que mais cresce. O PIB per capita da China já passou dos US$ 10 mil e deve chegara US$ 30 mil em 2035. A China tem uma classe média de 400 milhões de pessoas, seu tamanho deve dobrar até 2035. Isso criará grande espaço para que nossos dois países ampliem seu comércio e otimizem a pauta comercial. O Brasil tem recursos altamente complementares à demanda do mercado chinês e é cada vez mais importante para garantir a segurança alimentar e de abastecimento de recursos da China.

Valor: Em setembro, o Brasil voluntariamente interrompeu suas exportações de carne depois de identificação dois casos atípicos do mal de vaca louca e cabe à China dar sinal verde para a volta das exortações. Quando a China fará isso?

Yang: A garantia da segurança dos alimentos importados e dos direitos do consumidor é uma prioridade do governo chinês. Com a suspensão imediata das exportações de carne, o governo brasileiro demonstrou seu zelo com a segurança dos alimentos exportados, o que fortalece a confiança. Autoridades agrícolas e sanitárias dos dois países têm mantido estreita comunicação para viabilizar a retomada das exportações.

Valor A China pode vir a adquirir mais minério de ferro do Brasil uma vez que as relações com a Austrália, maior fornecedor mundial, tem relações estremecidas?

Yang  Os comércios China-Brasil e China-Austrália não são excludentes. A demanda chinesa por minério de ferro é gerada pela robusta recuperação da economia. No longo prazo, enquanto essa demanda interna crescer de forma estável, a procura chinesa por commodities aumentará.

“O governo chinês tomou a decisão de reduzir o volume e aumentar a qualidade da produção siderúrgica"

Valor Pequim considera voltar a dar incentivos de exportação de aço com a retração da demanda interna chinesa.

Yang: A China é o maior produtor e consumidor mundial de aço. A demanda por este produto teve um enorme crescimento neste ano, a produção doméstica de ferro-gusa, aço bruto e aço mantém a tendência e alta. Ao mesmo tempo, a exportação de produtos siderúrgicos também registrou aumento, alavancado pela retomada do mercado em alta. Ao mesmo tempo, a exportação de produtos siderúrgicos da China também registrou aumento, alavancado pela retomada da procura no mercado internacional e pela alta de preços na Europa e nos EUA. Na realidade, o setor siderúrgico e o maior emissor de carbono na indústria de transformação da China, respondendo por cerca de 15% do total. Em busca de um desenvolvimento verde, o governo chinês tomou a decisão de reduzir o volume e aumentar a qualidade da produção siderúrgica. As tarifas de exportação desses produtos já tiveram dois aumentos na China neste ano. O objetivo é justamente orientar essa transformação industrial para a alta qualidade, levando em consideração o equilíbrio entre a oferta e a demanda de aço na China.

Valor: O Brasil adquiriu insumo chinês para milhões de doses de vacina anticovid. As farmacêuticas chinesas trabalham com a perspectiva de venda de novos lotes de insumo ou de vacina para o Brasil?

Yang A China já forneceu mais de 1,2 bilhão de doses de imunizantes e IFA a mais de cem países e organizações. Até o  final do ano, o governo chinês prevê entregar ao mundo um total de 2 bilhões de doses e disponibilizar 100 milhões de doses adicionais aos países em desenvolvimento, além da doação de US$ 100 milhões já anunciada ao programa Covax Facility. A China é o primeiro pais a desenvolver uma parceria com o Brasil em matéria de vacinas e a fornecer-lhe os imunizantes.  É responsável pela entrega de mais de 70% dos imunizastes e dos insumos disponíveis no Brasil. Esta parceria continua em expansão. Três vacinas de laboratórios chineses SinoVac, Clover e IMBCLAMS estão em estudos clínicos da Fase 3 no Brasil, enquanto outras duas vacinas.do Sinopharm e da CanSino estão esperando a autorização para uso emergencial. Além disso, a SinoVac está analisando próximos passos da parceria com o lnstituto Butantan. Conforme a demanda brasileira, a China está disposta a continuar com a parceria.

Valor: Há algumas semanas, um explosivo foi lançado contra o consulado da China no Rio de Janeiro. Isso pode ser pode ser visto como sentimento de animosidade que um grupo de apoiadores do presidente Bolsonaro tem em relação ao senhor e a China?

Yang A parte chinesa tem a esperança e a convicção de que o governo brasileiro tomará medidas concretas para proteger todas as missões diplomáticas e seu pessoal, incluindo as da China, como prevê a Convenção de Viena.

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