Felipe Moraes
O Brasil nunca teve memória boa, ainda mais quando o assunto é a entrada do país na Segunda Guerra. Isso foi há exatos 70 anos, em 31 de agosto de 1942. Getúlio Vargas tirava o país de cima do muro — suas ideias flertavam com o nazi-fascismo, mas a política externa era amistosa aos Estados Unidos —, decidia apoiar os aliados e, em seguida, enviava 25 mil soldados à Itália. Mas, muito antes dos atos de bravura da Força Expedicionária Brasileira, um episódio trágico e heroico, curiosamente colocado em segundo plano na história, foi decisivo para a iniciativa do presidente Vargas. Entre 15 e 17 de agosto, no litoral nordestino, cinco embarcações brasileiras, levando carga, civis e militares, foram abatidas por um submarino alemão. O ataque resultou em 607 mortes. E, só agora, recebe atenção merecida em U-507 — o submarino que afundou o Brasil na Segunda Guerra Mundial (Schoba), livro de estreia do jornalista gaúcho Marcelo Monteiro.
“A dimensão disso me levou à pesquisa. Em nove horas, 591 pessoas morreram. Muito mais que em um ano de luta na Itália. Se a gente fizer um paralelo com os Estados Unidos, foi como o Pearl Harbor. Todo americano conhece, já leu, viu filmes, sabe de cor e salteado. O nosso Pearl Harbor a gente desconhece. É curioso e lamentável”, diz Monteiro, 40 anos, nascido e formado em jornalismo em Santa Maria.
Reconstituição
Em três anos e meio, o jornalista refez, por meio de coleta de material e entrevistas com testemunhas, o percurso dos navios Baependy, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba e Arará, torpedeados pelo submersível nazista U-507. Os três primeiros foram alvejados de surpresa, na madrugada de 15 para 16 de agosto. Quatro deles viajavam do Sudeste rumo ao Norte e Nordeste. Apenas o Arará, que carregava sucata e 35 tripulantes, fazia trajeto contrário. A maioria dos sobreviventes saiu do Itagiba, afundado à luz do dia. O iate Aragipe salvou mais de 150 pessoas. E vários outras foram resgatadas em barcos salva-vidas.
Um documento essencial na pesquisa de Monteiro foi o diário de bordo do U-507, escrito pelo capitão Harro Schacht. Alguns dados puderam, enfim, ser elucidados. Um dos equívocos diz respeito à quantidade de disparos — supostamente dois torpedos para cada navio. Segundo Schacht, apenas o Baependy foi avariado duas vezes. Outros relatos, que procuravam dar conta da crueldade do alemão, diziam que o marinheiro metralhou embarcações de resgate e naufragados que se debatiam na água. Na verdade, ele não atirou por razões táticas — a ação teria exigido subida à superfície e exposição a possíveis revides de aviões brasileiros.
A primeira pessoa que o pesquisador tentou localizar foi a alagoana Walderez Cavalcante, náufraga do Itagiba. Após o afundamento, a então garotinha, de quatro anos, sobreviveu porque ficou abrigada numa caixa de madeira, que servia de engradado de leite de condensado.
Numa das fotos impressas em Agressão — Documentário dos fatos que levaram o Brasil à guerra, publicado pela Imprensa Nacional em 1943, Walderez aparece com outra menina da mesma idade, Vera Beatriz do Canto. Semanas depois de contatar as duas senhoras, Monteiro conseguiu colocar Walderez e Vera, irmanadas para sempre pelo ocorrido, novamente lado a lado.