Quase dois anos depois de ser cancelada, a viagem da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos – e o encontro com o presidente Barack Obama – finalmente virou realidade. Dilma viajou no sábado (27/06) para Nova York, onde se reuniu com empresários neste domingo, e chega nesta segunda-feira a Washington, onde será recebida por Obama para um jantar.
Em outubro de 2013, a viagem fora adiada às vésperas por causa das denúncias, feitas com base em informações do whistleblower Edward Snowden, de que a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos teria grampeado o telefone da presidente.
O cancelamento rendeu pontos a Dilma entre a opinião pública internacional, especialmente na Alemanha, onde foi interpretado como um gesto forte e uma resposta adequada – principalmente porque a chanceler federal Angela Merkel, também alvo da NSA, segundo as mesmas denúncias, evitou polemizar em cima da questão.
Mas a negativa brasileira esfriou as relações políticas entre Brasil e Estados Unidos, dois países que, por suas dimensões territoriais e suas economias, são parceiros naturais em praticamente todas as questões relativas ao continente americano. Foi necessária uma ofensiva diplomática do vice-presidente Joe Biden e uma conversa entre Dilma e Obama durante a Cúpula da Américas, no Panamá, para novamente acalmar os ânimos. A conversa, segundo a Casa Branca, foi "franca".
Mas dar a questão da espionagem por resolvida seria ingenuidade. "O problema não foi resolvido", afirma o especialista Daniel Flemes, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), de Hamburgo. "Podemos partir do princípio de que a espionagem dos Estados Unidos continua acontecendo." Mas, por causa das dificuldades econômicas que enfrenta, o Brasil não pode mais se dar o luxo de esnobar os Estados Unidos, acrescenta. Nesse sentido, a decisão favorável à viagem é sobretudo política e, nesse contexto, "até mesmo oportunista, no sentido de favorecer os interesses econômicos em vez de valores como a proteção da privacidade dos brasileiros".
Na versão oficial, tudo é bem diferente. Quase em uníssono, os dois lados negam que ainda haja tensões. Em Brasília, o subsecretário-político do Ministério das Relações Exteriores, Carlos Antonio da Rocha Paranhos, disse que o episódio está superado. E, em Washington, o assessor adjunto de Segurança Nacional da Casa Branca, Ben Rhodes, afirmou que a visita de Dilma mostra que o escândalo é coisa do passado.
Em busca de investidores
Assim como nas recentes idas ao México e a Bruxelas, a economia é o ponto central da viagem. Em outubro de 2013, as dificuldades econômicas ainda não tinham o tom dramático de hoje e o país era atraente para os investidores estrangeiros por causa do seu enorme potencial de negócios. Hoje, em meio à maior crise econômica do seu governo, Dilma precisa convencer os estrangeiros a se voltarem para o país. "O Brasil precisa muitos dos investimentos estrangeiros neste momento, por causa da difícil situação da economia e também por causa do escândalo da Petrobras", afirma Flemes.
O caso da Petrobras é emblemático das dificuldades enfrentadas pelo Brasil: muitas empresas que trabalhavam para a petrolífera passam por dificuldades por causa do escândalo de corrupção, incluindo a prisão de alguns de seus principais executivos. A situação afeta a capacidade de investimentos dessas empresas e força o país a procurar parceiros no exterior. "Muitas dessas empresas não têm condições de pegar grandes obras, e isso abre as portas para as empresas internacionais", resume o cientista político David Fleischer, da UnB.
Para impulsionar a economia, o governo lançou recentemente um pacote de quase 200 bilhões de reais em concessões para atrair investimentos da iniciativa privada para o setor de infraestrutura, um tradicional gargalo do setor produtivo brasileiro. Nesta segunda-feira, Dilma tinha marcado encontro com empresários americanos em Nova York, num encontro destinado a explicar o pacote brasileiro e convencer os americanos a investir.
A importância que o governo dá à viagem pode ser medida pela comitiva que acompanha Dilma: são dez ministros, incluindo o da Fazenda, Joaquim Levy, e cerca de 80 empresários. A missão do grupo, segundo Paranhos, é mostrar que o Brasil está adotando um programa de ajuste fiscal e um plano de infraestrutura e tem interesse na participação de empresas americanas.
Mercado interessante, mas com dificuldades
Para Flemes, o Brasil é um mercado interessante para os investidores americanos, apesar das conhecidas dificuldades, como a temida burocracia brasileira e os impostos alfandegários. "Em especial alguns setores, como energia, gás e petróleo, são muito atraentes por causa das boas perspectivas de lucros", afirma. Além disso, o mercado consumidor de 200 milhões de pessoas é atraente por si só, completa.
Há, porém, dificuldades que vão além dos entraves para o investimento no Brasil. Uma delas é a concorrência de mercados mais desregulados que o brasileiro – concorrência que é acirrada pelos acordos internacionais de livre comércio, como o TPP (bloco comercial do Pacífico) e o acordo de livre-comércio que a União Europeia negocia com os Estados Unidos.
Outra dificuldade é a própria imagem do Brasil no exterior, que não estimula ninguém a investir no país. "O governo Dilma está numa situação muito negativa, com 10% de aprovação popular, inflação e desemprego em alta e vários escândalos envolvendo ministros. O Ibope está muito baixo", afirma Fleischer, lembrando que uma situação como essa alimenta a desconfiança dos estrangeiros.
Um editorial do jornal Washington Post confirma essa percepção. Intitulado Um retrocesso no Brasil, o texto afirma que a democracia brasileira está em crise e que a corrupção na Petrobras é em grande parte fruto de políticas equivocadas de Dilma, como a tentativa de restringir os fornecedores da petrolífera a empresas brasileiras.
Fleischer concorda com essa avaliação. "Além de estimular a corrupção, isso tudo custou muito caro para a Petrobras, pois o material fabricado no Brasil custa mais que o dobro do que o que vem de Cingapura ou da Coreia." Ele lembra que o Brasil continua sendo uma economia extremamente fechada. "Uma maior abertura da economia brasileira é outra coisa que os americanos certamente vão reivindicar", afirma. "Só que a Dilma é extremamente nacionalista", pondera, acrescentando mais uma dificuldade à lista.