O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, cumpriu sua ameaça e retirou a Venezuela da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgãos autônomos que trabalham com a Organização dos Estados Americanos. Segundo o caudilho bolivariano, as duas entidades são parciais em relação à Venezuela e agem como "instrumentos do imperialismo" – isto é, a serviço dos Estados Unidos. A gota d'água foi a decisão da Corte Interamericana de condenar o Estado venezuelano a indenizar Raúl José Díaz Peña, preso durante seis anos por "terrorismo" e que fugiu para os EUA em 2010. Mas Chávez tem vários outros motivos para não gostar da Comissão de Direitos Humanos.
Há mais de uma década, o órgão vem apontando a deterioração progressiva dos direitos humanos e das garantias individuais na Venezuela, transformando o país num simulacro de democracia. Em seus relatórios anuais, a comissão manifestou preocupação pela ausência de separação entre os Poderes Executivo e Judiciário. Além do elevado número de juízes e promotores que ocupam seus cargos em caráter provisório, a indicação e a destituição desses magistrados são arbitrárias, sem transparência nem escrutínio público. Ou seja: os juízes trabalham em função dos humores do governo e do Legislativo, subjugado ao chavismo.
Os informes demonstram também que não há clima de tolerância à manifestação democrática de ideias no país, frequentemente ocorrendo atos de intimidação contra jornalistas e veículos de comunicação. Para essa atmosfera concorrem as declarações de autoridades, desqualificando a imprensa e a oposição, além da imposição de punições drásticas contra empresas jornalísticas e seus profissionais, o que "configura um cenário restritivo que inibe o livre exercício da liberdade de expressão como condição de uma democracia vigorosa, fundada no pluralismo e na deliberação pública".
A hostilidade oficial à dissidência política e aos grupos que defendem os direitos humanos atingiu níveis patéticos na Venezuela. Um exemplo eloquente foi um documento da Assembleia Nacional, intitulado "Informe Final da Comissão Especial para Investigar a Conspiração e a Organização do Golpe de Estado e do Magnicídio contra o Comandante Presidente da República Bolivariana da Venezuela Hugo Chávez". Tal relatório acusou organizações de direitos humanos de atuarem como "organismos internacionais que cooperam com os objetivos do império". Entre os grupos acusados estão a CIA, o Mossad, a Sociedade Interamericana de Imprensa e a Human Rights Watch.
Essa desmoralização dos direitos humanos na Venezuela tem no processo contra Díaz Peña um caso exemplar. Em 2003, o dissidente foi preso sob acusação de ter "facilitado" um ataque a bomba contra representações da Colômbia e da Espanha. A polícia agiu a partir do depoimento de Silvio Mérida Ortiz, outro preso no episódio. Ortiz disse ao juiz, no entanto, que só denunciou Díaz Peña porque foi torturado, mas sua declaração não foi levada em conta. Díaz Peña passou os anos seguintes na cadeia com direito a uma hora de sol a cada 15 dias. Uma infecção o deixou surdo e só foi levado a um médico depois que um grupo de defesa dos direitos humanos entrou com uma petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 2008, quando receberia sua sentença – que a defesa esperava converter em prisão domiciliar, como prevê a lei -, Díaz Peña foi condenado a nove anos de prisão, porque a Promotoria, sem avisar os advogados de defesa, havia mudado a acusação: de "facilitador" do atentado, ele passou a "autor". Dois anos mais tarde, Díaz Peña fugiu para os EUA.
Em junho, a Corte Interamericana condenou a Venezuela por "violação do direito à integridade pessoal" de Díaz Peña e pelo "tratamento desumano e degradante" a que ele foi submetido, além de considerar sua prisão "ilegal e arbitrária". Chávez reagiu dizendo que a decisão de sair da Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi "baseada em nossa conduta moral" – aquela que justifica crimes de Estado.