Uma série de relatórios do Itamaraty e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), além de contatos diretos da embaixada no Paraguai com o Palácio do Planalto, apontava para o agravamento na crise no Paraguai e o risco de que o presidente Fernando Lugo perdesse o cargo – o que ocorreu em um processo de impeachment de 36 horas, concluído no dia 22 de junho. Nenhum desses levantamentos, porém, chegou às mãos da presidente.
Dilma foi informada do que acontecia no Paraguai quando estava no Rio de Janeiro, no dia 21 de junho, logo depois de os deputados paraguaios aprovarem a abertura do processo de impeachment. No dia anterior, tinha sido entregue ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general José Elito, o segundo relatório especial de inteligência da Abin apontando que o processo seria aberto porque Lugo havia perdido o pouco apoio que lhe restava no Congresso paraguaio e, desta vez, dificilmente escaparia.
No dia 15 de junho, quando 11 sem-terra e seis policiais foram mortos em um conflito por desocupação de terras, a agência havia produzido outro relatório, também apontando para o agravamento da crise e a possibilidade de abertura de um processo político, desta vez com chances de prosperar. Durante a semana, as sínteses preparadas diariamente para serem entregues a Dilma também trataram majoritariamente do assunto.
Nenhum desses documentos foi visto pela presidente. Responsável por repassar os relatórios da Abin para sua chefe, a quem são originalmente destinados, o general Elito costuma editar ou ignorar os que considera ter informações desnecessárias e ler ele mesmo os que acredita serem importantes o suficiente para merecerem a atenção de Dilma.
Apesar de ser o responsável não apenas pela inteligência mas também pela segurança presidencial, o general tem pouco acesso à presidente: pouco é recebido, pouca atenção recebe e seus e-mails são eventualmente ignorados.
Assessores próximos da presidente confirmam que ela nunca recebeu nenhum documento da Abin tratando do Paraguai e foi informada apenas no Rio de Janeiro. Dilma embarcou para a reunião do G-20 no México em 17 de junho, dois dias depois das mortes no Paraguai que desencadearam o derradeiro processo de impeachment contra Lugo. Nesse ponto, Elito já tinha nas mãos o primeiro relatório da Abin. O general ficou no Brasil e não procurou a presidente durante o encontro no México.
Envolvida com as negociações do G20 e também com a Rio +20, onde o chanceler Antonio Patriota negociava o acordo final da Conferência, Dilma também não teria tomado conhecimento das informações repassadas pelo Itamaraty. Nos dias que antecederam o processo político, o embaixador brasileiro em Assunção, Eduardo dos Santos, conversou diversas vezes com o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, por telefone. Também os relatórios sobre a crise preparados pela embaixada no Paraguai foram repassados pelo Itamaraty à assessoria especial. Aparentemente, essas informações não chegaram a Dilma. Nem mesmo no Palácio do Planalto há uma explicação para isso, já que Marco Aurélio viajou com a presidente para o México.
As informações coletadas pela Abin e pelo Itamaraty apontavam no mesmo caminho: apesar de ter enfrentado até aquele momento 23 processos políticos que não tiveram sucesso, a situação no Paraguai havia mudado e uma nova ação poderia prosperar. Depois das mortes no campo, quando Lugo mudou o comando do Ministério do Interior, a avaliação dos dois órgãos foi de que o então presidente tinha perdido o apoio político que lhe restara no Congresso e não teria votos para segurar um novo pedido de impeachment, o que realmente aconteceu. Lugo perdeu a votação na Câmara por 73 a 1. No Senado, onde foi definida a cassação, foi derrotado por 39 a 4.
Uma das teorias levantadas no Planalto para que os assessores da presidente não tenham se preocupado em informá-la do que acontecia foi o fato de que aquele foi o 24.º pedido de impeachment e, dado o fracasso dos anteriores, havia impressão de que seguiria o mesmo caminho.
Em resposta a várias perguntas enviadas pelo Estado, a Assessoria de Comunicação da Presidência respondeu, por e-mail, que a presidente "recebeu dos órgãos pertinentes informes regulares e tempestivos, tendo-se mantido atualizada em todos os seus desdobramentos e antecedente". A nota também informa que Dilma mantém contatos diários com Elito, mas não confirmou a existência de relatórios da Abin alegando serem de "natureza sigilosa".