Sergio Leo
O Mercosul iniciou ontem "uma nova etapa" com o ingresso da Venezuela no bloco, mas ainda há "um importante trabalho técnico" para assegurar a integração do país à união aduaneira formada por Brasil, Argentina Uruguai e Paraguai, alertou a presidente Dilma Rousseff, ao falar à imprensa ontem no encerramento da reunião de cúpula extraordinária do Mercosul que marcou simbolicamente a chegada do novo integrante.
"A primeira rodada de trabalhos técnicos se realizará na última semana de agosto. Esperamos concluí-la até o fim do ano", discursou Dilma, demonstrando que o Brasil não se dispõe a esperar por quatro anos, como previsto no protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul, para que o país governado por Hugo Chávez assuma os compromissos necessários para integrar o bloco, como a adoção da Tarifa Externa Comum (TEC) e a eliminação de tarifas de importação para os sócios do bloco.
A discussão sobre o futuro das negociações comerciais com terceiros países e a possível ampliação do Mercosul ocupou parte da reunião fechada de duas horas entre Dilma, Chávez e os presidentes da Argentina, Cristina Kirchner, e do Uruguai, José Mujica, ontem à tarde, antes da reunião ampliada, com assessores.
Há negociações do governo brasileiro com Bruxelas para retomada das negociações do acordo de livre comércio com a União Europeia. Dilma ordenou a seus ministros que encontrem uma forma de estreitar os laços comerciais com países sul-americanos e atender às queixas do Uruguai, que quer maior liberdade para, sem consulta aos demais sócios, aprofundar os acordos de livre comércio que tem hoje com países como o Peru.
"Nesse mundo, quem não cresce, perece", argumentou Mujica, ao sair do almoço que encerrou a cúpula, no Palácio do Itamaraty. "Há outros países na América Latina que temos de buscar uma forma de incorporar", disse Mujica. Os uruguaios chegaram a fazer circular, sem êxito, uma proposta de resolução do Mercosul, que autorizaria os sócios a firmar acordos isoladamente com outros países latino-americanos, para aprofundar tratados comerciais existentes ou criar novos.
O Itamaraty não incluiu, porém, a ampliação do Mercosul no plano de trabalho da presidência pro-tempore do Brasil, que vai até dezembro. Para o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, que viaja na próxima semana à capital boliviana, La Paz, o Mercosul gostaria de incorporar a Bolívia e o Equador, e busca uma maneira, possivelmente por meio da União das Nações da América do Sul (Unasul), para estreitar os laços comerciais com Chile, Peru e Colômbia que, por terem acordos de livre comércio com outros países, como os EUA, não têm interesse em adotar a Tarifa Externa Comum do Mercosul.
Garcia afirmou que o Brasil não aceita acabar com a exigência da TEC. "Temos um modelo só de incorporação e esse modelo se adapta evidentemente à realidade de cada país em matéria de prazos e concessões feitas no marco geral da integração."
Entre discursos políticos pela integração americana ecoados por Mujica e Cristina, Chávez aproveitou os encontros bilaterais para mostrar, na prática, vantagens econômicas da aproximação com os venezuelanos. No Brasil, patrocinou um acordo entre a brasileira Embraer e a estatal venezuelana Comvisa para compra de seis aviões Embraer 190, no valor de US$ 272 milhões, com opções de compra para mais 14, o que ampliaria o negócio a US$ 904 milhões.
Com o Uruguai, anunciou a criação de uma linha naval pelo Rio da Prata para transporte de frutas, carne e outros produtos do país comprados pela Venezuela. Com a Argentina, firmou cooperação entre as estatais de petróleo PDVSA e YPF, que prevê investimentos conjuntos das duas empresas. Chávez prometeu dar recursos para ampliar o Focem, Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, que beneficia com crédito barato projetos de desenvolvimento no bloco, principalmente no Paraguai.
Chávez sugeriu que o bloco se associe à chamada iniciativa Petrocaribe, pela qual a Venezuela tem fornecido petróleo e gás a países caribenhos. Fontes do governo disseram ao Valor que está fora de questão determinar à Petrobras que acompanhe a PDVSA na Petrocaribe, que envolve até troca de mercadorias. Mas se estudarão projetos de cooperação com a Venezuela para assistência técnica a países caribenhos.
"A nós interessa muito sair do petróleo, impulsionar o projeto agrícola da Venezuela, e temos muito potencial", disse Chávez, citando a existência, no país, de grandes reservas de minério de ferro, bauxita, pedras preciosas, rocha fosfórica e outros minerais estratégicos. "Nosso norte é o Sul", discursou.