Nota DefesaNet
Um texto onde a ideologia irracional floresce. Analista de Realções Internacionaiss da Universidadde Federal do ABC. O editor |
Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC
Uma característica inusitada do bolsonarismo é a preocupação constante em associar seu projeto doméstico a uma grande narrativa internacional. O fim da aliança com Trump e Netanyahu, pedra angular da diplomacia entre 2019 e 2021, obrigou aliados do presidente a irem atrás de alternativas.
Após trocar simpatias com Erdogan e se encontrar com os petromonarcas do Oriente Médio no final do ano passado, Jair Bolsonaro se prepara para completar a guinada oriental da sua política externa com a viagem à Rússia. Para Vladimir Putin, o momento não poderia ser mais oportuno.
Numa das maiores mobilizações de uma potência militar desde a Guerra do Golfo de 2003, o líder russo estacionou cerca de 130 mil tropas na fronteira ucraniana e iniciou um jogo de pressão com as potências ocidentais. O mês de fevereiro será decisivo, e Putin quer mostrar que a Rússia não está isolada.
No embalo do memorável encontro com Xi Jinping, apresentará a visita de Bolsonaro como manifestação de apoio dos países do Brics. Para desespero do Itamaraty, será quase impossível impedir a instrumentalização da agenda pelo Kremlin.
Esse enésimo constrangimento diplomático terá impacto limitado para o Brasil. As potências ocidentais parecem indiferentes às provocações de Bolsonaro, que consideram um caso perdido.
A aproximação com potências não ocidentais vai sempre esbarrar na antipatia à China, tornada irreversível pelo comportamento primitivo dos bolsonaristas.
Nesse contexto, é difícil que algum dirigente, a começar pelo ultrarrealista Putin, gaste seu capital político se comprometendo com o governo brasileiro a poucos meses das eleições. A nova fase da diplomacia bolsonarista promete ser igual à anterior: amadora, superficial e facilmente manipulável.
Sobram a Bolsonaro, apequenado e isolado, o vício e a vigarice. Desde as eleições de 2018, ele vem usando as relações internacionais para virilizar a sua imagem.
Sob esse ponto de vista, a agenda russa cumpre plenamente a sua função. Nos últimos 20 anos, Putin praticamente reinventou o uso da masculinidade como um instrumento de poder, pilotando tanques e desafiando ursos para resgatar a autoestima dos homens russos traumatizados pelo colapso da União Soviética. Ao se aproximar do rei da masculinidade tóxica, Bolsonaro reafirma a sua associação a Donald Trump, Mohammed bin Salman, Matteo Salvini e outras figuras admiradas pelo eleitor de extrema direita.
Mas essa operação cosmética pode sair pela culatra. Afinal, o contraste entre os dois exércitos é muito mais forte do que o paralelo entre Bolsonaro e Putin. De um lado estará o chefe de uma força que se notabilizou por alçar a posições de tomada de decisão sumidades como Eduardo Pazuello, desfilar com tanques fumegantes e gastar em filé mignon e picanha os recursos para enfrentar a crise sanitária.
Do outro, o líder de um país que consegue pensar em todos os tabuleiros militares do mundo com o PIB equivalente ao do Brasil. A viagem a Moscou vai deixar claro, outra vez, a insignificância do imbrochável.