Abraham Zamorano
Após anunciar a necessidade de uma nova cirurgia para tratar um câncer, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, falou pela primeira vez em sucessão e indicou seu vice, o chanceler Nicolás Maduro, como sucessor. Ex-motorista de ônibus, ele pode vir a ser o encarregado de dar continuidade ao projeto chavista no país.
Portando quase sempre um sorriso por trás de seu farto bigode, o ministro das Relações Exteriores parece ser imbuído de uma calma constante –algo que pode estar relacionado com suas crenças hinduístas.
Amigo leal de Chávez desde os tempos em que o atual mandatário esteve preso pela tentativa de golpe de Estado de 1992, Maduro é considerado o político mais próximo ao presidente desde que o câncer foi diagnosticado, em maio de 2011.
Em seu período como chanceler, Maduro ganhou fama de amável nos círculos diplomáticos latino-americanos, mas isso não impediu que fosse também um duro crítico do "império" e o co-artífice de uma política externa que deu tantos desgostos a Washington.
Como chefe da diplomacia venezuelana, Maduro seguiu a linha chavista de buscar abertamente "a construção de um mundo multipolar livre da hegemonia do 'imperialismo norte-americano'", como descreveu à BBC o analista Carlos Luna.
Ele foi considerado uma peça-chave na aplicação da política externa do país além das fronteiras latino-americanas, para se aproximar de qualquer governo que pudesse rivalizar com os Estados Unidos por uma questão ou outra.
'Tremendo chanceler'
Socialista e sindicalista de longa data, Maduro fez parte da Assembleia Constituinte que redigiu a Constituição Bolivariana proposta por Chávez, em 1999. Posteriormente foi eleito deputado e chegou ao posto de presidente do Legislativo em 2005.
Em 2006, atendeu a um pedido de Chávez para assumir o cargo de ministro das Relações Exteriores, nomeação que foi muito criticada pelos opositores, já que o chanceler não tem formação universitária: ele é um ex-motorista de ônibus que nunca concluiu os estudos formais.
Como para demonstrar pouco caso das críticas que recebe entre os círculos opositores, Maduro chegou a dirigir o caminhão sobre o qual Chávez fazia campanha para as eleições presidenciais de 7 de outubro.
O chanceler é citado por Chávez como exemplo de gente do povo que exerce o poder diretamente e não por meio de representantes provenientes das classes mais abastadas.
"Olha onde vai Nicolás, de motorista de ônibus a vice-presidente. E como ri da burguesia por isso", afirmou o presidente pouco depois de ganhar as eleições de outubro.
"Tremendo chanceler", afirmou Chávez em um ato solene durante o 201º aniversário da independência.
Entretanto, o chanceler também teve momentos "pouco diplomáticos" nos quais pareceu perder sua compostura tranquila, como quando chamou de "funcionariozinho" o subsecretário de Estado dos Estados Unidos John Negroponte.
E apesar de ser considerado como um dos menos radicais no governo em política interna, Maduro chegou a chamar o adversário de Chávez na disputa pela Presidência, Henrique Capriles, de "bichona e fascista".
Posteriormente, Maduro se desculpou pela expressão, dizendo que ela "tinha outra conotação" e que "não especularia com a opção sexual de Capriles nem de ninguém".
'Persona non grata'
A última vez que Maduro havia sido destaque na imprensa latino-americana, antes de ter sido nomeado vice-presidente, foi por sua intervenção na crise política paraguaia que terminou com a destituição do então presidente Fernando Lugo.
Maduro foi parte da comitiva de chanceleres organizada por diferentes governos da região logo após a informação de que Lugo estava a ponto de ser destituído.
O venezuelano terminou sendo acusado pelo novo governo paraguaio de atiçar os militares para que se revoltassem e defendessem Lugo, o que o levou a ser considerado persona non grata no país.
Chávez aproveitou para voltar a expressar seu mais firme apoio ao seu número dois no governo ao dizer que o invejava por ter recebido tal distinção por parte de quem acusou de serem golpistas por terem tirado Lugo do poder.
O amigo
A proximidade entre Chávez e Maduro é de longa data. Remonta aos tempos em que o mandatário cumpriu pena na prisão de Yare pela tentativa de golpe de Estado que comandou em 1992.
Na ocasião, Maduro se converteu em um ativista a favor da libertação de Chávez. Nessa época conheceu a mulher, a advogada Cilia Flores, que fazia a defesa do então coronel do Exército Chávez.
A amizade permaneceu forte ao longo dos anos. Nas imagens de Chávez em Cuba durante seu tratamento contra o câncer, seus acompanhantes mais recorrentes eram suas filhas e Maduro.
De fato, o chanceler é considerado um dos poucos confidentes do presidente que teve acesso aos detalhes do diagnóstico, que recebeu tratamento de segredo de Estado.
Até então era somente ministro das Relações Exteriores. Desde outubro, acumula também o cargo de vice-presidente, uma decisão de Chávez que para os observadores foi interpretada como sua indicação como sucessor, algo que foi confirmado na noite de sábado.