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Conflito em Afrin eleva tensões entre Síria e Turquia

Por um momento, o ministro do Exterior da Turquia, Mevlüt Cavusoglu, se mostrou generoso em relação ao regime sírio: se o presidente Bashar al-Assad enviar militares a Afrin com intuito de expulsar os curdos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e das Unidades de Proteção Popular (YPG), então tudo bem.

"Mas se os soldados vierem para proteger as YPG, então ninguém poderá deter a Turquia ou os militares turcos", afirmou o ministro, impondo limites à sua generosidade.

A mensagem é clara: do ponto de vista de Ancara, o regime de Assad perdeu sua autonomia política. A sua liberdade se limita a decidir se entra ou não numa briga com as forças turcas.

Com seu alerta, Cavusoglu reagiu à mobilização contra a ofensiva turca em Afrin, anunciada por Damasco na manhã desta segunda-feira (19/02). "As forças populares chegarão a Afrin dentro de horas para apoiar a resistência popular aos ataques do regime turco", comunicou a Sana, agência de notícias oficial do país. O objetivo é "defender a unidade territorial e a soberania da Síria".

O significado de "forças populares"

A Sana falou explicitamente em "forças populares" – e não em unidades regulares das Forças Armadas. A escolha cuidadosa de palavras tem dois motivos, avalia a especialista em Oriente Médio Bente Scheller, diretora da Fundação Heinrich Böll em Beirute.

Em primeiro lugar, as tropas regulares da Síria foram fortemente enfraquecidas. Por isso, o regime depende há muito tempo de milícias estrangeiras. Em segundo lugar, e ainda mais importante, o status das forças populares não é preciso. Elas fazem parte das Forças Armadas sírias e, ao mesmo tempo, atuam de forma independente como defesa civil.

"Em outras palavras, tenta-se evitar um confronto diplomático. As tropas em ação agora não estão claramente subordinadas às Forças Armadas. Se estivessem, a situação diplomática seria muito diferente", afirma Scheller.

Milícias iranianas

Não se sabe ao certo quão eficazes são essas tropas. Desde o início da ofensiva por ar e por terra, há um mês, os militares turcos registraram ganhos de terreno consideráveis. Vários vilarejos da região foram conquistados. Ainda assim, o governo do Irã alertou que Ancara não deve se acostumar com progressos rápidos, mas contar com uma árdua guerra de desgaste.

Os curdos sírios podem mobilizar forças significativas, avalia Rami Abdel-Rahman, diretor do Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH). "Trata-se sobretudo de muitas centenas de civis", diz o especialista. A eles somam-se outros combatentes. Em entrevista à revista online Al-Monitor, um comandante do Exército iraniano que não quis se identificar afirmou que milícias ligadas ao Irã e fortemente armadas já estão lutando ao lado dos curdos.

Essas milícias não buscam apenas manter a integridade do território sírio. Elas também querem proteger o regime em Damasco. Há tempos que a Turquia pede a destituição de Assad. Embora a atual operação militar "Ramo de Oliveira" tenha os curdos como alvo, se ela for bem-sucedida, outro adversário de Assad passaria a ocupar território sírio.

Curdos contra curdos

A complexidade da situação se reflete no fato de que também há combatentes curdos entre os turcos. Oponentes políticos das Unidades de Proteção Popular (YPG), eles querem neutralizar o poder do Partido da União Democrática (PYD), o braço político das YPG.

A ofensiva turca não tem viés étnico, disse à Al-Monitor um dos comandantes curdos que lutam do lado turco. Segundo ele, trata-se sobretudo de ajudar as pessoas em Afrin. "Também somos cidadãos de Afrin. Participamos da 'Ramo de Oliveira' porque queremos poupar nossos compatriotas de outras injustiças. A operação é dedicada àqueles que fugiram para a Europa diante da tirania do PYD."

Os curdos cultivam há anos uma relação altamente ambivalente com o governo sírio. Damasco oprimiu os curdos, mas, às escondidas, também manteve relações com eles – incluindo o PYD. "Essas são as forças que também hoje estão por trás do acordo com o regime de Assad", afirmou Scheller. Que essas forças agora façam uma aliança aberta com Assad mostra como a situação delas é difícil.

O principal problema é que elas não podem contar com o seu principal parceiro internacional, os Estados Unidos. Isso porque os americanos também enfrentam uma situação delicada na Síria: o relacionamento com a Turquia é tenso; com a Rússia, os laços caracterizam-se pela rivalidade política e estratégica – e não só na Síria e região; a relação com o Irã piorou consideravelmente sob a gestão do presidente Donald Trump; quanto ao governo em Damasco, Washington vem se distanciando há anos de Assad; em suma, os EUA têm poucas opções na Síria, e os curdos estão percebendo isso agora.

Guerra por procuração

As grandes potências, contudo, não devem estar interessadas num acirramento do conflito. A Turquia, por exemplo, opera em estreito entendimento com a Rússia, afirma Abdel-Rahman, do Observatório Sírio de Direitos Humanos. Sem a aprovação de Moscou, Ancara dificilmente deixará o conflito se acirrar – até porque a Turquia não pode e não quer bancar tensões com os russos.

Uma coisa é clara: o conflito na Síria está se tornando uma guerra por procuração para cada vez mais atores. Uma parte do uma vez secular Exército Livre da Síria é agora composta por radicais islâmicos que lutam ao lado da Turquia contra o regime de Assad – não em prol de um Estado democrático, mas por uma ordem religiosa. Ao mesmo tempo, os curdos usam a ofensiva turca para resolver disputas internas de poder.

Ano após ano, o conflito se torna mais complexo, afirma Scheller. Atualmente, o nível regional está especialmente presente. Isso se mostra, por um lado, na luta por Afrin. Por outro lado, Israel também deixou claro, através de suas ações militares na semana passada, que está disposto a impor seus interesses de forma consistente.

"É por isso que ainda há um alto potencial de acirramento não só no norte da Síria. Em toda a Síria a situação é dramática – ainda não se pode de forma alguma falar em fim da guerra", opina Scheller.

Forças pró-Assad entram em Afrin

Milícias leais ao presidente Bashar al-Assad entraram nesta terça-feira (20/02) no enclave curdo de Afrin, no noroeste da Síria. As forças pró-governo foram enviadas à região para apoiar a milícia curda Unidades de Proteção Popular (YPG), que é alvo de uma ofensiva da Turquia. O movimento pode acirrar ainda mais o conflito na Síria.

"O governo sírio respondeu à chamada para cumprir com o dever enviando unidades militares para que se concentrem na fronteira [com a Turquia] e participem da defesa da unidade do território sírio", anunciou o porta-voz das YPG, Nuri Mahmoud.

A emissora de televisão oficial síria mostrou imagens de veículos "das forças populares", como a imprensa síria chama as milícias leais a Damasco, dentro de Afrin. A maioria dos veículos era caminhonetes com baterias antiaéreas na traseira e bandeiras sírias.

Desde 20 de janeiro, forças turcas e facções rebeldes sírias aliadas de Ancara executam uma ofensiva em Afrin, região controlada pelas YPG, que são consideradas um grupo terrorista pela Turquia.

Bombardeio e recuo

Pouco depois da entrada das milícias pró-Assad, aviões turcos bombardearam os arredores da cidade. O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que o ataque aéreo obrigou as forças pró-Assad a recuar.
 

Erdogan disse ainda que alcançou um acordo com os presidentes russo, Vladimir Putin, e iraniano, Hassan Rohani, para bloquear o deslocamento de tropas sírias a Afrin. Moscou e Ancara apoiam lados opostos no conflito sírio. O Kremlin é o principal aliado de Assad, já a Turquia defende grupos rebeldes que desejam retirá-lo do poder.

Nos últimos meses, porém, Ancara apoiou esforços liderados pela Rússia para encerrar a guerra, mesmo com a maioria das cidades mais populosas sob o controle de Assad. A Turquia alega ainda ter conversado com Moscou antes de iniciar a ofensiva em Afrin.

Após o anúncio de Erdogan, as YPG negaram o recuo, mas não deram detalhes sobre o tamanho dos comboios que entraram na cidade. O Observatório Sírio de Direitos Humanos, porém, disse que apenas um comboio entrou na cidade, e um segundo recuou diante dos bombardeios.

Em um mês, a operação militar turca chamada "Ramo de Oliveira" deixou ao menos 112 civis mortos, entre eles 23 crianças e 17 mulheres, segundo números publicados nesta terça-feira pelo Observatório Sírio de Direitos Humanos.

As forças turcas atacaram ainda estruturas vitais na região: o hospital e uma escola nos arredores, assim como a represa de Maidanki. Três sítios arqueológicos também foram bombardeados: Ain Dara, Deir Mishmish e Nabi Huri.

Segundo o Observatório, o Exército turco já controla 46 localidades nos arredores de Afrin, além de 50 quilômetros de fronteira entre esta cidade e a Turquia.

As YPG tiveram papel crucial no combate ao grupo jihadista "Estado Islâmico" (EI) na Síria. Após a ameaça do EI ter diminuído, os turcos se voltaram contra as milícias curdas, que foram apoiadas nos últimos anos pelos EUA.

 

 

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