Em 2001, o Talebã foi destituído do poder no Afeganistão após uma incursão militar liderada pelos Estados Unidos. Aos poucos, no entanto, o grupo islâmico foi recuperando força em todo o país.
Enquanto os Estados Unidos se preparam para completar a retirada de suas tropas antes do 11 de setembro, após duas décadas de guerra, o Talebã está invadindo postos militares afegãos, vilas e aldeias. O grupo está tomando até mesmo algumas grandes cidades, alimentando temores de que possam derrubar o governo.
Desde a última sexta-feira (06/08), pelo menos cinco capitais regionais afegãs foram conquistadas pelo Talebã.
A cidade de Kunduz foi sua conquista mais importante até o momento, por ser bem conectada com outras partes do país e com a capital, Cabul. Um morador da cidade descreveu a situação lá como "caos total".
O Talebã entrou em negociações diretas com os EUA em 2018 e, no ano passado, os dois lados chegaram a um acordo de paz em Doha. A retirada das tropas dos Estados Unidos e a prevenção de ataques às forças americanas foram prometidas.
As duas forças também concordaram em continuar com as negociações de paz internas e impedir que a Al-Qaeda ou outros militantes operassem em áreas que controlavam.
Mas o Talebã continuou a atacar as forças de segurança afegãs e a população civil.
Atualmente, as negociações de paz de Doha foram paralisadas. Paralelamente, muitas das pessoas que vivem nas cidades tomadas pelo Talebã perderam suas propriedades ou entes queridos.
1. Como surgiu o Talebã?
O Talebã, ou "estudantes" na língua pashto, surgiu no início da década de 1990 no norte do Paquistão, após a retirada das tropas da União Soviética do Afeganistão.
Acredita-se que o movimento predominantemente pashto tenha aparecido pela primeira vez em seminários religiosos, muitos deles financiados pela Arábia Saudita, pregando uma forma linha-dura de islamismo sunita.
As promessas feitas pelo Talebã, nas áreas pashto que ficam entre o Paquistão e o Afeganistão, eram de restaurar a paz e a segurança e impor sua própria versão austera da sharia, ou lei islâmica, quando chegasse ao poder.
Do sudoeste do Afeganistão, o Talebã rapidamente expandiu sua influência.
Em setembro de 1995, o grupo capturou a província de Herat, na fronteira com o Irã. Exatamente um ano depois, conquistou a capital afegã, Cabul, derrubando o regime do presidente Burhanuddin Rabbani, um dos fundadores dos mujahidin afegãos, grupos rebeldes que resistiram à ocupação soviética.
Em 1998, o Talebã controlava quase 90% do Afeganistão.
2. Como era a vida sob o Talebã?
Cansada dos excessos dos mujahidin e das lutas internas após a expulsão dos soviéticos, a população afegã em geral deu as boas-vindas ao Talebã quando eles apareceram pela primeira vez.
Sua popularidade inicial deveu-se em grande parte ao sucesso em reduzir a corrupção, coibir a criminalidade e trabalhar para tornar seguras as estradas e áreas sob seu controle, estimulando assim o comércio.
No entanto, o Talebã também introduziu e apoiou punições consistentes com sua interpretação estrita da lei islâmica: executar publicamente assassinos e adúlteros condenados e mutilar os condenados por roubo.
Além disso, os homens tiveram que deixar a barba crescer e as mulheres tiveram que usar burcas que cobrissem tudo.
O Talebã também proibiu a televisão, música, filmes, maquiagem e proibiu que meninas com 10 anos ou mais fossem à escola.
Alguns afegãos continuaram a fazer essas coisas em segredo, correndo o risco de punição extrema.
O Talebã foi acusado de vários abusos culturais e violações dos direitos humanos.
Um exemplo notável foi em 2001, quando o Talebã destruiu as famosas estátuas dos Budas de Bamiã, no centro do Afeganistão, apesar da condenação e indignação que isso causou em todo o mundo.
3. Qual é a sua relação com o Paquistão?
O Paquistão negou repetidamente as alegações de que ajudou a moldar o Talebã, mas há poucas dúvidas de que muitos afegãos que inicialmente aderiram ao movimento foram educados em madrassas (escolas religiosas) no Paquistão.
O Paquistão também foi um dos únicos três países, ao lado da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, a reconhecer o Talebã quando assumiu o poder.
Da mesma forma, foi a última nação a romper relações diplomáticas com o grupo.
Por um momento, o Talebã ameaçou desestabilizar o Paquistão a partir das áreas que controlava no noroeste.
Um dos ataques mais notórios e internacionalmente condenados pelo Talebã do Paquistão ocorreu em outubro de 2012, quando a estudante Malala Yousafzai (que mais tarde ganharia o Prêmio Nobel da Paz) foi baleada em seu caminho para casa, na cidade de Mingora.
No entanto, uma grande ofensiva militar dois anos depois, após o ataque à escola do exército em Peshawar que resultou na morte de 141 alunos, reduziu muito a influência do grupo no Paquistão.
Pelo menos três figuras-chave do Talebã paquistanês foram mortas em ataques de drones dos EUA em 2013, incluindo o líder do grupo, Hakimullah Mehsud.
4. Aliados da Al-Qaeda?
O Talebã se tornou um foco de atenção em todo o mundo após os ataques ao World Trade Center em Nova York em 11 de setembro de 2001.
Eles foram acusados ??de servir de santuário para os principais suspeitos dos ataques: Osama bin Laden e seu movimento Al-Qaeda.
Em 7 de outubro de 2001, uma coalizão militar liderada pelos EUA lançou ataques no Afeganistão e, na primeira semana de dezembro, o regime do Talebã já havia entrado em colapso.
O então líder do grupo, Mullah Mohammad Omar, e outras figuras importantes, incluindo Bin Laden, escaparam da captura apesar de terem sido alvos de uma das maiores perseguições do mundo.
Muitos líderes do Talebã supostamente se refugiaram na cidade paquistanesa de Quetta, de onde lideraram o grupo. Mas o Paquistão negou a existência do que foi apelidado de "Quetta Shura", um grupo de veteranos do regime do Talebã que estaria no país.
Durante as recentes negociações de paz com os EUA, o Talebã garantiu que não mais hospedaria a Al-Qaeda, uma organização que está muito diminuída.
5. Quem lidera o grupo?
Mawlawi Hibatullah Akhundzada foi nomeado Comandante Supremo do Talebã em 25 de maio de 2016, depois que Mullah Akhtar Mansour foi morto em um ataque de drones nos Estados Unidos.
Na década de 1980, ele participou da resistência islâmica contra a campanha militar soviética no Afeganistão, mas sua reputação é mais a de um líder religioso do que a de um comandante militar.
Akhundzada trabalhou como chefe dos tribunais da Sharia na década de 1990.
Acredita-se que ele esteja na casa dos 60 anos e viveu a maior parte de sua vida no Afeganistão. No entanto, de acordo com especialistas, ele mantém laços estreitos com os chamados Quetta Shura, líderes do Talebã afegão que afirmam estar baseados na cidade paquistanesa de Quetta.
Como comandante supremo do grupo, Akhundzada é responsável pelos assuntos políticos, militares e religiosos.
6. Qual é a situação atual?
Apesar das sérias preocupações das autoridades afegãs sobre a vulnerabilidade do governo sem apoio internacional contra o Talebã, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou em abril de 2021 que todas as tropas americanas deixariam o país até 11 de setembro, duas décadas após os ataques ao Estados Unidos.
Tendo sobrevivido a uma superpotência durante duas décadas de guerra, o Talebã começou a tomar vastas áreas de território, ameaçando derrubar mais uma vez um governo em Cabul.
Acredita-se agora que o grupo seja mais numeroso do que em qualquer momento desde que foi derrubado em 2001, com até 85 mil combatentes, de acordo com estimativas recentes da OTAN.
Seu controle do território é mais difícil de estimar, pois os distritos vão e vêm entre o Talebã e as forças do governo, mas estimativas recentes colocam o controle entre um terço e um quinto do país.
O progresso é mais rápido do que muitos temiam.
O general Austin Miller, comandante da missão liderada pelos Estados Unidos no Afeganistão, alertou em junho que o país poderia estar entrando em uma guerra civil caótica.
Uma avaliação da inteligência dos EUA realizada no mesmo mês concluiu que o governo afegão pode cair em até seis meses após a partida do exército americano.