Numa disputa acirrada, os colombianos rejeitaram neste domingo (02/10) o acordo de paz assinado entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A decisão surpreendente impede que as medidas negociadas para pôr fim aos 52 anos de conflito armado sejam implementadas no país.
Cerca de 13 milhões dos 34 milhões de eleitores foram às urnas para a consulta popular. Do total, 50,22% votaram contra o acordo de paz e 49,77% a favor do documento. A votação ocorreu sem violência e com grande abstenção de eleitores devido às fortes chuvas que atingiram várias regiões do país. Apenas 37% dos colombianos participaram do plebiscito.
Desta maneira, foi dada a última palavra sobre o acordo histórico que colocaria fim no conflito armado. Com a vitória do não, o governo fica impedido de pôr em prática as medidas previstas no documento. A decisão deixa em aberto o processo de paz e, na prática, poderia significar a continuidade da guerra no país.
O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, convocou uma reunião de emergência com seu gabinete e a equipe de negociadores para analisar a situação. O número um das Farc, Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como Timochenko, e lideranças da guerrilha que participaram dos diálogos de paz em Havana também estão reunidos para analisar o resultado do plebiscito.
Sim ganha em regiões atingidas
O sim ao acordo de paz ganhou nas regiões mais afetadas pelo conflito armado. No município de Bojayá, o sim recebeu 95,76%. A cidade foi palco de uma tragédia em 2 de maio de 2002. Durante combates entre as Farc e o Exército, uma bomba atingiu a igreja onde os moradores buscaram refúgio. Cerca de 100 pessoas morreram na ocasião.
Em Toribio, outro município diretamente afetado pela guerra civil, o sim obteve 84, 80% dos votos, contra 15,19% do não. Em Turbo, cuja zona rural foi palco de massacres, o acordo foi apoiado por 56% dos eleitores.
Na região de Catatumbo, uma das mais atingidas pelo conflito, o sim ganhou em todos os seus municípios.
Derrota histórica
O acordo de paz foi celebrado por líderes do mundo inteiro. Para o presidente colombiano, o plebiscito era o mais importante da história recente do país.
Alcançado em agosto em Havana, após quatro anos de negociações, o acordo foi assinado pelo governo e pelas Farc na segunda-feira. A cerimônia reuniu líderes mundiais como o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon; o secretário de Estado americano, John Kerry; além dos presidentes de Cuba, Raúl Castro, do Equador, Rafael Correa, e do Panamá, Juan Carlos Varela; e do rei Juan Carlos da Espanha.
O acordo contemplava o abandono das armas pela guerrilha e sua transformação em movimento político. A nova agremiação deveria ocupar dez assentos no Congresso, segundo previa o pacto de paz.
Além de garantias para a participação dos guerrilheiros desmobilizados na política, o acordo de paz incluía questões complexas, como o acesso à terra para os agricultores pobres; luta contra o tráfico de drogas; justiça e reparação às vítimas.
Em mais de 50 anos, o conflito na Colômbia, o mais longo da América, provocou a morte de 220 mil pessoas e deixou mais de 6 milhões de deslocados internos.
Santos tenta salvar acordo com as Farc
Após a vitória do "não" no plebiscito sobre o acordo de paz, o governo colombiano iniciou nesta segunda-feira (04/10) os esforços para tentar salvar o tratado que visa pôr fim a mais de 50 anos de hostilidades com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
A vitória apertada do "não" (50,22% dos votos) deixou a Colômbia em terreno incerto. Os mercados financeiros reagiram negativamente, uma vez que contavam com a aprovação do acordo e com o capital político do presidente Juan Manuel Santos para atrair investidores e tentar frear a desaceleração da economia.
Entretanto, muitos dos eleitores, principalmente na região central do país, consideraram o acordo leniente demais para com os guerrilheiros, oferecendo-lhes o que muitos consideram como impunidade.
Santos e o líder das Farc, Rodrigo Londoño, conhecido como "Timochenco", anunciaram que continuarão com os esforços para tentar impedir o reinício dos confrontos. Ambos confirmaram que o cessar-fogo bilateral será mantido.
Apesar de o presidente não ter a obrigação de levar o acordo para aprovação através da consulta popular, ele assim o fez para que tivesse maior legitimidade. Santos, que chegou a afirmar que não tinha um "plano B" em caso de vitória do "não", terá que buscar novas opções num país que se mostrou amplamente dividido sobre a questão.
Ele indicou o chefe de sua equipe de negociações Humberto de La Calle, a chanceler María Ángela Holguín, e o ministro da Defesa Luis Carlos Villegas como representantes do governo para dialogar com a oposição, liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe.
"Com a boa vontade de ambas as partes, estou seguro que poderemos chegar rapidamente a soluções satisfatórias a todos, de forma que o país sairá ganhando e o processo terminará fortalecido", afirmou Santos, que pediu urgência para que o acordo não ameaçado.
O partido de Uribe, o Centro Democrático, anunciou sua disposição para negociar e "corrigir" o que considera erros do acordo de paz. "Temos a vontade de negociar, mas existiria a disposição do governo e do presidente da República de escutar para introduzir algumas mudanças?", questionou o líder oposicionista.
As Farc, em comunicado, afirmam que o cessar-fogo bilateral será mantido. O líder Timochenco disse que o grupo guerrilheiro "mantém sua vontade de paz", e quer seguir usando "somente a palavra como arma de construção para o futuro".
O partido de Uribe pede a prisão dos rebeldes que cometeram crimes e defende que os líderes guerrilheiros não possam concorrer a cargos públicos.