Enquanto mantém internamente um estado de vigilância que controla seus cidadãos e reprime qualquer crítica, a China cada vez mais está agindo para estender essa repressão ao restante do mundo. É o que afirma o novo relatório global da organização internacional Human Rights Watch (HRW), divulgado nesta terça-feira (14).
Segundo a organização, o país asiático usa seu poder econômico para silenciar críticos e intimidar outros governos, empresas e instituições acadêmicas internacionais a não condenarem suas violações de direitos no país. O relatório classifica as ações da China como "o maior ataque já vivido pelo sistema internacional de proteção aos direitos humanos desde que ele começou a emergir, em meados do século 20".
Para fazer frente a essa ameaça, Keneth Roth, diretor executivo da HRW, pede que os governos se unam para reagir juntos aos ataques de Pequim.
"Décadas de progressos que permitiram que as pessoas ao redor do mundo tenham liberdade de expressão, vivam sem medo de serem presas e torturadas arbitrariamente e sejam protegidas por outros direitos estão em risco", afirma o texto. "Se não for desafiada, a China pode criar um futuro distópico no qual ninguém estará fora do alcance dos censores chineses", continua.
Segundo o texto, a China encontra um terreno fértil em um cenário em que alguns países que antes defendiam os direitos humanos internacionalmente agora "abandonaram a causa". Como exemplos, cita Donald Trump nos EUA, Jair Bolsonaro no Brasil e Narendra Modi na Índia, classificados como governos "populistas autocráticos" que atacam o sistema de freios e contrapesos da democracia de seus países, como jornalistas independentes, juízes e ativistas.
O relatório afirma que Pequim constrói, metodicamente, uma rede de governos apoiadores que dependem de sua ajuda e de seus negócios. Aqueles que cruzam a linha enfrentam retaliações, como as ameaças feitas à Suécia após um grupo independente do país dar um prêmio para um editor sueco baseado em Hong Kong preso pelo governo chinês.
A HRW diz ainda que a pressão exercida pelo Partido Comunista chinês sobre governos e companhias internacionais se potencializa porque envolve todas as empresas do país: ou seja, o boicote que eles sofrerão virá de todos os empresários chineses, que não têm escolha a não ser acatar a ordem central, pois não conseguem fazer frente ao poder desse sistema.
Como exemplo, é citado o episódio ocorrido no último mês de outubro em que um dirigente do time de basquete americano Houston Rockets apoiou publicamente os manifestantes pró-democracia de Hong Kong. Como punição, a Associação Nacional de Basquete americana perdeu parcerias com todas as 11 empresas chinesas que a patrocinavam, de um site de viagens a uma cadeia de fast-food.
Outro episódio mencionado foi um reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU ocorrida em julho, quando 25 governos se encontraram para expressar, pela primeira vez, preocupação com a repressão chinesa a minorias muçulmanas na região de Xinjiang. "Notavelmente, temendo a reação do governo chinês, nenhum deles quis ler a declaração em voz alta no Conselho, como é de costume. Em vez disso, buscando segurança nos números, o grupo simplesmente submeteu a declaração conjunta por escrito."
Ainda sobre a atuação da China na ONU, o relatório diz que o país usa sua influência e seu direito a veto no Conselho de Segurança para bloquear medidas de proteção a pessoas perseguidas ao redor do mundo -como nos casos dos ataques aéreos russos contra civis sírios, da ofensiva de Mianmar contra os muçulmanos Rohingya e da deterioração das condições de vida dos venezuelanos no governo de Nicolás Maduro.
Segundo o relatório, o governo chinês enfrenta poucas consequências de seus atos. "A União Europeia, ocupada com o brexit, obstruída por estados membros nacionalistas e dividida em relação à questão migratória encontra dificuldade em adotar uma voz comum sobre o tema", diz o texto, acrescentando que Trump se aproximou de Xi Jinping, apesar de o governo americano ter imposto sanções para violações de direitos humanos em alguns casos.