FABIANO MAISONNAVE
DE PEQUIM
O fim de 2002, quando Hu Jintao se preparava para assumir o comando da China, o país asiático figurava apenas como o quinto parceiro comercial do Brasil, com um intercâmbio de US$ 4,1 bilhões.
O fluxo já crescia na época, mas ninguém imaginava que, passada uma década, todo o comércio bilateral daquele ano seria apenas dois terços da atual média mensal, de US$ 6,3 bilhões.
O aumento das relações não se deu só no comércio: a partir de 2010, a China, de uma base próxima do zero, tornou-se o maior investidor no Brasil, principalmente por meio do setor petroleiro.
No campo político, os dois países vêm se aproximando cada vez mais por meio do bloco dos BRICS, que reúne outros três países "emergentes", a Índia, a Rússia e a África do Sul.
O Brasil vem registrando repetidos superavit com a China -US$ 11,5 bilhões no ano passado, ou 38% do total. Desde 2009 o país asiático é o principal destino das exportações brasileiras.
Mas não faltam reclamações. O governo Dilma Rousseff critica a excessiva concentração em commodities -quase 70% do que foi vendido ao seu principal parceiro comercial se resume a soja e minério de ferro.
COMPETIÇÃO DESLEAL
Setores da indústria também veem competição desleal dos produtos importados da China, principal alvo das medidas antidumping, com 33 das 88 em vigor atualmente. O país asiático tem sido apontado como o principal culpado pela perda de espaço de setores industriais tanto dentro do país como em terceiros mercados.
Mas não haverá mudanças radicais à vista, afirma Zhou Zhiwei, do Instituto da América Latina da Academia Chinesa de Ciências Sociais.
Ele projeta que as relações bilaterais continuem no norte atual: uma boa coordenação governamental dentro da estratégia Sul-Sul, com o fortalecimento dos BRICS e de alianças em fóruns internacionais, como o G20; e manutenção da estrutura do intercâmbio comercial.
"A expectativa de menor crescimento da economia chinesa afetará o comércio com o Brasil, mas não será algo significativo devido à grande demanda por matéria-prima", diz Zhou, atualmente professor visitante na Universidade Federal Fluminense.
Por outro lado, afirma, o aumento da venda de produtos industrializados brasileiros não está assegurado e dependerá dos esforços do governo para melhorar a competitividade.
Principal empresa exportadora do Brasil para a China, a mineradora Vale tem avaliação semelhante com relação ao apetite por minério de ferro.
"Temos muita confiança no potencial de crescimento da economia chinesa, pois eles têm uma alta taxa de poupança, que se aproxima de 60% do PIB [Produto Interno Bruto], endividamento externo praticamente inexistente e um volume de reservas internacionais expressivo [acima de US$ 3 trilhões]", diz José Carlos Martins, diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale, sobre o principal mercado da empresa.
No segundo trimestre, a China foi o destino de 32% do total de vendas da Vale, à frente do Brasil, com 21%.
"A China deverá continuar crescendo no mínimo o dobro da média mundial e deverá assumir a posição de maior economia do mundo durante a próxima década", afirma o executivo.
COOPERAÇÃO FALHA
Zhou é cético com relação à implementação de acordos recentes de colaboração em várias áreas, principalmente o Plano Decenal de Cooperação Brasil-China 2012-2021.
Assinado em junho durante a visita do premiê Wen Jiabao ao Brasil, o plano prevê projetos em áreas tão diferentes como infraestrutura, educação e setor financeiro.
"Ainda falta eficiência para a COSBAN (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Coordenação e Cooperação), mecanismo crucial que poderia garantir o desenvolvimento das relações governamentais entre os dois países", afirma Zhou.
Criada em 2004 para ser o principal fórum de colaboração bilateral, a Cosban tem sofrido com os constantes atrasos das reuniões de cúpula, feitas entre o vice-presidente brasileiro e o vice-premiê chinês.
Foram apenas dois encontros em oito anos. O mais recente, realizado em Brasília, foi marcado pelo apelo do vice-presidente Michel Temer para que a China "voluntariamente" limitasse suas exportações ao Brasil, medida descartada por Pequim.