Christopher Rey
Os oito anos de contribuição do Chile à Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) proporcionaram a rara oportunidade de mostrar o profissionalismo e a liderança de suas tropas em território estrangeiro, disseram oficiais militares chilenos em sua apresentação num seminário ocorrido em 31 de outubro, em Santiago.
O evento “O Papel do Chile na MINUSTAH: Experiências e Perspectivas das Operações de Paz”, ocorreu no Ministério da Defesa e foi organizado pela Academia Nacional de Estudos Políticos e Estratégicos do órgão.
A MINUSTAH surgiu da Resolução 1582 do Conselho de Segurança da ONU, que foi ratificada em abril de 2004 logo após a renúncia do então presidente do Haiti, Jean-Bertrand Aristide. A resolução citou preocupações com “a violação dos direitos humanos, especialmente contra civis” como a principal causa da intervenção no Haiti.
Alfredo García, diretor de Segurança Internacional e Humana do Ministério das Relações Exteriores do Chile, ressalta que o papel de seu país na
MINUSTAH dá sequência a 65 anos de participação na manutenção da paz mundial e na observação de missões, embora essa seja marcada especificamente pelo fato de ser a primeira campanha das Nações Unidas a ser conduzida e a abranger quase exclusivamente forças da América Latina.
Tanto o Chile, quanto o Brasil desempenham papel de liderança na MINUSTAH, contando com a contribuição de Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador e Guatemala, entre outros.
García, que também é o embaixador do Chile na Jamaica, declarou que a missão ajudou o Chile a promover seu papel dentro das Nações Unidas, ao mesmo tempo em que criou oportunidades de cooperação com outras forças da América Latina. Por exemplo, as forças de paz do Chile e do Equador recentemente associaram-se para ajudar a limpar detritos e a reconstruir infraestrutura após o terremoto de magnitude 7.0 que destruiu Porto Príncipe, em janeiro de 2010.
MINUSTAH muda a missão
O coronel Valentín Segura, diretor do Centro Conjunto para Operaciones de Paz de Chile (CECOPAC), em Santiago, diz que a MINUSTAH proporcionou um ambiente crucial para as forças do Exército, Marinha e Polícia do Chile adquirirem uma experiência valiosa. Cerca de 500 tropas de paz atualmente servem sob a bandeira da MINUSTAH.
“Foi uma maneira de alcançar um grau de profissionalismo que seria difícil de se obter aqui no Chile”, afirma Segura.
Além disso, prossegue, o fato de a MINUSTAH ter sido chefiada e administrada predominantemente por tropas latino-americanas ajudou a conquistar a aceitação local – o que permite que a força de paz seja vista como uma presença positiva, ao invés de uma tropa invasora ou ocupadora.
A polícia militar do país, Carabineros de Chile, também desempenhou um papel fundamental na preparação da polícia haitiana que deve assumir a manutenção da segurança local. Como tal, concentrou-se principalmente no treinamento profissional e seleção de novos recrutas.
Mariano Fernández, representante especial para o Haiti e atual chefe da MINUSTAH, informou que a missão está passando por uma transição gradual, deixando seu tradicional papel militar de fornecer segurança e apoio à polícia para concentrar-se em uma ação mais política dedicada à construção das instituições democráticas do Haiti.
Terremoto de 2010 mudou tudo
No momento, a MINUSTAH opera no Haiti com um orçamento de US$ 648,4 milhões (R$ 1,3 bilhão) anuais. A missão atualmente possui dez aeronaves incluindo nove helicópteros a seu dispor, e conta com os serviços de 7.340 tropas e 1.351 policiais, 1.790 unidades formadas de polícia, 2.274 civis e 100 funcionários governamentais.
Dezenove países contribuem para as tropas de paz, enquanto 46 países mantêm policiais no Haiti sob a bandeira da MINUSTAH.
A ex-servidora da MINUSTAH Natalia Contreras, hoje conselheira do Chile na ONU, explicou que a operação no Haiti passou por diversas fases distintas. A primeira, que durou de 2004 a 2006, concentrou-se em devolver a segurança ao Haiti e em reduzir o nível de violência.
De acordo com Natalia, isso levou a um processo de avaliação dos serviços públicos e forças policiais dentro do Haiti, com a remoção de criminosos. O terremoto de janeiro de 2010 levou essa segunda fase a uma súbita parada, mudando a estrutura da presença da MINUSTAH, assim como o avanço de sua missão.
Entre outras coisas, o terremoto matou o chefe da missão, Hédi Annabi, juntamente com mais 101 membros da força de paz. O general chileno Ricardo Torres perdeu a esposa na catástrofe. Estima-se que 220.000 pessoas morreram na tragédia e cerca de 1,5 milhão ficaram desabrigadas.
“Foi um revés tão grande que o Conselho de Segurança viu-se na obrigação de enviar mais tropas”, ressalta Natalia.
Além das perdas civis, as instituições governamentais do Haiti foram severamente afetadas. Fernández conta que cerca de um terço de todos os funcionários públicos morreu no terremoto, criando uma enorme lacuna em termos de capacidade operacional e experiência de trabalho.
Sandy: a mais recente catástrofe
No final de outubro, a MINUSTAH mais uma vez mobilizou 12.855 tropas, policiais e colaboradores civis – desta vez com o surgimento do Furacão Sandy, que despejou mais de 50 cm de chuva no país caribenho em um período de 24 horas.
Os ventos ferozes e a consequente inundação provocados por Sandy mataram 54 haitianos, deixaram dezenas de milhares de desabrigados e destruíram aproximadamente 70% das plantações no sul do Haiti, incluindo bananas-da-terra, bananas e milho, deixando cerca de 1,2 milhão de pessoas em situação de risco.
O senador chileno Juan Antonio Coloma declarou que a participação contínua do país na MINUSTAH depende inteiramente do que irá ocorrer com a missão transformando-se de ação de resolução de conflitos para uma ação de construção da nação, com foco no desenvolvimento econômico e institucional.
“Nós temos um debate bastante complexo aqui, relacionado à mudança de circunstâncias e motivos do por que estamos lá”, disse Coloma, acrescentando que as limitações constitucionais do Chile devem ser consideradas se o país continuar a enviar tropas para futuras missões de paz em regiões fora da América Latina, tais como a África e o Oriente Médio.