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Capriles: ‘O governo criou uma panela de pressão’

BUENOS AIRES — Com o diálogo entre governo e oposição suspenso pela decisão da Mesa de Unidade Democrática (MUD) de não retornar às conversas até que o Palácio de Miraflores cumpra suas promessas, a crise política venezuelana entrou numa nova fase de extrema tensão.

As principais lideranças opositoras acusam o presidente Nicolás Maduro de ter boicotado todas as saídas democráticas e se preparam para liderar uma resistência nas ruas. Esse é o principal plano da MUD a partir de agora, segundo confirmou ao GLOBO o governador do estado de Miranda e ex-candidato presidencial Henrique Capriles, um dos políticos com melhor imagem no país.

Segundo ele, a situação é tão grave que “estão dadas as condições para que ocorra um levante militar, como o que o próprio Chávez liderou em 1992, quando o país não estava tão mal como hoje”. Capriles deixou claro que tal desfecho é justamente o que a oposição quer evitar.

A MUD se retirou da mesa de diálogo, mas o presidente Maduro disse que o governo vai permanecer…

Nós não nos retiramos, mas não vamos participar de um diálogo até que vejamos algum resultado concreto. O diálogo não pode servir apenas para que as pessoas pensem que existe respeito aos direitos constitucionais na Venezuela. O governo usa o diálogo para dar a sensação de que aqui existe institucionalidade, respeito à oposição. O diálogo terminou sendo uma armadilha.

Muitas pessoas questionaram a MUD por ter aceitado o diálogo com mediação do Vaticano…

Sim, é verdade. Mas como podíamos dizer não ao Papa, quando nós pedimos ao Vaticano que ajudasse para que houvesse um processo de negociação que terminasse numa eleição? Toda a comunidade internacional pedia que a oposição e o governo dialogassem, como podíamos explicar ao Papa e ao mundo que nós não iríamos? Era impossível. Somos democratas e vamos continuar apelando a mecanismos constitucionais.

Mas este governo já demonstrou que não está disposto a ceder. Antes Chávez dizia que a revolução fazia eleições, que o povo decidia. Isso acabou. Nos roubaram o referendo revocatório, suspenderam o processo sem argumentos e nunca mais falaram nada sobre o assunto. Agora, reconheço que por parte da oposição as coisas não foram bem comunicadas, foi um desastre.

Muita gente zangou-se com a MUD…

Sim, e elas têm razão. Ficaram muitas dúvidas e o governo usou a comunicação oficial para gerar desconfiança em relação à oposição.

Como o senhor avalia o papel do Vaticano?

O Vaticano exigiu o que está na Constituição. O Vaticano viu como o governo nos roubou o referendo, como não cumpriu com a liberação de presos políticos, como não cumpriu seus acordos em relação à renovação do poder eleitoral. Tudo isso ficou claro na carta enviada pelo mediador da Santa Sé.

Se não deu certo com a ajuda do Papa, o que resta para a Venezuela?

O que resta é brigar para ter eleições em 2017. Temos de resgatar nosso direito de votar. A democracia não é só voto, mas sem voto não existe democracia. A única possibilidade de resolver esta crise política é através de uma consulta popular. Vejo uma possibilidade baixíssima de um acordo com o governo.

Maduro já passou para outra etapa, uma fase mais autoritária e ditatorial. Já não lhes importa estar isolados do mundo, perder aliados, o que eles querem é permanecer no poder. A aposta de Maduro é que o preço do petróleo volte a subir e com isso financiar seu governo e perpetuar-se. Ele ainda tem o respaldo da cúpula militar, mas o problema é que a situação do país é dramática, nunca tivemos um Natal tão triste, apagado e desolador.

Qual é a agenda da oposição a partir de agora?

A pressão social, não vejo outra alternativa. Estamos vivendo a pior crise de nossa História, a rejeição ao governo é enorme. A MUD deve conduzir esse processo, toda essa insatisfação deve ser canalizada para que exista um clamor por eleições. Isso é trabalho e a oposição deve entender que temos de fazer esse trabalho, percorrer o país.

A política não poder ser (feita) apenas ar condicionado, devemos organizar o povo e demonstrar liderança. Nosso ânimo está no chão, os venezuelanos são alegres, enérgicos, mas hoje o país está desanimado e é justamente o que o governo quer, nos derrotar moralmente.

Circularam rumores sobre a possibilidade de renúncia de Maduro em 2017, para que assuma seu vice, Aristóbulo Istúriz…

Não acredito muito nesses rumores. Maduro se considera uma espécie de Salvador Allende venezuelano, um revolucionário. Ele se mostra como um duro e um duro não renuncia.

Também fala-se sobre o risco de que o governo dissolva a Assembleia Nacional (AN).

O governo já anulou a AN, não a reconhece. Vamos ver se vai além disso e a dissolve, é possível, mas não sei como fariam isso.

As ações da comunidade internacional parecem não ter efeito dentro da Venezuela, nem mesmo a suspensão do país no Mercosul.

Não, não, isso foi muito importante para nós. E acho que em 2017 temos de retomar nossa estratégia internacional, na Organização de Estados Americanos (OEA) e nas Nações Unidas. O passo dado pelo Mercosul foi crucial.

O senhor não teme que novas marchas levem a uma nova escalada de repressão?

Acho que hoje o cenário é bem diferente ao de 2014 (quando morreram mais de 40 pessoas). A classe média está empobrecida e os setores mais humildes estão passando fome, não é brincadeira. Aqui o único que engorda é Maduro. Estamos vivendo uma situação tão crítica que estão dadas as condições para que ocorra um levante militar, como o que o próprio Chávez liderou em 1992, quando o país não estava tão mal como hoje. Isso é justamente o que queremos evitar, porque somos democratas, uma tentativa de golpe seria um retrocesso.

Algumas pessoas estão tão desesperadas que querem uma saída militar. Mas é o que nós queremos evitar. Por isso pressionaremos pela solução eleitoral. O governo criou uma panela de pressão ao fechar todas as saídas eleitorais e essa panela poderia explodir. E como explodiria? Com um ruptura dentro das Forças Armadas, é evidente. As eleições são nossa única saída.


 

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