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Caos no Iêmen afeta segurança no Oriente Médio e também na Europa

O triunfo da milícia xiita-zaidita Houthi em Sanaa era previsível. Há meses ela controlava grande parte da capital do Iêmen. Após o constante avanço sobre o distrito governamental e violentos confrontos com forças governamentais nesta terça-feira (20/01), os rebeldes invadiram o palácio presidencial.

Também foram relatados ataques à residência do presidente Abed Rabbuh Mansur al-Hadi em Sanaa. Segundo a agência de notícias AP, ele estaria "cativo" dos houthis, não podendo deixar sua residência. Pouco antes da tomada da sede do governo, ele vinha advertindo sobre o perigo de um colapso do Estado iemenita.

Sua previsão parece prestes a se concretizar. A ofensiva zaidita não permanecerá sem resposta e, se as tropas governamentais não conseguirem retomar o palácio presidencial, o país estará diante de um período de graves tumultos.

Questão religiosa é secundária

Apenas poucos meses atrás, a situação era completamente diferente no país árabe. O governo central, de predominância sunita, e a milícia xiita Houthi pareciam ter chegado a um acordo. Em setembro de 2014, os dois lados assinaram um pacto, que estabelecia as bases de um "governo de unidade nacional".

Ambos igualmente concordaram quanto ao novo primeiro-ministro, o diplomata Khaled Bahah. Além disso, o presidente Hadi nomearia dois conselheiros: um do norte do Iêmen, dominado pelos xiitas, e um do sul, basicamente sunita. O novo governo teria tantos ministros de origem houthi quanto de seu principal adversário, o partido sunita Al-Islah, que dá o tom em Sanaa.

Contudo, mal o pacto estava firmado e as velhas diferenças voltaram à tona. Ambos os signatários se sentiram prejudicados no acordo, e cada vez menos vinculados a ele. Por fim, reiniciaram-se os combates armados, que já pareciam encerrados.

As lutas se originam de antigos conflitos de poder e participação política. Muitas famílias xiitas do norte vivem nas mesmas condições de pobreza que suas compatriotas sunitas do sul. Ambas sofrem por a maior parte da receita nacional ir para a capital Sanaa, restando relativamente pouco para as províncias mais afastadas.

Nesse sentido, o porta-voz dos houthis, Mohammed al-Bukhaiti, já explicara há algum tempo, em entrevista à emissora Al Jazeera, não se tratar de um conflito religioso. "Nunca decidimos com quem compactuar baseados em critérios confessionais", afirmara. "Decerto estamos conscientes de quem somos. Mas a fé representa um papel, na melhor das hipóteses, secundário."

Sauditas ameaçados no norte e no sul

O caos iemenita também põe em risco a estabilidade na Arábia Saudita. Meses atrás, o reino reforçou a segurança nas fronteiras com o Iêmen, onde se vê ameaçado por dois grupos. De um lado estão os houthis, que têm relações familiares com os xiitas sauditas. Do outro, as milícias da organização terrorista Al Qaeda na Península Árabe (AQPA), uma das formações mais fortes e modernas da rede jihadista.

Se o Houthi mantiver a vantagem em Sanaa, essa poderá ser mais uma razão para a Arábia Saudita melhorar as relações com seu principal concorrente regional, o Irã. Nos últimos meses, Teerã tem se afirmado como uma das forças mais atuantes no combate à organização terrorista sunita "Estado Islâmico" (EI).

Da mesma forma, os Estados Unidos se mostram interessados em melhorar suas relações com os iranianos, para desagrado do governo em Riad, já que há décadas os sauditas contam entre os principais parceiros de Washington na região.

Agora, a Arábia Saudita precisa proteger suas fronteiras tanto ao sul quanto ao norte. Aí ela está sob ameaça direta do EI, cujos milicianos mataram dois guardas de fronteira sauditas há poucos dias. A pressão crescente poderá forçar Riad a repensar suas relações exteriores, assim como seu posicionamento ambivalente a respeito do fundamentalismo religioso.

Perigo também para a Europa

No próprio Iêmen, sobretudo a AQPA tem a lucrar com o avanço da milícia xiita-zaidita Houthi. O governo fraqueja e, com ele, o Estado: isso favorece a organização terrorista na ampliação de seu campo de influência e no recrutamento de pessoal – representando um perigo não só para o Oriente Médio, mas também para a Europa.

A AQPA é uma notória base de recrutamento de jihadistas europeus, que são treinados no Iêmen antes de serem enviados de volta a seus países, com a missão de executar atentados terroristas.

O cartunista Stéphane Charbonnier, morto no ataque ao tabloide humorístico Charlie Hebdo em 7 de janeiro de 2015, era um dos nomes na lista de morte da AQPA. Uma confirmação de que, caso não se consiga pacificar a situação no Iêmen, os efeitos também se farão sentir no continente europeu.

Iêmen: terrorismo tipo exportação

O terrorismo no Iêmen ganhou atenção internacional quando Chérif Kouachi, um dos autores do ataque ao semanário satírico Charlie Hebdo, em Paris, declarou ter ligação com a Al Qaeda na Península Arábica (Aqap). Tanto o governo americano quanto o francês confirmaram que Kouachi foi treinado no Iêmen.

Ainda não está claro se Kouachi estava em contato com a organização no momento dos ataques. Sabe-se, porém, que o nome de Stéphane Charbonnier, cartunista assassinado em Paris, aparecia em uma lista de acusados de crimes contra o Islã, publicada em março de 2013 pela revista jihadista online Inspire, supostamente editada pela Aqap.

Ao que tudo indica, a revista, graficamente bem feita – e que publica inclusive instruções para a construção de bombas –, foi criada pelo pregador radical Anwar al-Awlaki, de raízes iemenitas, nascido no estado americano do Novo México. Ele tinha como tarefa recrutar jovens muçulmanos para a Al Qaeda. Para isso mantinha um blog e participava ativamente de redes sociais, além de postar vídeos na internet.

Em 2004, Awlaki se mudou com sua família para o Iêmen. Em março de 2010, declarou uma "guerra santa" contra os Estados Unidos. Em setembro de 2011, ele foi morto por um míssil disparado de um drone americano.

Fusão deu origem a Aqap

A organização terrorista Aqap surgiu em 2009, com a fusão de braços da Al Qaeda na Arábia Saudita e no Iêmen. O grupo é considerado extremamente agressivo. Ele está por trás, por exemplo, do atentado a bomba ao destroyer americano USS Cole em 2000, enquanto o navio reabastecia no porto de Áden, no Iêmen. Em 2008, a Aqap atacou a embaixada americana em Sana, onde 16 pessoas morreram.

O Iêmen é um dos países mais pobres do mundo árabe e sofre com a escassez de água. Cerca de 40% dos 23 milhões de habitantes sofrem de desnutrição. A corrupção também toma conta do país. A divisão entre norte e sul ainda não foi superada, apesar da reunificação em 1990.

O governo do Iêmen tenta com o auxílio dos Estados Unidos combater a Al Qaeda. Entre 2002 e 2014, a ONG Bureau of Investigative Journalism registrou 80 ataques realizados com drones, nos quais 541 pessoas morreram, entre elas 83 civis, sendo sete crianças.

O impacto dos ataques com drones não foi o esperado. Muitos críticos duvidam da eficácia dessa tática, pois a morte de civis pode levar a Aqap a atrair mais seguidores.

Nova estratégia

A tática do grupo terrorista mudou há algum tempo. Em vez de realizar grandes atentados, a organização prioriza ataques de pequenas proporções. A revista Inspire encoraja atentados contra alvos ocidentais, principalmente nos Estados Unidos, mas também no Reino Unido e na França.

O atentado na França é também uma forma de propaganda para a Al Qaeda, que enfrenta uma competição cada vez maior com o grupo terrorista "Estado Islâmico" (EI).

 

 

 

 

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