Felipe Frazão
O Estado de São Paulo
O alinhamento internacional do Brasil aos EUA, marcado pela aproximação entre Jair Bolsonaro e Donald Trump, lançou dúvidas sobre o empenho do governo brasileiro no aprofundamento da relação com o Brics, no momento em que o bloco completa uma década de vida formal e prepara sua 11.ª cúpula, nos dias 13 e 14 de novembro, em Brasília.
O acrônimo ainda tem peso para China e Rússia, potências que rivalizam com os EUA. Enquanto Pequim usa o Brics como tribuna na guerra comercial com os americanos, a Rússia, próxima a presidir o grupo, busca mais unidade política no bloco, algo improvável sob o governo Bolsonaro.
A crise na Venezuela divide o Brics. Enquanto Rússia, China, Índia e África do Sul reconhecem a legitimidade do regime de Nicolás Maduro, o Brasil segue os EUA no apoio a Juan Guaidó, opositor que tenta remover o chavista. O Brasil apelou aos aliados, mas não conseguiu inserir nas declarações mais recentes de reuniões do Brics nada contra Maduro. Após um levante de Guaidó fracassar, Maduro reforçou acordos com os russos e fez uma visita a Moscou.
Segundo informações de bastidores, o governo brasileiro desistiu de promover o “Brics Outreach”, encontro ampliado dos chefes de Estado com países vizinhos. O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Oliver Stuenkel, especialista em relações internacionais, diz que por trás do imbróglio estaria uma questão político-ideológica sobre Caracas: a insistência em convidar, em vez de Maduro, o opositor Guaidó. O Estado procurou o Itamaraty para falar sobre os convidados, mas não obteve resposta.
“É uma perda de oportunidade, o Brasil poderia demonstrar liderança regional, convocar todos os presidentes para ficar cara a cara com Xi Jinping na sua cidade. Todos querem conhecê-lo. Seria um feito gigante do ponto de vista diplomático e mostraria que o Brasil é o centro da América Latina e pode pautar os temas locais”, diz Stuenkel. “Faltou jogo de cintura e pegou mal.”
Parlamentares que dialogam com embaixadores do Brics e fontes ligadas a diplomatas dizem que, nos bastidores, há ceticismo em relação ao empenho
brasileiro no bloco e já foram questionados até sobre uma eventual saída, algo rechaçado por diplomatas brasileiros e considerado improvável por estudiosos, por ser um gesto de hostilidade ao maior parceiro comercial do País – a China – e pela perda de acesso ao capital do Novo Banco de Desenvolvimento
(NDB, na sigla em inglês), conhecido como banco do Brics.
Os diplomatas brasileiros têm se desdobrado para manter o pragmatismo e demonstrar que a cooperação no bloco não deixou de ser prioridade. O mote proposto pelo governo destoa de intenções políticas. De forma pragmática, o Brasil propôs cooperações
em ciência, tecnologia e inovação, economia digital, combate à lavagem de dinheiro e narcotráfico, além de aproximar o NDB do empresariado.
Apesar disso, há alguns sinais que preocupam as autoridades. O governo não promoveu campanhas de comunicação sobre o Brics, ao contrário de governos anteriores, que usaram o evento para demonstrar prestígio internacional.
A um mês de receber os chefes de Estado da Rússia, Vladimir Putin; da China, Xi Jinping; da Índia, Narendra Modi; e da África do Sul, Cyril Ramaphosa, Jair Bolsonaro prepara um encontro que corre o risco de ter uma pauta esvaziada em temas políticos e acordos práticos.
Embora as negociações possam evoluir, há previsão de assinatura de apenas um memorando de entendimento técnico, no âmbito da Agência Brasileira de Promoção de Investimentos e Exportações (Apex-Brasil). Numa agenda de impacto turístico, o governo já anunciou que estuda isenção de visto para chineses e indianos – o que já não é exigido de russos e sul-africanos.
Atrasos. Mas houve percalços até mesmo na principal aposta: a abertura do Escritório Regional das Américas do NDB. Embora tenha apoio da oposição, Bolsonaro demorou sete meses para encaminhá-la à Câmara. O acordo ficou três meses parado na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, sem que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, que chefia a comissão, tivesse tomado conhecimento do texto.
Aprovado na semana passada, o acordo ainda precisa passar por duas comissões (Finanças e Tributação; Constituição e Justiça e de Cidadania) antes de ser votado em plenário para posterior deliberação do Senado. Até a cúpula, o escritório corre o risco de não ter ainda funcionamento pleno.
No círculo de aliados do presidente, há quem questione a prioridade do banco, mas prevaleceu, por enquanto, a defesa feita pelo Ministério da Economia. “A gente vai encerrar o ano, o Brasil está presidindo o grupo e ainda não temos o escritório. Sem admitir que foi pressionado, o governo pelo menos mandou o texto do acordo”, disse a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), presidente da frente Parlamentar do BRICS.
Bloco nasce da crise de 2008
O grupo nasceu como BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China – a África do Sul foi colocada para dentro anos mais tarde) na esteira da grave crise financeira de 2008. Na primeira cúpula, em junho de 2009, na Rússia, o bloco reivindicava voz ativa nas instituições financeiras internacionais. Na época, sua força estava na desconfiança dos investidores americanos e europeus e refletia a esperança global depositada nos países emergentes.
A expressão, cunhada pelo economista britânico Jim O’Neill, no entanto, nunca passou de um frágil conceito político, uma vez que as cinco economias sempre foram, muitas vezes, mais concorrentes do que complementares.
Uma década depois do seu nascimento oficial, o BRICS apresenta alguns avanços, como a criação de um banco de desenvolvimento, com sede em Xangai, com capital inicial de US$ 100 bilhões e fundo de reserva de outros US$ 100 bilhões. No entanto, o bloco acabou esvaziado pela crise chinesa e pelo fim do superciclo das commodities.