Após vencer as eleições presidenciais na Argentina, Mauricio Macri afirmou que vai solicitar que o Mercosul aplique, em sua próxima reunião de cúpula, em 21 de dezembro, em Assunção, a chamada "cláusula democrática" contra a Venezuela. Ele afirma que o governo do presidente Nicolás Maduro persegue opositores e desrespeita a liberdade de expressão.
Numa entrevista nesta terça-feira (24/11) para um canal de televisão argentino, o líder eleito pediu que também o governo brasileiro reveja a sua posição, "pois está mais do que claro que a Venezuela não respeita a democracia". Apesar do apelo, analistas ouvidos pela DW Brasil dizem que o governo Dilma Rousseff não deverá mudar o tom em relação a Caracas.
"Eu acho pouco provável que o Brasil mude de opinião. Acho que tem um custo obviamente alto", diz Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "O Brasil deveria criticar, pois em algum momento, ou agora ou nas eleições presidenciais, se a oposição ganhar, os opositores vão se lembrar muito do silêncio atual do Brasil durante esse tempo de crise."
Ele afirma, ainda, que tudo vai depender também das eleições parlamentares marcadas para 6 de dezembro na Venezuela. "Se houver evidências de fraude eleitoral, aí o Brasil será forçado a agir. Até agora, o principal protetor do movimento chavista tem sido a Argentina. A mudança em Buenos Aires força o Brasil a ter uma posição mais clara a respeito de Caracas", diz Stuenkel.
O pesquisador Thiago Gehre Galvão, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), também afirma que o Brasil dificilmente vai mudar seu posicionamento, mas que pode mudar a forma de agir. "O modus operandi vai mudar, porque agora Brasília vai encontrar de fato uma resistência em relação ao seu alinhamento com a Venezuela", comenta.
Caracas é acusada de coibir a ação dos principais líderes oposicionistas por meio de interdições e prisões arbitrárias. Entre os principais casos está a prisão do opositor Leopoldo López. Ele foi condenado a 13 anos e nove meses de detenção por incitação à violência durante uma marcha contra o governo Maduro, no início de 2014.
Para a Venezuela ser suspensa, a cláusula deverá ser aprovada por unanimidade pelos países-membros do bloco. A DW Brasil questionou o Itamaraty sobre o pedido de Macri e qual seria a posição brasileira sobre o assunto. O Ministério das Relações Exteriores respondeu que "não se manifestará a respeito".
Silêncio brasileiro
Numa audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Senado nesta terça-feira, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, minimizou o pedido de Macri. "Temos que esperar pelo resultado das eleições [parlamentares de 6 de dezembro]", afirmou Vieira, acrescentando ainda que a saída do conflito político deve-se dar por meio da via eleitoral.
O chanceler brasileiro assegurou ainda que Caracas se comprometeu a dar amplas liberdades de trabalho à missão de observadores da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), mesmo depois de o governo Maduro ter vetado a presença do ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ex-ministro da Defesa Nelson Jobim no cargo de chefe da delegação de observadores.
"Acredito que o Brasil vai aguardar e ver qual será o resultado do pleito parlamentar. Mas precisamos saber se o resultado realmente traduzirá a realidade e não será uma farsa", afirma Márcio Coimbra, coordenador do MBA Relações Institucionais do Ibmec/DF. "Até a reunião de cúpula em dezembro, o Brasil deverá ficar em silêncio. Mas, quando estiver na reunião, vai continuar alinhado à Venezuela."
Esta não é a primeira vez que o Brasil opta pelo silêncio em relação à Venezuela. Já em alguns casos, como na violenta repressão aos protestos estudantis de 2014 – que deixou mais de 40 mortos e 300 feridos –, a diplomacia brasileira adotou uma postura de cautela e evitou criticar, pelo menos publicamente, o presidente venezuelano.
"A tendência agora é que Macri assuma cada vez mais um protagonismo e que a Argentina, fechando acordos bilaterais fora do Mercosul, se torne um player mais importante na agenda internacional do que o Brasil", comenta Coimbra. "Se o Brasil não rever suas opções e continuar alinhado à posição de Caracas, vai perder mercado e peso internacional, além de protagonismo na região para a Argentina."
Opositor é assassinado na Venezuela
Às vésperas das eleições parlamentares na Venezuela, um dirigente local da aliança de partidos da oposição Mesa da Unidade Democrática (MUD) foi assassinado nesta quarta-feira (25/11), durante um comício na cidade de Altagracia de Orituco, no norte do país.
Luis Manuel Díaz, secretário-geral do partido Ação Democrática (AD), morreu ao ser atingido por um tiro disparado de um carro em movimento, enquanto participava de um comício ao lado de Lilian Tintori, esposa do líder opositor Leopoldo López, que foi condenado a 14 anos de prisão .
"Exigimos uma investigação imediata, profunda, profissional e independente, além da punição para os culpados", disse em comunicado a MUD, da qual o AD faz parte. A oposição condenou ainda a morte do dirigente e acusou o governo de "promover e justificar a violência".
Na nota, a MUD pediu à Organização dos Estados Americanos (OEA), à ONU, à União Europeia e à União de Nações Sul-Americanas (Unasul) que exijam que o governo venezuelano e o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) "rejeitem publicamente o uso de violência como arma política".
Eleição inflamada
Partidos de oposição se uniram na MUD para tentar romper a hegemonia do governo nas eleições parlamentares do dia 6 de dezembro. Pesquisas recentes mostraram que a oposição tem grandes chances de conquistar esse objetivo, o que aumentou os temores de conflito no país onde a política é muitas vezes volátil.
A oposição denunciou nos últimos dias, pelo menos três ataques durante eventos da campanha eleitoral e culpou o governista PSUV pelos incidentes.
No último fim de semana, uma caravana da oposição foi atacada por indivíduos encapuzados durante a campanha eleitoral em Caracas. Segundo políticos que participavam do evento, o ataque teria sido realizado por simpatizantes do governo.
Tintori disse também que sofreu dois ataques em Altagracia de Orituco na quarta-feira. A oposicionista não revelou detalhes dos incidentes. O ex-candidato a presidente Henrique Capriles e o candidato Miguel Pizarro também alegam ter sido vítimas de violência promovida por supostos partidários do governo.