PETER HAKIM
Tradução de ROBERTO MUNIZ E TEREZINHA MARTINO
Passaram-se apenas nove meses desde que a presidente Dilma Rousseff visitou Washington, onde foi hóspede do presidente Barack Obama. A visita aos EUA foi um esforço para reforçar a confiança, no Brasil e no exterior, de que ela, apesar do pouco apoio público e de uma crescente ameaça de impeachment, estivesse buscando seriamente o caminho político para reverter a deterioração econômica do País.
A expansão do comércio com os EUA era tida como essencial para melhorar a economia brasileira. Sua viagem a Washington foi um sinal de que Dilma havia decidido embarcar numa abordagem mais pragmática, menos ideológica, da economia e da política exterior.
A visita, como se viu, teve poucas consequências. A aprovação do governo de Dilma manteve-se em níveis historicamente baixos e a economia brasileira continuou a oscilar para baixo. E, em vez de laços revigorados, a relação EUA-Brasil pareceu perder a maior parte da pouca energia que sobrara. Houve motivos para o crescente distanciamento de Washington do Brasil. À medida que as exigências de impeachment ou renúncia aumentavam, a política brasileira ficava cada vez mais vitriólica – e os Estados Unidos não tinham interesse em serem vistos tomando partido.
O próprio Brasil estava cada vez mais voltado para si mesmo, mais preso a seus problemas domésticos e menos capaz de desempenhar um papel significativo regional ou internacional. Investidores e exportadores dos EUA olhavam para outro lado, sempre mais inquietos com o aprofundamento da recessão e o aumento da inflação. O governo americano, de sua parte, não tinha capacidade real de ajudar o Brasil a equacionar seus múltiplos problemas. Altos funcionários americanos declararam não ter meios nem mesmo para assessorar a conturbada economia do país.
O governo Obama está convicto de que não pode fazer muito nesta altura para ajudar o Brasil. A economia brasileira está em situação deplorável e continua aos tropeços. O debate sobre se a causa do naufrágio econômico foram forças externas, como a aguda queda na demanda chinesa e os preços mundiais mais baixos para os principais produtos de exportação brasileiros – ou se foi principalmente o resultado das políticas erradas do governo Dilma-ficou velho e quase irrelevante.
A questão crucial é por que o governo até agora não foi capaz de pôr em prática um programa de reformas que servisse de base para uma recuperação sustentada – particularmente desde que o Ministério da Fazenda, sob a direção do altamente considerado Joaquim Levy, traçou um programa amplamente apreciado por economistas e pela comunidade brasileira de negócios.
O fracasso é de liderança e governança. Um apoio público limitado, refletindo em parte a perturbação econômica e os escândalos de corrupção sem precedentes, deixaram Dilma enfraquecida e vulnerável. Ela não tem a estatura e autoridade necessárias para adotar duras medidas econômicas. E é amplamente vista como desprovida também da necessária habilidade política.
A corrupção maciça associada à Lava Jato e outros escândalos pode ter sido o bastante para minar a autoridade de Dilma.
O volume de bilhões de dólares roubados de agências governamentais, do povo do Brasil, parece astronômico mesmo visto de um país rico como os Estados Unidos. E os beneficiários incluem as mais poderosas figuras públicas brasileiras e os mais bem-sucedidos líderes econômicos. Muitas das maiores estatais e empresas privadas, e seus mais altos funcionários, estão implicados. É preciso dizer que até agora não há evidências claras apontando para o envolvimento da própria presidente Dilma, mas seu predecessor, o presidente mais popular da história do Brasil, Lula da Silva, aparenta estar perto de encarar acusações.
Mas talvez seja o desempenho desastroso de um Legislativo indisciplinado e caprichoso, com seus mais de 30 diferentes partidos políticos, que deva ser considerado o culpado pelo fracasso dos governos em confrontar eficazmente as múltiplas crises – econômica, política, e de corrupção. Em meio a essas crises, muitos congressistas e o líder do Congresso parecem motivados não por uma profunda preocupação com o futuro do Brasil ou os interesses nacionais, mas pelas ambições pessoais e partidárias – ou pela necessidade de se protegerem contra acusações criminais.
O PSDB é o principal partido de oposição no Congresso e apoia com veemência o impeachment de Dilma Rousseff. Embora o PSDB e seu líder (que perdeu amais recente eleição presidencial para Dilma, em 2014) tenham feito a campanha para a presidência com base em uma plataforma de reformas econômicas de grande alcance, o partido tem votado sistematicamente contra qualquer reforma proposta pelo governo – apenas para se opor.
O PT é o partido de Dilma e Lula. Apesar de seus membros serem unânimes na oposição a qualquer medida para tirar Dilma (o que custaria a muitos membros do PT empregos no governo), eles estão divididos no tocante ao programa de reformas da presidente, muitos por motivos ideológicos, e com frequência tentam acabar com qualquer mudança que reduza salários ou benefícios dos trabalhadores.
O PMDB é o maior partido no Congresso. É aliado do PT desde 2003 e na verdade sempre se uniu a partidos que tenham a presidência. Isso lhe garante cargos de maior ou menor escalão no governo, compensações financeiras para os membros e generoso apoio financeiro para Estados e municípios que o partido domina eleitoralmente. Embora o líder do PMDB na Câmara (que foi formalmente acusado de corrupção) esteja à frente dos esforços para o impeachment de Dilma, muitos membros do partido continuam se opondo à medida.
Nas próximas semanas, o PMDB vai decidir se continuará aliado do PT, o que poderá determinar o futuro de Dilma. No caso de impeachment, o vice-presidente, que é o líder do PMDB, assumirá a Presidência (observe-se que ele também está envolvido em casos de corrupção, juntamente com o líder do PMDB no Senado, embora nenhum deles até agora tenha sido acusado formalmente).
Nos últimos dias, a Presidência de Dilma Rousseff ficou mais fragilizada por seus esforços para trazer o ex-presidente Lula para o gabinete – o que foi visto por muitos brasileiros como um esforço para protegê-lo contra a possibilidade de um processo criminal imediato. Não há pontos luminosos no Brasil hoje.
Para muitos brasileiros, Dilma Rousseff não é mais uma chefe de Estado em que se possa confiar. É difícil afirmar que conseguirá tirar o Brasil do atual atoleiro. Agora seria provavelmente o momento de ela renunciar. É decepcionante que, à medida que as coisas pioram, não haja outra alternativa. O confronto cada vez mais hostil envolvendo o impeachment está em primeiro plano há muito tempo, o que torna virtualmente impossível enfrentar outros desafios cruciais do País – especialmente seu declínio econômico e social aparentemente implacável.