Leonardo Coutinho
Jornalista, autor do livro “Hugo Chávez, o espectro”, pesquisador e comentarista sobre segurança e relações internacionais.
Escreve semanalmente, desde Washington, D.C.
Gazeta do Povo
25 Dzembro 2020
A imagem que ilustra esta coluna foi postada na conta de Instagram da Embaixada da China no Brasil. Ela mostra um panda disfarçado de Papai Noel e um sorridente curupira a espera dos presentes. Não há representação melhor sobre a relação da China com o Brasil, a América Latina e de certa forma o mundo.
O fofíssimo panda está cheio de mimos. Regalos de todos os tamanhos e gostos para fazer feliz quem está na lista daqueles que se comportaram bem ao longo do interminável 2020.
O curupira, diz a lenda, é a criatura de cabelo de fogo, que tem corpo de criança e pés voltados para trás. Protetor da natureza e com fama de malandro. Engana caçadores, mas cai facilmente em armadilhas como um simples emaranhado de barbantes, que atrai a sua curiosidade e o desvia de sua missão de defensor da mata.
Como pode-se constatar, para China, o Brasil é o curupira.
Metáfora perfeita para uma elite política e empresarial imediatista. Que, geralmente, por focar nos próprios pés acha que está caminhando para frente, mas tem dados passos largos para trás.
Se somos uma pátria de curupiras, não deveríamos nos esquecer que os nosso passos não nos levam para onde parecem levar. Por isso, não podemos deixar de olhar para frente. Bem para frente. Caso contrário, quando notarmos estaremos à beira do abismo.
Seja no Brasil, na Argentina, Peru ou México, a trampa é exatamente a mesma. Dinheiro, negócios, facilidades, importação. Por meio da dependência, Pequim cria as condições para a chantagem quando questionada em suas práticas predatórias.
Recentemente, o panda virou um dragão quando a Austrália vetou as redes 5G da Huawei em seu território. Na Argentina, o ex-presidente Mauricio Macri aprendeu da melhor forma como uma série de acordos mal costurados com os chineses dinamitou a soberania do país. Yang Wanming, que atualmente é embaixador da China no Brasil, mostrou os dentes para os argentinos quando eles ousaram revisar os contratos de uma base de satélites controlada pelo exército chinês em território argentino.
Os curupiras brasileiros têm se revelado muito entretidos com os presentes chineses. Tão distraídos que parecem não prestar atenção para a direção que estão seguindo.
O ano novo tem previsto o leilão das frequências de 5G. A chinesa Huawei que foi barrada nos países mais sérios do planeta, tirou do saco a tese de que, sem ela, os consumidores vão pagar mais caro pela tecnologia. A tese ganhou eco entre os curupiras – que tentam de todas as maneiras ignorar o que se conhece sobre os riscos relacionados ao sistema chinês – e insistem a nos guiar para um cipoal do qual talvez jamais consigamos sair.
Os curupiras importaram milhões de doses de vacina antes mesmo de os chineses conseguirem provar a sua eficácia. A torcida é para que o imunizante funcione, mas a confiança cega nos chineses é um sintoma de como funciona a sedução dos pandas. O caso é tão agudo que os órgãos reguladores ficaram superados. Se a China aprova, por que deveríamos ter um processo independente de aprovação?
Os pandas são gulosos. Comem. Comem. Comem.
O território deles não é capaz de garantir segurança ou soberania alimentar. A população chinesa é a maior e a mais dependente de comida do planeta. Embora esta seja a sua maior fragilidade, a China tem conseguido disfarçá-la como sendo a sua maior força.
A China comprar estoques colossais de alimentos por mais pura dependência. Mas manipula preços de mercados para virar a mesa e transformar a abundância dos fornecedores em sua própria armadilha. Quase todo mundo pensa que depende da China porque ela absorve as maiores quantidades de alimentos oferecidos pelo agronegócios, seja no Brasil ou na Argentina. E a China faz isso porque soa melhor. Sabe que do lado de cá do planeta, todo mundo mira o presente. Ou como sugere o cartão de Natal, os curupiras do Ocidente são incapazes de olhar além dos próprios pezinhos invertidos.
A fome dos pandas os tem obrigado a invadir águas territoriais de diversos países. Pilham os oceanos com sua pesca predatória. Avançam justamente sobre aqueles países que pouco fazem além de reclamar baixinho nos jornais. O endividado Equador tem assistido passivamente a destruição dos estoques pesqueiros nos arredores de Galápagos.
Chile e Peru idem. Os navios pesqueiros chineses circundam seus limites territoriais, tirando do mar os recursos naturais que são uma das principais fontes de renda desses países e uma das mais importantes fontes de proteína.
Nesta semana, o site DefesaNet chamou a atenção para o que pode ser o ponto de partida para o mais brutal avanço sobre os estoques pesqueiros da costa brasileira. Eles querem convencer os gaúchos a montar um entreposto para um frota de pesca de arrasto de pelo menos 400 embarcações. Algo sem paralelo na região.
A quantidade de peixes pescados na costa brasileira é uma incógnita. A falta de dados oficiais, entretanto, não impede de perceber que algumas espécies já sofrem com a sobrepesca. Os pescadores de sardinha viram os estoque minguar na última década.
Os chineses querem capturar com suas redes 500 toneladas diárias de pescado para exportação. Embora os números sejam colossais em si, eles nem de longe representem o problema real que seria a abertura das águas brasileiras para a mais devastadora e destrutiva das práticas de pesca, que a China não tem o menor pudor de esconder.
Os pandas oferecem um monte de facilidades. Mas quando chegar a hora de os curupiras reclamarem terão que conversar com o dragão.
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Artigos da Série “Projeto de Pesca Integrada”, publicados até 28 Dezembro 2020::
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