Márcia Abos
SÃO PAULO. A devastação da Floresta Amazônica provocada por assentamentos no Pará, como mostrou ontem o GLOBO, é causada pela ausência de políticas públicas do governo e pela fiscalização ineficaz das atividades de pequenos produtores, na opinião de ambientalistas. A situação, segundo eles, revela uma crise no modelo de reforma agrária adotado pelo Incra, mais preocupado em apresentar estatísticas de assentamentos relacionados a promessas de campanha do que em acompanhar se as famílias assentadas continuam na terra e conseguem viver dela com dignidade.
– O desmatamento causado por assentamentos é como um cupim que vai comendo a floresta pelas bordas – diz Paulo Adário, coordenador da campanha da Amazônia do Greenpeace. – É a ausência do governo nesses assentamentos que permite tanto o desmatamento quanto a transferência ilegal da posse destas terras – diz.
Ao GLOBO, o Incra informou que está fazendo levantamento da infraestrutura nos assentamentos, e que usaria recursos para que as famílias tivessem necessidades básicas atendidas.
A situação do Pará se repete na região próxima ao município Boca do Acre, onde o Greenpeace observa desmatamento acima dos 20% permitidos numa área de assentamento e a venda ilegal de terras dos assentados para fazendeiros da região. Adário diz que está monitorando a região e avalia se o Greenpeace entrará com ação semelhante à que levou a Justiça a devolver ao governo 12,5 mil hectares em assentamentos que estavam sendo explorados irregularmente no Pará.
– O desmatamento em assentamentos seria administrável se o governo apoiasse os assentados com políticas públicas capazes de integrá-los à economia formal. O governo lançou na semana passada um programa que paga para quem não desmata, o Bolsa Verde. Mas esse é apenas um esparadrapo incapaz de curar a doença – avalia o coordenador do Greenpeace.
Áreas de assentamento não foram cadastradas
Assentar não garante que as famílias poderão viver da terra com dignidade, afirma Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, superintende de conservação do WWF-Brasil. É preciso oferecer crédito aos pequenos produtores e ensiná-los a praticar uma agropecuária sustentável, além do agroextrativismo.
O ambientalista defende não só uma revisão no modelo atual de reforma agrária para o Brasil, como pede que seja criado um modelo especial para a Amazônia, capaz de oferecer condições aos assentados de sobreviver da floresta, em vez de destruí-la.
– O desmatamento em áreas de assentamento é um sintoma da crise deste modelo de reforma agrária do Incra e revela também a falência do modelo de desenvolvimento da Amazônia – explica Scaramuzza.
O cadastro ambiental de assentados pode ajudar a monitorar e a frear o desmatamento, acredita a bióloga Ana Cristina Barros, representante do The Nature Conservancy (TNC) no Brasil. Para ela, a posse definitiva da terra só deveria ser dada aos assentados que não desmatam ou permitem que outros a explorem.
– O problema é que as áreas de assentamento ainda não foram cadastradas, o que dificulta saber o que de fato acontece nesses locais – diz Ana Cristina Barros.