Lingling Wei
The Wall Street Journal
Bancos centrais ao redor do mundo estão vendendo títulos do Tesouro americano no ritmo mais rápido já registrado e provocando a mudança mais drástica no mercado das chamadas “Treasurys”, de US$ 12,8 trilhões, desde a crise financeira global.
As vendas da China, Rússia, Taiwan e Brasil são o sinal mais recente da desaceleração econômica que assola os mercados emergentes e ameaça contaminar a economia dos Estados Unidos. No passado, esses quatro países compraram grandes volumes de títulos da dívida soberana dos EUA.
Poucos analistas esperam que essa tendência cause uma alta nos rendimentos dos papéis. As compras de dívida americana pelo setor privado de outros países vêm crescendo em meio ao pessimismo com o cenário econômico mundial. E as empresas e instituições financeiras dos EUA também continuam comprando Treasurys, junto com bancos centrais de alguns outros países.
Ainda assim, muitos investidores dizem que a reversão nas compras de títulos dos EUA deve ampliar as oscilações de preços desses bônus e, também, pode preparar o caminho para uma alta dos rendimentos quando a economia global se aprumar.
Muitos acreditam que as compras de Treasurys feitas pelos bancos centrais durante os últimos dez anos “ajudaram a deprimir o rendimento de longo prazo dos títulos”, diz Stephen Jen, sócio-gerente da SLJ Macro Partners LLP e ex-economista do Fundo Monetário Internacional. “Agora, temos uma espécie de situação contrária.”
As vendas líquidas por bancos centrais estrangeiros de títulos do Tesouro americano que vencem pelo menos daqui um ano atingiram US$ 123 bilhões no período de 12 meses encerrado em julho, segundo Torsten Slok, economista-chefe internacional do Deutsche Bank Securities, o maior recuo desde que os dados começaram a ser compilados, em 1978. Um ano atrás, BCs estrangeiros compraram um total líquido de US$ 27 bilhões em notas e títulos do governo americano.
Nos últimos dez anos, os altos superávits comerciais e a receita com a venda de commodities permitiram a muitos países emergentes, inclusive o Brasil, acumular um grande volume de reservas em moedas estrangeira. Muitos compraram dívida americana porque o mercado de Treasurys é o mais líquido e o dólar é a moeda de reserva do mundo.
As compras estrangeiras desses papéis chegaram a alcançar US$ 230 bilhões no ano encerrado em janeiro de 2013, mostram dados do Deutsche Bank.
Mas, à medida que o crescimento econômico mundial perdeu força, os preços das commodities despencaram e o dólar se valorizou — puxado pela expectativa de que o banco central americano vai elevar os juros —, o capital fugiu dos mercados emergentes, forçando alguns bancos centrais a levantar dinheiro para comprar suas moedas locais.
O Banco Popular da China, em particular, intensificou suas vendas nos últimos meses. Em 11 de agosto, a instituição surpreendeu os investidores ao desvalorizar o yuan. A venda generalizada da moeda chinesa que se seguiu — deflagrada pelo receio de que o governo fosse enfraquecer ainda mais o yuan para estimular o crescimento — pegou o banco central um tanto desprevenido, dizem fontes.
Para impedir que o dólar ultrapasse a cotação de 6,40 yuans, o BPC vem comprando a moeda chinesa e vendendo a americana. Estimativas internas mostram que o BPC gastou pelo menos US$ 120 bilhões só em agosto para sustentar o yuan, dizem pessoas próximas ao banco central.
A China não está sozinha. O volume de Treasurys na carteira do banco central da Rússia recuou em US$ 32,8 bilhões no ano encerrado em julho, segundo os dados mais recentes do Tesouro dos EUA. Em Taiwan, a queda foi de S$ 6,8 bilhões. O Brasil, um dos maiores detentores de Treasurys do mundo, reduziu suas aplicações nesses papéis somente em US$ 1,9 bilhão no período, para US$ 256,7 bilhões, segundo o Tesouro americano.
Alguns outros bancos centrais elevaram suas posições. A Índia, por exemplo, registrou um aumento de quase 46%, para US$ 116,3 bilhões. O próprio Federal Reserve detinha US$ 2,45 trilhões em títulos do Tesouro no fim de setembro e não deve vender esses ativos tão cedo.
Operadores de mercado dizem que as vendas da China foram um fator determinante para manter o rendimento das notas de dez anos do Tesouro dos EUA próximo de 2% ao ano. O rendimento fechou em 2,061% ontem, comparado com 2,173% no fim de 2014 e 3,303% no fim de 2013. Os rendimentos caem quando os preços dos títulos sobem.
Alguns analistas há anos vêm alertando que os constantes déficits fiscais dos EUA tornam o mercado de Treasurys vulnerável à redução nas compras de outros países. Mas muitos investidores também dizem que detentores de longa data dos bônus, como a China, não vão vendê-los de um modo que provoque turbulências no mercado.
James Sarni, por exemplo, sócio-gerente sênior da californiana Payden & Rygel, que administra US$ 95 bilhões, diz que não está perdendo o sono por causa da China. “Embora eles possam decidir vender mais Treasurys, as transações serão provavelmente feitas de uma maneira prudente.”
De fato, os rendimentos dos títulos permaneceram baixos nos últimos dez anos e sofreram uma queda acentuada desde a crise de 2008, graças, em parte, à forte demanda de governos e do setor privado por uma dívida considerada segura.
Nos 12 meses encerrados em julho, investidores privados de outros países compraram títulos de longo prazo do Tesouro americano no volume mais alto em mais de três anos.
Nos EUA, fundos mútuos de renda fixa e aqueles negociados em bolsa que aplicam em dívida do governo atraíram US$ 20,4 bilhões líquidos até setembro e podem, no ano todo, registrar o maior influxo desde 2009, segundo a Lipper, que acompanha os dados dessas instituições.