A visita do presidente chinês, Xi Jinping, destinada a reforçar os laços econômicos e políticos com a América Latina, ocorre num momento em que Pequim está à procura de recursos para alimentar seu crescimento. O presidente chinês chegou no início desta semana para a cúpula dos Brics em Fortaleza, onde os líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul concordaram em criar um banco de desenvolvimento e um fundo de reserva vistos como rivais para instituições financeiras dominadas pelas potências ocidentais.
O encontro foi seguido de conversações bilaterais com a presidente Dilma Rousseff e do lançamento da Fórum América Latina, Caribe e China. O grupo se reunirá no ano que vem para discutir investimentos do país asiático na região, com o grupo dos 33 Estados da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, um movimento visto por muitos como uma mostra da crescente influência e importância de Pequim na região.
A viagem é a segunda de Xi para a América Latina desde que assumiu o cargo no ano passado − quando visitou México, Costa Rica e Trinidad e Tobago − e é vista por analistas como a mais recente tentativa de Pequim de ganhar influência em uma região tradicionalmente vista como quintal estratégico dos Estados Unidos.
Um destino comum?
A importância da visita de Xi é ressaltada pelo fato de que o comércio da China com a América Latina subiu mais de 20 vezes, de 12,6 bilhões de dólares em 2000 para 261,6 bilhões de dólares no ano passado.
"A China está disposta a unir esforços com o Brasil e outros países da região para se tornarem bons amigos e aliados em um destino comum, e para caminharem em sincronia", afirmou Xi, ao discursar no Congresso brasileiro em 16 de julho.
Como afirmou à DW Víctor M. Mijares, pesquisador visitante do instituto alemão de estudos globais Giga, sediado em Hamburgo, a incursão da China na América Latina deve-se principalmente à sua crescente demanda por matérias-primas, novas fontes de energia e sua meta de continuar a ser o maior exportador de mercadorias do mundo.
É por isso que o líder chinês tem programada, entre 18 e 23 de julho, uma série de assinaturas de novos acordos sobre investimento, comércio e energia durante suas visitas oficiais à Argentina, uma das principais fontes de soja para a China, ao fornecedor de petróleo Venezuela e Cuba, aliados políticos de longa data.
Aliado comunista de longa data
Cada um desses três países da América Latina é de especial interesse para a China. Por exemplo, a Cuba comunista tem sido tradicionalmente um aliado econômico e ideológico. "As relações bilaterais se intensificaram desde o fim da Guerra Fria e do declínio da presença russa na ilha", explica Susanne Gratius, pesquisadora sênior do instituto Fride, com sede em Madri.
Pequim se tornou o segundo parceiro econômico de Havana depois da Venezuela e uma fonte importante de financiamento para esta nação economicamente conturbada do Caribe. Cuba, por outro lado, é o maior parceiro comercial da China entre os países do Caribe.
Além disso, o presidente cubano, Raúl Castro, declarou abertamente ser um seguidor do modelo chinês, afirmando o seu apoio à ascensão política da China.
"A elite de Cuba quer evoluir de um Estado marxista-leninista ortodoxo para um Estado de inspirado por Deng Xiaoping, com um partido único e forte, de um lado, mas também com a capacidade de introduzir e implementar reformas econômicas fundamentais", frisa Mijares, que é também professor de relações internacionais da Universidade Simon Bolívar, em Caracas.
O governo liderado por Xi, por sua vez, está de olho nas questões de geopolítica e de comércio, especialmente considerando a obra de expansão do Canal do Panamá, que está em curso.
O petróleo é o cerne
A Venezuela, a próxima etapa da visita de Xi, é atualmente o devedor número um da China na América Latina, e principal fornecedor de petróleo para Pequim na região, com 6% das importações chinesas provenientes do país sul-americano.
O comércio bilateral ascendeu a mais de 19 bilhões de dólares no ano passado, e Xi está buscando aprofundar os laços em uma variedade de setores, incluindo energia, finanças públicas, tecnologia militar e aeronáutica, assim como de construção civil.
Mas, como aponta Mijares, a visita de Xi à Venezuela não será limitada a negócios. "Caracas também é politicamente atraente para Pequim, pelo fato de a política externa da Venezuela ter sido amplamente destinada a diminuir a influência dos EUA na região", diz.
A analista Susanne Gratius concorda. "Além de assinarem acordos sobre infraestrutura e cooperação energética − principalmente petróleo e gás − ambos os governos procuram contrabalançar a influência dos EUA na região."
Os laços entre China e Venezuela tiveram impulso sob a presidência do socialista Hugo Chávez, entre 1999 e 2012, quando os chineses investiram pesado em troca de petróleo. Em um artigo para a revista The National Interest, Matt Ferchen escreve que a China consolidou uma relação estatal especial com a Venezuela de Chávez, através dos seus próprios empréstimos estatais em troca de petróleo, no valor de mais de 50 bilhões de dólares, e investimentos nacionais das companhias de petróleo.
Mas o especialista do Centro Carnegie-Tsinghua para a Política Global também apontou que nem tudo foi bem nas relações comerciais e diplomáticas bilaterais, com petróleo ocupando o centro das expectativas. "Enquanto a China e a Venezuela certamente expandiram seus laços comerciais de petróleo e de investimento na última década, o volume de ambos ficou muito aquém das expectativas chinesas."
Apesar de algumas tensões, a China prometeu mais investimentos pesados ??na indústria de petróleo da Venezuela.
Xi também visitará a Argentina, um parceiro estratégico de Pequim, responsável por quase 10% da soja importada pela China. Mas o líder chinês não só estará focado somente no aumento da demanda de soja pelo seu país, mas também está interessado em depósitos de gás de xisto na Argentina, em Vaca Muerta, uma das maiores do mundo. Em 2013, o comércio bilateral atingiu 14,8 bilhões de dólares, um aumento de quase 100% desde 2009.
Problemas bancários da Argentina
Buenos Aires, no entanto, é considerada como sendo politicamente mais distante de Pequim do que Caracas e Havana. "É por isso que Pequim pode tentar usar a relação historicamente tensa da Argentina com o sistema bancário multinacional para cimentar laços", diz Mijares. Além disso, Xi provavelmente irá sublinhar a posição oficial da China na disputa entre o Reino Unido e a Argentina sobre as Ilhas Malvinas, no âmbito do anticolonialismo.
Alguns analistas argumentam que, com a sua mistura de comércio, investimento, ajuda ao desenvolvimento e diplomacia, a China está aproveitando um vácuo de poder na região criado por Estados Unidos e Rússia. "Pequim tem entendido que não pode desempenhar o papel de uma grande potência militar já que sua tecnologia está bem atrás daquelas das potências ocidentais. É por isso que a China está usando as ferramentas que tem para ganhar terreno rapidamente: produtividade econômica excelente, vastas reservas de moeda estrangeira e de cooperação política sem definir condições políticas ou morais", diz Mijares.
Mas, enquanto para algumas potências regionais na América Latina laços mais estreitos com a China podem oferecer apoio político e econômico de curto prazo a um custo relativamente baixo, os especialistas alertam para os efeitos colaterais: "É uma relação assimétrica que reproduz, em parte, as dependências históricas com os Estados Unidos", alerta Gratius.
Esta opinião é partilhada por Mijares, que argumenta que a abordagem chinesa não tem caído bem em toda a região. "Laços políticos e econômicos com a China também têm sido interpretados como parte do Consenso de Pequim, uma receita para o autoritarismo sustentável." Além disso, ele acrescenta que o apoio econômico da China não vem de graça. "Os requisitos estabelecidos por Pequim também podem ser caros e gerar compromissos de longo prazo com tendência a limitar a autonomia do Estado", afirma.
Muitos países latino-americanos, no entanto, veem a China como um contrapeso aos EUA e ao Brasil e, portanto, acolhem a crescente presença de Pequim na região, pois ela lhes oferece uma chance de se tornarem menos dependente de uma única fonte.
Se Pequim terá ou não sucesso em substituir Washington na América Latina ainda é algo que não se sabe. O que é claro, porém, é que a presença chinesa no continente provou ser problemática para, pelo menos, uma potência regional.
"Embora Pequim e Brasília sejam parceiros dentro dos Brics, os dois países se veem como rivais na América Latina. Esta relação ambígua com a potência regional deve ser levada em conta quando tentarmos compreender as relações entre China e a América Latina", ressalta Mijares.