Nota DefesaNet
Interesante matéria dos jornalistas Carlos Wagner e Luis Costa. Observar que a Empresa de Correior no RS é área de influência de importante líder do setor de Direitos Humanos do Governo Federal.
O Editor
CARLOS WAGNER E JOSÉ LUÍS COSTA
Aprisão de dois soldados da Brigada Militar há duas semanas, suspeitos de matar o coronel aposentado do Exército Julio Miguel Molinas Dias para roubar a coleção de 23 armas dele, revela a face obscura de homens da lei que mergulharam no submundo do tráfico de armas. Assim como outros PMs, policiais civis e bandidos que se passam por colecionadores, a dupla de soldados trocou de lado, tentando se estabelecer no mais rentável negócio do momento entre os criminosos da Região Metropolitana: a venda e o aluguel de armas e munições.
– A repercussão do caso trouxe à tona um dos grandes problemas que temos hoje, a valorização do preço das armas no mercado ilegal – diz o delegado Alexandre Vieira, da 9ª Delegacia da Polícia Civil.
Os soldados se juntaram a contrabandistas, atraídos por um mercado cada vez mais inflacionado por causa das restrições às vendas oficiais, pela campanha do desarmamento e pelo crescimento da criminalidade. O Rio Grande do Sul, em proporção à população, é o recordista em recolhimento de armas no país – já foram tiradas de circulação 53.851 unidades desde 2004. Até outubro, os homicídios cresceram 16% este ano, e o roubo de veículos subiu 6,5%.
O comércio clandestino se fortalece graças à falta de segurança e ao descontrole em organismos sob a tutela do Estado, quartéis, delegacias, fóruns e até em acervos de colecionadores. São as principais fontes – assim como o tráfico pelas fronteiras e o desvio de cargas – de abastecimento do mercado clandestino de revólveres, pistolas, espingardas, submetralhadoras, fuzis e munições no Rio Grande do Sul.
Antes de serem presos, os dois PMs suspeitos da morte de Molinas já eram investigados pela Corregedoria da BM por causa de furtos de armas no quartel onde trabalhavam, o 11º Batalhão de Polícia Militar, na zona norte da Capital.
– Se ficarem provados esses indícios, as sanções serão severas – afirma o coronel João Gilberto Fritz, corregedor-geral da BM.
Presos negociavam revólveres com PM
No começo do ano, um sargento da força-tarefa da BM que atua em cadeias foi preso por colegas, após apreensão de cinco armas em uma galeria da facção Os Manos no Presídio Central. Ele seria o fornecedor de celulares, pistolas e revólveres para apenados. A captura do sargento explicaria como cerca de 50 armas de fogo driblaram os mecanismos de segurança e detectores de metais e foram parar nas mãos de detentos do Central nos últimos dois anos.
Em Canoas, uma ex-estagiária da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento responde a processo criminal por desvios de dinheiro, drogas e armas da repartição, ocorridos em 2009. Situação semelhante ocorreu na 1ª Delegacia da Polícia Civil de Alvorada, no começo deste ano. Em Gravataí, em março, a Corregedoria da Polícia Civil e o Ministério Público prenderam dois agentes civis ao encontrar no carro de um deles quatro revólveres e uma espingarda que deveriam estar no depósito de delegacias. A suspeita é de que venderiam as armas para criminosos. Em 2010, uma inspeção do MP em delegacias constatou a falta de uma centena de armas relacionadas a inquéritos.
– Esses fatos são gravíssimos. As delegacias estão mais cautelosas para evitar desvios – afirma o delegado Walter Waigner, corregedor-geral da Polícia Civil.
Nos últimos dois anos, somente de três fóruns do Interior, foram levadas 564 armas (225 entre maio e julho deste ano), além de farta munição, apreendidas por serem elementos de provas em processos criminais. No começo de dezembro, um colecionador de armas foi condenado a seis anos de prisão por vender, ilegamente, munição, inclusive de uso restrito para PMs de quartéis da Capital. Cápsulas deflagradas, com sinal característico de recarga pelo colecionador, teriam sido usadas em armas por ladrões que assaltaram um carro-forte, em 2008, em Barra do Ribeiro.
Como os Bandidos se Armam
2 – Desvio de quartéis da BM 3 – Furtos em delegacias da Polícia Civil 4 – Fragilidade nas fronteiras 5 – Venda por colecionadores 6 – Assaltos a bancos e a carros-fortes 7 – Desvio de cargas |
ARSENAL CLANDESTINO
Pistola “exportada” para o Presídio Central
A mais surpreendente vertente do comércio ilegal de armas no Estado envolve o desvio de cargas remetidas pela Forjas Taurus, de Porto Alegre, para clientes no Brasil, via Correios. Revólveres e pistolas vêm sendo surrupiados durante o trajeto entre a fábrica e os destinatários. Seriam pelo menos 17 casos e, segundo a Polícia Federal, o derrame no mercado clandestino chegaria a centenas de armas, desde 2009. O caso segue como mistério sem pistas sobre autores do crime.
– Ainda não descobrimos como ocorrem os desvios que, acreditamos, seguem acontecendo – afirma o delegado federal Cristiano Gobbo.
A Taurus tem autorização legal para as remessas por correspondência. As caixas são lacradas, sem identificação do produto nem do fabricante. Em algum ponto do percurso, bandidos abrem as embalagens, tiram as armas e, no lugar, colocam pedras com o peso idêntico ao do armamento – a pesagem de mercadorias seria a única forma de controle dos Correios.
Conforme Gobbo, existem suspeitas de que algumas dessas armas foram desviadas no Estado. E o caso mais enigmático aconteceu no começo deste ano no Presídio Central. Durante uma revista de rotina, foi encontrada uma pistola modelo PT709, 9 mm – de uso restrito pelas Forças Armadas e pela PF – , com identificações intactas.
Questionada, a Taurus respondeu se tratar de uma pistola exportada em outubro de 2010 para a Taurus International em Miami, na Flórida (EUA). A PF investiga se a arma foi introduzido no Central por um sargento da BM, preso na mesma época da apreensão da pistola sob suspeita de vender armas e celulares para detentos.
Arma que deveria ter sido despachada para os EUA foi encontrada em revista em cadeia gaúcha
Traficantes alugam para assaltantes
O crescimento do mercado ilegal de armas vem sendo acompanhado pela Polícia Civil e pela Brigada Militar na Região Metropolitana de Porto Alegre. Um dossiê informal contém informações com base em inquéritos, escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, relatos de informantes e, principalmente, depoimentos informais de bandidos.
O quadro montado pelo estudo dá uma ideia da valorização das armas no mercado ilegal na última década. Por exemplo: pistolas calibre .380 e 9 mm, muito usadas por ladrões de carro, custavam R$ 3 mil, e agora pularam para R$ 6 mil (veja quadro abaixo).
Houve também uma mudança na maneira de operar o mercado ilegal de armas. Os traficantes gaúchos copiaram o modelo das favelas cariocas: aluguel de armas para assaltantes. Adquiridas em grandes quantidades por criminosos para manter as bocas de fumo, as armas acabaram se tornando um lucrativo negócio de aluguel, observou Luiz Carlos Silveira, da Viva Rio, uma ONG que virou um ícone no país na luta contra a violência.
No Estado, a locação de armamento para assaltantes já foi detectada em escutas telefônicas, afirma o promotor Mauro Rochemback. As armas são alugadas por “lançada”, gíria usada pelos bandidos para denominar um assalto. Por exemplo, a diária de um revólver custa R$ 400 e de um fuzil, R$ 2 mil. O preço do aluguel se assemelha ao valor da compra (R$ 500), porque os criminosos querem evitar o flagrante com os armamentos. A garantia do retorno da arma às mãos do traficante tem um grande estímulo: a pena de morte. Daí o zelo dos bandidos pelas armas locadas, como mostram escutas telefônicas.
A presença de ex-PMs no mercado de locação de armas começou a ser notada há dois anos. ZH conversou com um advogado, que falou na condição de que não fosse identificado. Ele fez uma pesquisa entre 10 processos em que defende clientes presos por porte ilegal de armas:
– Mais da metade das armas analisadas vinha das mãos de ex-policiais militares – afirmou.
CONTRAPONTOS
O que diz a assessoria de imprensa dos Correios:
A Diretoria dos Correios do RS esclarece que até o presente momento não recebeu informações sobre a conclusão das investigações realizadas pela Polícia Federal: “Destacamos que as referidas investigações acontecem sempre que os Correios, através dos órgãos de controle interno, informam às autoridades alguma irregularidade no fluxo de encomendas da ECT. Neste caso, a investigação se refere a 17 eventos isolados, que já estavam sob análise da Polícia Federal, identificados ao longo de três anos, 2009 a 2011, em locais diferentes do país.
O que diz Antonio Cesar Carré, chefe da equipe de segurança do Tribunal de Justiça:
Conforme Carré, foi criada uma Comissão de Segurança no Tribunal de Justiça (TJ), formada por juízes, desembargadores e técnicos. Esta comissão elaborou um plano para reforçar a segurança em 93 comarcas, que deverão receber um investimento de R$ 8 milhões. O chefe da equipe de segurança do TJ informa, ainda, que estão sendo feitas as licitações.
O que diz a Forjas Taurus:
“A Forjas Taurus sempre colabora com as instituições policiais e militares nas investigações relacionadas a denúncias que envolvem o trânsito de seus produtos. Os eventos ligados à segurança interna são muito raros e isolados, mas quando ocorrem são exaustivamente investigados e medidas corretivas são adotadas. A Taurus segue uma legislação rigorosa e detalhada sobre produção, trânsito e comércio de seus produtos”.