"Armamentização" do comércio internacional
Assis Moreira
Valor
07 Janeiro 2022
Correspondente em Genebra
Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), entre 2005 e 2013, e comissário de comércio da União Europeia (UE) de 1999 a 2004, focaliza no longo prazo sobre desafios da economia mundial, em conversa telefónica num fim de tarde.
Para Lamy, as turbulências, causadas por uma oferta em atraso em relação à retomada rápida da demanda global, são passageiras e dentro de dois anos serão esquecidas.
Em contrapartida a situação vai continuar complicada com tensões entre EUA e China, as duas maiores economias do mundo. Os dois se sentem ameaçados, um pelo outro. E essa rivalidade, avalia, vai perssitir pelas próximos 30 anos, pelo menos.
Ele lembra que, em grandes momentos no passado, a geoeconomia — que integra, cria interdependência, normalmente estabiliza relações — era mais forte. A situação mudou e a geopolítica, que é o interesse dos Estados e que se afrontam, se impõe agora. E que é preciso levar isso em conta e não visar o mesmo nível de integração econômica, ou de ambição de 20 anos atrás.
Arguto analista da situação global, consultado e ouvido por autoridades do mundo inteiro, Lamy chama a atenção para o fato de tanto os EUA como a China estarem já utilizando mais o cometia como arma.
E o risco é de que Washington e Pequim utilizem ainda mais sanções extraterritoriais, o que ele chama de "armamentização" (neologismo a partir do inglês “weaponization”).
Os EUA tombaram com Donald Trump no unilateralismo. E isso não mudou realmente com o governo de Joe Biden por razões geopolíticas. Os EUA se sentem ameaçados pela China e querem poder atacar mais duramente Pequim com medidas comerciais contrárias às regras da OMC, que preferem paralisada e enfraquecida.
É a razão pela qual os americanos sairam na prática da entidade global levando a chave do Órgão de Apelação, espécie de tribunal supremo do comércio mundial, e com isso evitar ser condenados.
Além disso, Biden tem pouca margemde manobra interna, com os democratas influenciados por sindicatos muito ativos na velha economia, como o setor siderúrgico e muito protecionistas.
De seu lado, a China se "recomunizou" com o Xi Jinping, diz Lamy. O líder chinés rompeu com a linha de abertura de Deng Xiaoping, e Pequim cessou de convergir com o modelo dominante do capitalismo munclializado. Xi freou a privatização da economia e aumentou por dois o setor estatal. Ter hoje 30%. de economia nacionalizada significa alimentar contenciosos com os parceiros descontentes com concorrente chinês turbinado por subvenção estatal.
A China endureceu também politicamente. E não hesita mais em dar demonstração de força na cena internacional com represálias. Foi o que aconteceu com a Austrália, desde que os australianos bloquearam investimentos chineses ern certos setores sensíveis e também apoiaram uma investigação para identificação da origem da covid-19. Pequim impôs, por exemplo, tarifa adicional variando de 116,2% a 218,4% na importação de vinho australiano, que tinha na China o seu principal comprador.
Em junho de 2021. a China decidiu se dotar de um arsenal jurídico legalizando represálias em caso de sanções estrangeiras contra empresas ou indivíduos chineses. Mais recentemente, Pequim passou a provocar turbulências no comércio com a Lituânia, pequeno pais báltico que permitiu a abertura em seu território de um escritório de representação de Taiwan, iniciativa vista como afronta pelos chineses.
Nesse cenário, a Comissão Europeia, o braço executivo da UE,, elaborou sua primeira resposta à armamentização." das políticas comerciais. No começo de dezembro, Bruxelas propôs aos Estados-membros introduzir um novo mecanismo para poder punir um pais terceiro que adote sanções econômicas para influenciar sobre políticas europeias.
Ou seja, ser capaz de reagir com mais potência do que no passado a ditas agressões comerciais em caso de sanções extraterritoriais e embargos, restrições ao comércio e investimento de formas disfarçadas e por razões injustificadas.
Recentemente, países europeus foram ameaçados pelos EUA com represálias comerciais se aplicassem taxas sobre serviços digitais, por exernplo.
Para Lamy, a Comissão Europeia inventou na prática um arsenal unilateral anticoersão muito mais musculoso e que começa a parecer à "Section 301 of the Trade Act of 1974” dos EUA. A 301 é a lei que dá ao gavemo americano ampla autoridade para responder ao que considerar práticas desleais afetando negativamente interesses comerciais americanos.
Grandes atores do comércio internacional – EUA, União Europeia, Japão e Índia—reforçaram seus arsenais de defesa comercial. Mas, sobretudo, o risco de mais medidas unilaterais tende a resultar em degradação do sistema multilateral. Enquanto isso, os populistas ganham terreno.
A seu ver, a primeira coisa, a fazer é continuar tentando convencer os EUA a voltarem efetivamente à OMC, mostrar que eles também têm interesse em um comércio com regras.
Se Washington continuar no imobilismo na entidade, o jeito será os outros países buscarem alternativas.
Quanto aos chineses, sua dominação no comércio mundial é em parte em razão de práticas como enormes subsídios e parcialmente com casos como de transferência forçada de tecnologia. Para Lamy, o Ocidente deve não fazer o que os EUA têm feito com frequência, que é dizer a Pequim que precisa mudar seu regime econômico e político. A mensagem, sugere ele, deve ser de sinalizar à China, que ou ela aceita disciplinas sobre subvenções estatais ou o comércio deixará de ser tão aberto para as exportações chinesas como até agora.
Quanto ao Brasil, o risco nesse cenário de rivalidade crescente é de o ser arrastado de uma forma prejudicial numa rivalidade sino-americana. Por exemplo, se Washington fizer pressões para Brasília escolher um ou outro lado, e portanto, ser encurralado entre os dois grandes parceiros.
Afora os EUA, a China e a EU, a verdade é que outros países não têm a força econômica para impor sanções comerciais. Para Lamy, em várias situações impor sanções podem ir mesmo contra seus próprios interesses.
Nota DefesaNet
Referente à menção "encurralado" na escolha por um dos dois grandes parceiros econômicos, a embaixada Chinesa, em Brasília, postou em sua conta no twitter.
Também twitter do jornal Diário do Povo.
A China se manteve como o maior parceiro comercial do Brasil por 12 anos consecutivos. Em 2021, 32% dos US$ 280 bilhões exportados do Brasil tiveram a China como destino. As trocas comerciais com a China responderam por 67,9% do superavit acumulado do Brasil @Poder360 pic.twitter.com/kESI3PtJee
— Embaixada da China no Brasil (@EmbaixadaChina) January 4, 2022
As importações e exportações totais da #China devem chegar a 6 trilhões de dólares americanos em 2021, disse o Ministério do #Comércio chinês na quinta-feira (30).
— Diário do Povo (@DiarioPovo) December 31, 2021