O ódio contra pessoas de outra fé, uma visão bizarra de mundo, que vê ameaças de todas as formas contra o islã, e a desconfiança perante todos que creem e pensam de forma diferente: esses são elementos centrais da ideologia do "Estado Islâmico" (EI).
Não foi o grupo terrorista, no entanto, quem criou essa visão de mundo, ao menos não sozinho. Quando incita ao ódio contra xiitas, yazidis, cristãos e judeus, o "Estado Islâmico" mostra semelhanças estreitas com o wahabismo, uma vertente radical-conservadora do islamismo sunita que tem status de religião oficial na Arábia Saudita.
De fato, os paralelos entre o EI e o wahabismo são inconfundíveis. Isso fica claro com uma olhada nos livros didáticos que, ao menos até há poucos anos, moldavam a visão de mundo dos escolares sauditas.
"Qualquer outra religião exceto o islã é falsa", aprendiam eles no livro introdutório. Os alunos também tinham de solucionar pequenas tarefas, como completar a frase: "Quem morre fora da religião do islã vai…". De acordo com o livro didático, a resposta certa era: "para o inferno". Outro exercício era: "Dê exemplos de falsas religiões, como judaísmo, cristianismo, paganismo etc."
"Fé não é apenas uma palavra"
Para os alunos mais velhos, as tarefas eram mais difíceis: eles eram iniciados, segundo orientação do reino saudita, nos exercícios adequados para um muçulmano. Podia-se ler: "A fé não é apenas uma palavra dita por uma pessoa. A fé consiste de língua, convicção e ação."
Os alunos também eram esclarecidos sobre o significado da "verdadeira fé": "Que você odeie politeístas e infiéis, mas sem tratá-los de forma injusta." A questão do que seria "injusto" era deixada em aberto pelo livro didático.
Em vez disso, há instruções para o caso de um muçulmano se deparar com uma pessoa de outra fé: "É proibido a um muçulmano ser amigo leal de uma pessoa que não acredite em Deus e seus profetas ou que combata a religião islâmica."
Os exemplos citados provêm de livros didáticos sauditas do ano de 2005. O think tank Centro de Liberdade Religiosa, ligado à fundação americana Freedom House, examinou uma dúzia desses livros. No estudo divulgado em 2006, os pesquisadores chegaram a uma conclusão preocupante: a Arábia Saudita "semeia o ódio contra o Ocidente tanto no ensino público religioso como em outros materiais, como, por exemplo, pareceres religiosos (fatwas)."
Os pesquisadores responsabilizaram a Arábia Saudita por essa política, pois os livros são publicados pelo Estado e os imãs responsáveis pelo conteúdo recebem o seu salário do governo.
Reformas duvidosas
De acordo com a fundação Freedom House, um estudo encomendado pela própria Arábia Saudita chegou a um resultado semelhante. Apresentada em dezembro de 2003, a pesquisa relatou as seguintes conclusões: o ensino de religião no reino saudita "incentiva à violência contra outras pessoas e induz os alunos à convicção de que eles, para proteger a própria religião, deveriam reprimir outros com violência ou até mesmo com a destruição física."
Oficialmente, a Arábia Saudita nunca reagiu ao relatório da Freedom House. Em 2006, porém, o então ministro do Exterior saudita, Saud al-Faisal, declarou que o sistema de ensino do país seria completamente revisto. Não se sabe até que ponto isso realmente aconteceu. Nos anos de 2012 e 2013, o Departamento de Estado dos EUA encomendou um novo estudo sobre os livros didáticos sauditas, mas os resultados não foram divulgados.
Dinheiro e fé
A Arábia Saudita exporta a sua interpretação do islã sunita de todas as formas. Nos últimos 25 anos, Riad investiu ao menos 87 bilhões de dólares em propaganda religiosa em todo o mundo, estima um ex-embaixador americano em estudo publicado em 2007. Depois disso, a soma deve ter sido ainda maior, afirmou, devido à duradoura alta no preço do petróleo. O dinheiro foi destinado à construção de mesquitas, madraçais (escolas muçulmanas) e instituições religiosas. Com esses recursos, imãs são formados, editoras são financiadas, textos wahabitas são publicados.
Grande parte do dinheiro vai para países islâmicos desfavorecidos, mas populosos, no Sul e no Sudeste Asiático: Paquistão, Indonésia, Filipinas, Malásia. O wahabismo também é promovido em partes da África. Para muitas das pessoas que vivem nessas regiões do planeta, essas instalações são a única possibilidade de uma formação escolar. Ali eles aprendem a ler e a escrever – e, ao mesmo tempo, são familiarizados com a doutrina wahabista. Mas também no Ocidente existem instituições financiadas pela Arábia Saudita.
A proximidade ideológica com o "Estado Islâmico" também se reflete na ajuda econômica concreta. É difícil avaliar quanto dinheiro é destinado ao EI: ele é enviado por meio do chamado sistema Hawala, um sistema informal em que o dinheiro não é transferido através de contas bancárias oficiais, mas por meio de pessoas de confiança. Também não se sabe até que ponto o Estado saudita apoia direta ou indiretamente o EI.
Afastamento rápido
Nos últimos tempos, o governo em Riad se distanciou do terrorismo do EI. Em agosto de 2014, o grande mufti da Arábia Saudita declarou, em alusão direta ao EI e à Al Qaeda, que ideias radicais, extremistas e terroristas não tinham nada que ver com a fé muçulmana. "E seus autores são os maiores inimigos do islã."
Em seu livro Le piège Daech (A armadilha EI, em tradução livre), o estudioso islâmico francês Pierre-Jean Luizard afirma que, hoje, a Arábia Saudita classifica de terroristas fenômenos que até há poucos anos ou meses eram vistos como os pilares mais confiáveis do wahabismo na região.
"Parece que o regime saudita se separou em tempo recorde das ligações que podiam legitimar esse sistema político – um sistema que, por meio de sua exportação da ideologia wahabista, por um lado, e de sua submissão aos interesses americanos, pelo outro, apresentava paradoxos políticos encontrados em poucos regimes deste mundo."