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Após selar a paz, maior desafio da Colômbia será reintegrar ex-guerrilheiros

Leandra Felipe

Em meio ao início das negociações pela paz entre as Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo colombiano, surgem perguntas, dentro e fora do país, sobre como os ex-guerrilheiros serão reintegrados caso decidam depor as armas.

O desafio é trazer de volta à sociedade entre oito a dez mil pessoas que integram as Farc, sem deixar que a Justiça seja aplicada na reparação dos crimes cometidos, e ao mesmo tempo abrir oportunidades de trabalho e reinserção social.

O país já tem um programa para apoiar ex-guerrilheiros desmobilizados. Segundo a Agência Colombiana para a Reintegração (ACR), são quase 55 mil colombianos desmobilizados desde 2004 (quando a agência foi criada) até hoje.

Do total, 35 mil são ex-paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), que começaram a se desmobilizar em 2004, após um acordo firmado com o governo do ex-presidente Álvaro Uribe. Os paramilitares surgiram justamente para combater as guerrilhas de esquerda.

Os outros 20 mil são desmobilizados das Farc e do Exército de Libertação Nacional da Colômbia (ELN) que deixaram as armas individualmente.

Ao guerrilheiro que decide se desmobilizar, o governo colombiano concede uma bolsa de 480 mil pesos colombianos (R$ 541) por mês durante dois anos, enquanto o "desmobilizado" faz cursos e procura se readaptar.

Do paramilitarismo ao artesanato

Existem alguns casos bem sucedidos de desmobilizações, tanto coletivos quanto individuais. Um deles é César Augusto Flórez, ex-paramilitar que trocou as armas pelo artesanato e pelo serviço voluntário, para ensinar crianças portadoras de necessidades especiais.

Hoje, aos 40 anos, ele mora com a esposa e os três filhos em Bogotá. Antes, Flórez vivia no Departamento (Província) de Antioquia, onde lutou em prol da AUC por quatro anos.

Flórez diz que não queria fazer parte do paramilitarismo, mas que, no campo, "a pressão é grande". Ali, ou "virava paramilitar ou virava guerrilheiro das Farc", conta.

Casado e pais de três filhos, Flórez diz que prefere esquecer esta época, porque sabia que estava vivendo ilegalmente. "Eu sei que era errado andar armado e ter ligações com o narcotráfico. Ainda bem que saí disso", afirma.

Segundo o artesão, muitos de seus companheiros de paramilitarismo acabaram mortos depois de se desmobilizarem. Para Flórez, os que optaram por permanecer em sua região de origem foram assassinados.

"O problema é que a AUC terminou, mas o que dá dinheiro, não", comenta, referindo-se aos novos grupos de narcotraficantes que se organizaram com ex-paramilitares das AUC que não se desmobilizaram. Um exemplo são as chamadas Bacrims (bandas criminais).
 

Flórez concluiu o ensino médio, fez cursos profissionalizantes e agora é dono da "Tecidos Manos de Paz", uma fábrica em que trabalha com a família no artesanato de bolsas, bijuterias e artigo para presentes em macramé (técnica de tecelagem manual).

Nas horas vagas se dedica ao trabalho voluntário, ensinando crianças com necessidades especiais. Segundo ele, a prática o ajuda a preencher sua vida.

"Para mim, é uma responsabilidade fazer isso. Faço o bem para outras pessoas e me sinto melhor também", conta.

Caminho difícil

São muitas as dificuldades encontradas por ex-guerrilheiros que decidem se reintegrar à sociedade. Segundo relatos de desmobilizados, os principais problemas são a readaptação à vida fora do ambiente armado e o preconceito social.

"É mais que esperado que a população rejeite quem era das Farc depois de tantos sequestros, violência e narcotráfico", admite a ex-integrante da guerrilha, Luz Marina Zárate, 37 anos, que pertenceu ao grupo por sete anos (entre 1999 e 2007).

Ela trabalhava nas chamadas "células urbanas" das Farc, representantes do grupo que vivem infiltrados nas cidades atuando como mediadores e como divulgadores da guerrilha.

Zárate conta que entrou nas Farc pela ideologia de esquerda. "Nós fazíamos palestras escondidas em escolas e em centros comunitários", revela.

Durante o período nas células, logo depois de ter entrado nas Farc, ela concluiu seu curso de Engenharia de Sistemas. Mas só resolveu se desmobilizar quando foi recrutada para ir trabalhar nas montanhas.
 

"Aí eu disse que ia sair. Não queria deixar minhas duas filhas e acreditava na parte ideológica, mas não queria pegar em armas", conta. Depois disso, Zárate se apresentou ao governo e hoje está reintegrada.

Com o diploma de Engenharia, ela não consegue trabalho em sua área. "Fica marcado na sua testa que você era guerrilheira. É muito difícil conseguir alguma coisa no mercado formal", lamenta.

Por isso, ela trabalha na confecção de outro reintegrado, Álvaro Perez, ex-costureiro das Farc.

Zárate duvida do sucesso da reintegração. "Todos os reintegrados enfrentam muita dificuldade. E há famílias inteiras que nasceram e foram criadas na guerrilha. Como essa gente vai se adaptar?" questiona.

A Agência Colombiana para Reintegração não tem a estimativa de quantos desmobilizados desistem no meio do processo. Mas entidades estudiosas do conflito armado acreditam que pelo menos 30% dos desmobilizados retornam à ilegalidade.

A própria Zárate conhece outros guerrilheiros que desistiram. "Tem gente que desiste. Tem gente que morre assassinado. É difícil. E para desmobilizar as Farc inteiras, tem que ter um esforço do país todo", afirmou.

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