Andrew England e Javier Blas
Financial Times / Valor
À noite, quando a escuridão oculta as cicatrizes deixadas por uma brutal guerra civil de 27 anos em Angola, a Ilha de Luanda lembra uma esquina deteriorada de Ipanema. Assim como no bairro do Rio de Janeiro, os moradores locais também falam português nos bares e restaurantes espalhados pela praia estreita. O clima é agradável, a música é alta e as festas vão até tarde.
Hoje em dia, os restaurantes chiques da Ilha estão cheios de executivos do setor petroleiro, que torcem para que Angola e Brasil tenham mais outra coisa em comum: a geologia.
Embora exista um oceano de distância, a costa oeste de Angola apresenta características geológicas parecidas com as da costa leste do Brasil – um legado da separação das placas tectônicas africana e sul-americana. Nas plataformas continentais, a centenas de metros sob o leito do mar, os dois possuem uma grossa camada de sal.
No Brasil, geólogos encontraram reservas enormes de hidrocarboneto sob essa camada, dando origem a uma próspera indústria petrolífera do "pré-sal". Agora, algumas das maiores companhias de petróleo do mundo estão apostando bilhões de dólares que Angola possui reservas similares no pré-sal.
A aposta é crucial para o futuro econômico e social de Angola, a terceira maior economia da África subsaariana, atrás da Nigéria e da África do Sul. Mas só o futuro dirá se a descoberta de mais reservas vai ajudar os 20 milhões de habitantes locais. Se a história recente de Angola servir de parâmetro, essa possibilidade será, na melhor das hipóteses, indefinida. Os petrodólares estimularam a economia, mas grande parte da riqueza continua concentrada em um pequeno círculo de plutocratas. Após anos produzindo petróleo, mais de um terço da população angolana continua na pobreza.
"As pessoas sentem que está acontecendo alguma coisa, mas não de uma maneira que realmente beneficie a todos", diz Elias Isaac, diretor no país da Open Society Initiative da África do Sul, um grupo ativista. "É bem óbvio que apenas um grupo está se beneficiando, e não a maioria."
A aposta no pré-sal não é importante apenas para Angola. Se ela der certo terá repercussões bem além das fronteiras dos países do sul da África – proporcionando uma nova fonte de petróleo para a China, por exemplo, que consome mais e mais energia.
Em 2011, Angola concedeu onze novas licenças para grandes companhias de petróleo – incluindo BP, Petrobras, Total, ConocoPhillips e Statoil – para a exploração do pré-sal em sua bacia de Kwanza. A Maersk e a Colbalt, que contam com o Goldman Sachs como investidor, já encontraram petróleo em quantidades comerciais no pré-sal de Kwanza.
As maiores petroleiras do mundo farão o mesmo este ano, com a perfuração de mais de uma dúzia de poços exploratórios no pré-sal. "Essa atividade vai decidir se a plataforma continental de Kwanza poderá escrever o próximo capítulo bem sucedido da história do petróleo em Angola", segundo afirma a Wood Mackenzie, uma consultoria especializada em petróleo.
O entusiasmo com o pré-sal em Angola está aumentando na medida em que as brocas atingem novos bolsões de petróleo, melhorando o potencial de um país que almeja tirar da Nigéria o posto de maior produtor de óleo bruto da África.
O crescimento acelerado da indústria petrolífera de Angola – e a perspectiva de mais expansão pela frente – é o sinal mais visível da mudança da sorte do país desde o fim da guerra em 2002. Mais de 500 mil pessoas morreram e 4 milhões foram deslocadas pelo conflito, que explodiu em 1975 depois que Angola conquistou a independência de Portugal. A brutalidade da guerra foi simbolizada pela proliferação de minas terrestres que dilaceraram indiscriminadamente membros de velhos e jovens, combatentes e civis. O conflito arruinou a educação, a saúde e o desenvolvimento.
O governo espera aumentar a produção para cerca de 2 milhões de barris/dia até 2015, mesmo sem o pré-sal
Hoje, porém, Angola se enquadra na narrativa do "despertar da África". Ela registrou na última década uma das maiores taxas de crescimento do mundo, com o PIB avançando em média 10,1%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas é também um exemplo de país que luta contra a maldição dos recursos naturais: em vez de criar prosperidade universal, seu petróleo tem ajudado a manter no poder o segundo presidente mais longevo da África, além de alimentar a corrupção que mina o desenvolvimento econômico.
A produção de petróleo mais que dobrou de 800 mil barris/dia em 2001 para os atuais 1,6 milhão de barris/dia, grande parte deles embarcados para a China. A nação sul-africana é, desde 2005, a segunda maior fornecedora de petróleo para o governo chinês, perdendo para a Arábia Saudita. Em troca, a China tem sido fonte vital de crédito para Angola. Li Keqiang, o primeiro-ministro chinês, disse este ano, durante uma visita, que do 1 milhão de chineses que vivem e trabalham na África, cerca de um quarto está em Angola.
O governo espera aumentar a produção de petróleo para cerca de 2 milhões de barris/dia até 2015, mesmo sem contar com o impacto das descobertas no pré-sal. Recentemente, a Total anunciou um dos maiores investimentos de todos os tempos na África, afirmando que vai aplicar US$ 16 bilhões no desenvolvimento do campo de petróleo de Kaombo em Angola. "Angola continua sendo um país prioritário para a Total", diz Yvez-Louis Darricarrère, diretor de exploração e produção.
Na última década o país surfou uma onda perfeita de alta da produção e dos preços do petróleo, e a tendência continua. Como resultado, as receitas da Angola com o petróleo atingiram US$ 68 bilhões em 2012 – a última estimativa disponível -, em comparação a apenas US$ 13 bilhões em 2004, de acordo com o Departamento de Energia dos EUA.
Mas Angola não é apenas rica em petróleo. Ela também possui diamantes e terras férteis. Com uma população jovem e uma enorme necessidade de reconstrução e desenvolvimento, bancos estrangeiros, companhias varejistas e de construção estão se dirigindo para o país.
Em janeiro, o Standard Chartered tornou-se o primeiro grande banco internacional a abrir uma subsidiária em Angola. Diana Layfield, a executiva-chefe do banco, diz que as oportunidades vão além do petróleo. "A economia de Angola está se diversificando", diz. "O setor não petrolífero deverá crescer cerca de 10% este ano – com um avanço particularmente forte nos setores de serviços públicos, comércio e agricultura. Angola também faz parte do corredor comercial China-África, que vem crescendo em ritmo acelerado, e responde por um quinto do comércio total do continente com a China."
A rede de fast food americana KFC está entre as franquias mais novas a entrar em operação na capital Luanda. Isto seria inimaginável há uma década.
Mas apesar de sua riqueza em recursos naturais, ou talvez por causa disso, Angola continua sendo um lugar notoriamente caro e desafiador para as empresas operarem, já que serviços básicos como taxis são praticamente inexistentes. A pobreza é visível em todos os lugares, com favelas se espalhando pela periferia de Luanda a minutos dos prédios novos e reluzentes do centro da cidade. Favelas têm sido derrubadas para abrir espaço para novos empreendimentos imobiliários.
A educação é outro grande problema. Apenas 66% das meninas chegam a ser alfabetizadas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A expectativa de vida é de 51,5 anos, mas melhorou bem desde 1970, quando era de 37 anos. Mas as elites estão se beneficiando de um boom econômico, como novas lojas comerciais e restaurantes atendendo os novos ricos. A Shoprite, maior rede de supermercados da África, vendeu mais garrafas do vinho espumante JC Le Roux no ano passado, em suas 19 lojas em Angola, do que em todas as demais 382 lojas da África do Sul.
O crescimento econômico não foi acompanhado por avanços políticos. É aqui que Angola mostra como é o outro lado da história do "despertar da África". O país é altamente dependente de uma commodity – o petróleo representa cerca de 80% da receita do governo – e é governado por um partido político dominante, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). José Eduardo dos Santos, o presidente, de 71 anos, está no cargo há 35 anos, o segundo líder há mais tempo no poder na África, atrás de Teodoro Obiang, da Guiné Equatorial, e à frente de Robert Mugabe, do Zimbábue.
Os críticos acusam o presidente de comandar um regime autocrático intolerante a críticas. Da mesma forma que acontece em outros países que após guerras passaram a ser governados por antigos movimentos de libertação, o MPLA (que era um grupo marxista apoiado pela antiga União Soviética e Cuba) predomina em meio a uma oposição débil e fragmentada, governando muitas vezes de forma pouco transparente, com uma burocracia sufocante.
As acusações vão desde corrupção e clientelismo político, que enriquecem membros da elite, incluindo familiares de Eduardo dos Santos, em detrimento da maioria da população. Os críticos destacam que a mulher mais rica da África é Isabel dos Santos, filha mais velha do presidente.
A frustração com a diferença entre os que têm muito e os que não têm nada desencadeou uma série de protestos
Vários dos projetos de moradias que mudaram rapidamente a cara de Luanda estão muito além dos meios da maioria da população. A capital está entre as cidades mais caras do mundo, com hambúrgueres em hotéis chegando a custar US$ 40 e aluguéis caríssimos para estrangeiros, enquanto o país ocupa apenas a 148 posição no índice de Desenvolvimento Humano da ONU.
José Filomeno dos Santos, 36, filho do presidente e presidente do conselho de administração de um novo fundo de riqueza soberana de US$ 5 bilhões, pede paciência aos críticos. Seu discurso recorrente é o de que Angola deve ser julgada pelo progresso obtido nos 12 anos desde a morte de Jonas Savimbi, o líder do grupo de guerrilha direitista, da União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), que marcou o fim da guerra civil no país.
"É uma tendência em direção à transparência", diz. "Não vai ser uma revolução ou uma mudança da noite para o dia. Mas vai ser algo gradual; vão ocorrer mudanças ao longo do caminho e vai ser um processo de aprendizado, em que se vai testando".
Desde o fim da guerra, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita subiu de US$ 690 para US$ 6 mil, enquanto os angolanos que vivem com menos de US$ 1 por dia caíram de 68% para 37% da população, de acordo com a ONU.
A frustração com a imensa diferença entre os que têm muito e os que não têm nada, somada ao descontentamento quanto à corrupção generalizada, contribuiu para desencadear uma série de protestos esporádicos, desde 2011, organizados por jovens enfurecidos e opositores. A reação dos serviços de segurança contra as demonstrações foi condenada de forma generalizada pelos ativistas. Em novembro, membros da guarda presidencial supostamente balearam e mataram um manifestante em um protesto convocado para apoiar duas pessoas que teriam sido sequestradas em manifestação anterior, segundo o grupo de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch, com sede nos EUA.
"Em Angola temos uma democracia multipartidária, mas não uma sociedade plural", diz Isaac, Open Society Initiative. "O MPLA controla tudo."
Ainda assim, Mário Cruz, executivo do Banco Atlántico e integrante da jovem classe executiva emergente de Angola, tem confiança de que o país avança na direção certa, tendo em vista seu histórico. Ele cita o imenso crescimento do número de pessoas com contas bancárias, que buscam crédito, compram carros e usando sites de relacionamento social – dados que os especialistas sobre o continente usam para alimentar a história do "despertar da África" – para sustentar seus argumentos.
"Temos um longo caminho pela frente, mas sou muito otimista quanto a isso", diz. "O governo, lentamente, está mudando, mas não se pode olhar para frente sem também olhar para trás [aos danos provocados pelas guerras]."
E assim como os executivos do petróleo recomendam paciência e cautela ao buscar a próxima grande descoberta de petróleo no pré-sal, há advertências contra as expectativas de uma transformação econômica ou política radical em uma nação que ainda se ressente das consequências da guerra.