Hoje em Dia – MG
Nairo Alméri
Em fins de 2010, as estatais do Governo da República Popular da China eram donas diretas e indiretas (principalmente via participação em empresas de mineração como o Grupo Vale) de alguns milhares de hectares de terras na Amazônia Legal. Mas era forte o avanço também sobre terras de agropecuária, com enorme peso no Mato Grosso.
Dentro da Associação do Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), funcionários do Governo asiático são bem conhecidos. No Estado, além da compra direta, o capital chinês é virtual proprietário de grandes áreas, dadas como garantias reais em contratos de compras antecipadas de soja. As glebas chinesas no Brasil não são dimensionadas com exatidão.
Na abertura 6º Circuito Aprosoja, em Cuiabá (MT), em 16 de abril, aquelas compras de terras agricultáveis por estrangeiros foi motivo de protesto veemente por parte de um parlamentar local. "Cheguei aqui guri, com 15 anos, em 1984. Vim num assentamento, com meus pais morando embaixo de lona de plástico. Sofremos nas décadas de 80 e 90. Depois, em 2003 e 2004, trabalhamos com crédito caro, acreditando no Governo: plantava por R$ 25 a saca da soja e vendia por R$ 17.
Pequenos e médios ficaram endividados e estão quebrados ainda. Aí, aparecem investidores e fundos de investimentos estrangeiros para comprar barato uma vida de trabalho. Não vamos permitir, nem para americano, nem para chinês", protestou deputado federal Neri Geller (PP-MT), da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, que lidera movimento para investigar as vendas de terras ao Governo da China.
O parlamentar exibia, em estatística elaborada pela Aprosoja, um avanço acelerado das lavouras de capital estrangeiro no MT: de 22 mil hectares, em 2005, para 320 mil a 330 mil hectares, em abril. Mas, no começo do mês passado, o presidente da Frente Parlamentar da Agricultura (FAP), deputado Moreira Mendes (PPS-RO), apontou números divergentes do colega mato-grossense e bem superiores: em junho de 2010, 900 mil hectares de terras produtivas com grãos, cana-de-açúcar, algodão e eucalipto para a indústria de celulose do MT já estariam em propriedades de empresas do Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos, China e Europa.
Em nível nacional, em 3.600 municípios, os estrangeiros somavam propriedades com 4,4 milhões de hectares. Descontrole e pressão do caixa bilionário chinês A área estimada pelo presidente da FAP, também na segunda quinzena de abril, apareceu em artigo assinado por Marta Mercado – doutora em Ciências Sociais e professora do curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco – para o site Fórum em Foco.
"As vendas para pessoas físicas e empresas estrangeiras terão de ser feitas exclusivamente por escritura pública, registrada em livros específicos dos cartórios, e ser informadas às corregedorias de Justiça nos Estados. Nas fronteiras, a compra de terra deverá passar por aprovação do Conselho de Segurança Nacional. Essas regras começaram a ser alteradas em 1994, mas o governo acabou perdendo totalmente o controle sobre terras vendidas a estrangeiros.
O Incra calcula em 4,3 milhões de hectares as terras em mãos de estrangeiros, mas são dados declarados, que não incluem muitas empresas com capital externo nem terras em nome de laranjas". O artigo desperta dois pontos de preocupação para o descontrole da União sobre as vendas de terras a estrangeiros. O primeiro, ao lembrar que, em abril de 2010, a China National Agricultural Development Group Corporation (estatal para o agronegócio) manifestou a pretensão de comprar terras no Brasil para produção de soja e milho no Centro-Oeste, Maranhão, do Piauí e Tocantins. A estatal já mantinha no exterior – países da África, no Peru e Argentina – 10 mil (12,5%) dos 80 mil de seus quadros.
O segundo item preocupante era o poder de caixa do Governo da China que apontava a possibilidade de direcionar US$ 29 bilhões só para negócios no Brasil, sendo 90% (US$ 26,1 bilhões) mineração, energia e commodities. Agora o fogo amigo da CNA contra o Planalto Pelas leis do país, a venda de terras a estrangeiros (incluindo as empresas estatais) não pode superar 10 mil hectares. Esse negócio precisa de autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
No final de junho, a questão foi parar na mesa da presidente Dilma Rousseff . A princípio, o Governo deverá regular as vendas a partir de 5 mil hectares e entregar o controle ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), além de uma agência reguladora – o Conselho Nacional de Terras (Conater). Nas vendas de áreas com mais de 500 mil hectares, a aprovação teria que ser do Congresso Nacional.
O conjunto da nova proposta envolve o Incra, os Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, Casa Civil e a Advocacia-Geral da União (AGU). Numa ação anterior, em agosto de 2010, a AGU determinou a proibição da venda de propriedades rurais a estrangeiros acima de 50 módulos, que, dependendo da região, pode variar de 250 a 5 mil hectares.
Estabeleceu, ainda, que o somatório dessas aquisições por empresa de outro país não deve superar 25% da área do município. Mas, na semana passada, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), durante o Fórum Internacional de Estudos Estratégicos para Desenvolvimento Agropecuário e Respeito ao Clima (da própria confederação), criou um imbróglio para o Governo Dilma, ao solicitar a revogação daquela proibição, inclusive de arrendamentos. O argumento da CNA é que a medida poderá inibir o crescimento do agronegócio brasileiro.