O terremoto de janeiro de 2010 que devastou o Haiti, matando mais de 200 mil pessoas, colheu o país justamente no momento em que avançava na construção de suas instituições para, enfim, ter autonomia sobre sua segurança, que desde 2004 está a cargo da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah). No último dia 12, a ONU anunciou a retomada desse processo. Por unanimidade, o Conselho de Segurança estendeu o mandato da Minustah até 15 de outubro de 2013 e decidiu reduzir o contingente militar, com a intenção de, gradualmente, entregar a responsabilidade pela manutenção da ordem à Polícia Nacional haitiana. E uma boa notícia, mas, considerando- se o histórico do Haiti, um país marcado por rupturas sangrentas, trata-se de uma aposta tão otimista quanto arriscada.
Segundo a decisão do Conselho de Segurança, o objetivo da missão continua a ser a reconstrução do Haiti, e a criação de condições políticas que permitam o lançamento das bases de um estado democrático de direito. Ademais, os soldados da ONU seguirão empenhados em promover os direitos humanos, conforme acordo com o governo. A novidade é que, segundo recomendação do secretário-geral Ban Ki-moon, haverá redução gradual do número de militares, de 7.340para 6.270, e dò número de policiais, de 3.241 para 2.601.0 contingente de 2.750 soldados enviados para socorrer os haitianos após o terremoto já foi quase todo repatriado.
Líder militar da missão, o Brasil é, entre os 19 países que integram o esforço da ONU, aquele que contribui com o maior número de soldados – são 1.899 capacetes azuis. Há tempos o governo brasileiro vinha manifestando a intenção de retirar suas tropas, pois, nas palavras do Ministro da Defesa, Celso Amorim, o Brasil "não tem por que ficar com todo o ônus" da Minustah. Embora tenha sido decidida pelo então presidente Lula, com o objetivo de mostrar serviço para apoiar a reivindicação por uma vaga permanente no Conselho de Segurança, a participação do Brasil na missão haitiana sempre foi fonte de mal-estar entre grupos de esquerda e do próprio PT, que veem nela um sinal de "imperialismo" a serviço de interesses americanos.
A situação atual, porém, parece realmente propícia para começar a retirada. Para Ban Ki-moon, a situação de segurança no Haiti é "relativamente estável", embora tenha havido um aumento da incidência de homicídios – de 75 por mês em 2011 para 99 entre março e julho deste ano. O comandante militar da Minustah, o general brasileiro Luiz Eduardo Ramos, disse que a eleição presidencial de 2011, que ocorreu sem incidentes graves, indica que o Haiti está numa nova etapa de sua recuperação. Segundo ele, não se justifica mais que as tropas da ONU usem blindados e armamentos pesados, como se houvesse uma situação de guerra. "O Haiti está em boas condições (de segurança) para um país da América Central", declarou o general. A polícia haitiana já é responsável por quatro dos dez departamentos do país;
O maior empenho da missão, agora, está no "viés humanitário" do trabalho de engenharia, que é a "menina dos olhos" do comando militar, segundo Ramos. Trabalho não falta: quase 400 mil pessoas desabrigadas pelo terremoto ainda não têm onde morar, e as epidemias causadas pela falta de higiene são comuns. A recuperação da infraestrutura do Haiti, disse o general, não será afetada pela retirada gradual das tropas.
"O Haiti está prestes a se tornar um símbolo do futuro", disse um entusiasmado Bill Clinton, cuja fundação se empenha na reconstrução. "Lentamente, mas com certeza, estamos renascendo das cinzas", declarou o premiê Laurent Lamothe. Entrementes, grupos ligados ao ex-presidente Jean-Bertrand Aristide – derrubado em meio a distúrbios populares em 2004, episódio que gerou a intervenção da ONU – promoveram no final do mês passado um grande protesto em Porto Príncipe contra o governo do presidente Michel Martelly. Os líderes da manifestação acusaram Martelly de demagogia e demonstraram disposição para o enfrentamento.