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A nova esquerda cibernética

LÁZARO GUIMARÃES
Magistrado e professor

Heróis ou terroristas, eis a questão posta pela jornalista Catherine Solyom, do Vancouver Sun, na introdução à longa entrevista com Christopher Doyon, líder da Frente de Libertação Popular, organização de hacker’s popularizados como “anônimos”, responsável pela quebra de sistemas de informação dos governos dos Estados Unidos, Rússia e até do Brasil.

Fugitivo da Justiça norte-americana, perante a qual responde pela prática de ataques ao sítio do condado de Santa Cruz, Califórnia, sujeito a sofrer pena de até 15 anos de prisão, Doyon procurou abrigo clandestino no Canadá, onde recebe ajuda de amigos para escapar do cerco policial.

Na sua opinião, o movimento, que começou como troca de informações sobre técnicas de interferência em redes de computadores, ganhou aspecto sério há dois anos, quando, a partir de contatos no Facebook, no Twitter e no Messenger, fomentou a revolta popular no Egito, depois na Tunísia, na Líbia e deslanchou a Primavera Árabe.

O líder dos anônimos afirma que já tem acesso a dados do governo dos Estados Unidos, classificados como secretos, obtidos mediante colaboração de funcionários, tal como o agente Bradley Manning, do Departamento de Estado, que vazou 250 mil comunicados diplomáticos, alguns bastante comprometedores. E vai divulgá-los oportunamente.

Eis uma relação de ataques recentes do grupo: no dia 9, derrubou o sítio do presidente Vladimir Putin na internet, em protesto contra supostas fraudes nas eleições de marco; no mesmo dia, atacou o sítio da Organização das Nações Unidas, acusada de ignorar a greve de fome dos palestinos detidos sem processo em Israel; em 24 de abril, o alvo foi o sítio do Ministério das Finanças da Grécia, em protesto contra a ameaça de congelamento de contas bancárias e de cartões de crédito; em 20 de abril, queda do sítio da Fórmula 1, por ignorar os protestos populares em Bahrain, nas vésperas da corrida.

Uma outra vertente da nova esquerda cibernética é o blog da jovem palestina Doa’ a Mheissin, de 16 anos, que se integrou ao movimento Girls for Change, exigindo respeito pelas mulheres, inclusive quanto à sua identificação, para que sejam ouvidas como indivíduos, e não apenas como mães de mártires ou de prisioneiros.

Em Gaza, mais de 120 moças estão envolvidas nesse programa, que pretende se estender ao Egito e à Líbia. A entidade já conta com meios para ministrar aulas sobre o desenvolvimento de blogs e de formação política. Outra importante ativista é Al-Waheide, também palestina, mas educada por oito anos no Canadá, uma das mentoras do movimento pela atribuição de poderes às mulheres.

Em Cuba, a blogueira Yoani Sanchez desafia as autoridades com denúncias de prisões arbitrárias e da imposição de sacrifícios exagerados à população, ganhando repercussão mundial.

Como se vê, a internet fez nascer um novo foco de atuação política, desvinculado de partidos ou de sindicatos, de geração espontânea e explosivo potencial de aglutinação e de reivindicação. Já não se trata dos efeitos da criação revolucionária de um pensador, como Locke para o liberalismo, ou Marx para o socialismo, cujas obras levaram bom tempo para a transformação em ideologia, mas do espocar de ideias disseminadas em tempo real por pessoas em permanente comunicação no plano mundial. As consequências da ação dessa nova esquerda já se fazem sentir por todo canto.

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