Embora os Estados Unidos não descartem qualquer mecanismo para pôr fim à crise político-institucional da Venezuela, uma intervenção militar hoje parece ser a opção mais improvável. É o que deixam entender membros do alto escalão do governo Donald Trump quando se manifestam sobre o caso. Algo confortante para os venezuelanos que consideram uma interferência armada indesejável, como a observada em Granada (1983) e no Panamá (1989-1990) ou no Afeganistão (2001-2014) e no Iraque (2003-2011).
Porém inquietante para aqueles que acreditam ser impossível restaurar o Estado de Direito no país sul-americano de outra forma, senão pela força: não são poucos os que afirmam que uma breve ação de resgate seria menos prejudicial do que a prolongada intrusão cubana na Venezuela.
Se esse argumento não convence a opinião pública internacional neste momento, não é só porque há dúvida de que uma incursão americana seria suficiente para restaurar a ordem democrática na Venezuela, mas também porque muitos desconhecem o peso e os efeitos da presença cubana no país de Nicolás Maduro.
Em 19 de fevereiro, o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, desafiou os Estados Unidos e a Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) a apresentarem provas de que Havana controla, nos bastidores, tanto a elite política da Venezuela como suas Forças Armadas e serviços secretos, como sugeriram militares desertores venezuelanos.
"Rodríguez exige provas irrefutáveis porque Caracas e Havana escondem tudo muito bem. O Maduro e sua comitiva continuam tendo o monopólio da informação. Por outro lado, o fato de ninguém saber ao certo qual é o nível de inflação no país desde que Maduro ordenou esconder estes dados não significa que este indicador econômico não possa ser estimado por outros meios. O mesmo se aplica ao fenômeno da interferência cubana na Venezuela: há relatos suficientes de militares que deixaram a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) e descreveram o grau de influência dos militares cubanos em suas casernas", comenta Ivo Hernández, professor de Relações Internacionais da Universidade de Münster.
Evan Ellis, professor do instituto de estudos estratégicos SSI, do Army War College, nos EUA, diz que há evidência suficiente de influência cubana no Exército de Maduro.
"Não sei se o governo dos EUA sabe em profundidade o grau de influência cubana sobre o Estado venezuelano, mas tenho certeza de que, se ele tem essa informação, ela é confidencial", diz ele. Mas se Washington tem a evidência que Havana lhe pede que mostre, por que não o faz? Esse é o dilema clássico, diz Ellis, das instâncias que denunciam abusos nos bastidores em países onde o Estado de Direito não se aplica, os direitos humanos não são respeitados e não há liberdade de imprensa.
"Se você apresentar evidências, pode ganhar credibilidade; se cometer uma indiscrição, você pode colocar em perigo a vida de seus informantes e seus métodos de investigação. O que ninguém pode negar é o testemunho de venezuelanos que têm contato direto com cubanos em muitas áreas da vida cotidiana: desde professores, treinadores esportivos, médicos e outros técnicos até os militares da ilha. E não se pode descartar que uma parte deles está cooperando com os serviços de inteligência cubanos", ressalta o professor do SSI.
Mas os analistas diferem na hora de definir o momento em que Havana consolidou sua autoridade em Caracas; não está claro se foi antes ou depois do fracassado golpe contra Hugo Chávez (11.4.2002). Irrefutável é, neste ponto, que Fidel Castro tentou trazer o modelo revolucionário cubano à Venezuela nos anos 1960. "O plano de Fidel só podia ser consumado quando um indivíduo manipulável chegasse ao poder. Esse indivíduo era Hugo Chávez (1999-2013)", diz Hernández.
Segundo o analista, foi há cerca de 15 anos que Cuba começou a exportar para a Venezuela os sistemas de controle político, social e econômico que o próprio regime castrista já havia importado antes das antigas União Soviética e Alemanha comunista. Orlando Avendaño, em seu livro Days of Submission (dias de submissão), documenta os esforços expansionistas de Fidel.
"Minha pesquisa se concentrou no período de 1959 a 1994, ano em que Fidel conheceu Hugo Chávez e conquistou sua psique", observa Avendaño. Baseado em 150 fontes e entrevistas, o livro analisa a época em que Cuba patrocinou a atividade guerrilheira na Venezuela, treinou venezuelanos para infiltrar-se nas Forças Armadas com o objetivo de articular um movimento de insurreição dentro delas, e obteve seus primeiros sucessos com as conspirações golpistas em que Chávez participou. "O resto é história", aponta Avendaño. História em desenvolvimento.