Guillermo D. Olmo
BBC News Mundo na Venezuela
Eles são a força policial mais temida da Venezuela. Encapuzados e armados com fuzis, seus membros trajando uniformes negros, ornados com caveiras e sem identificações pessoais, e os caminhões nos quais circulam se tornaram uma visão comum nos bairros mais pobres do país.
A Força de Ações Especiais (Faes) da Polícia Nacional Bolivariana da Venezuela é uma unidade de elite que foi acionada em 2017 por ordem direta do governo Nicolás Maduro. Sua missão, disse o Maduro, é "proteger o povo contra o crime". Desde então, acumulam-se acusações de violações de direitos humanos contra a organização, que para muitos cidadãos tornou-se sinônimo de terror e repressão.
As vestimentas, modos de operação e denúncias feitas contra a Faes são semelhantes aos do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro, o Bope. Um relatório sobre a Venezuela publicado em junho passado pela alta comissária da Organização das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, apontou dezenas de casos de execuções no país e que a Faes foi responsável por centenas de mortes.
O escritório de Bachelet entrevistou parentes de jovens que perderam as vidas em operações da Faes e se referiram à polêmica tropa de elite como um "grupo de extermínio" ou "esquadrão da morte".
O governo da Venezuela não respondeu a um pedido de informações. Quando o relatório foi publicado, Maduro disse que estava cheio de "mentiras e manipulações" e exigiu sua retificação.
Mas duas mulheres e um homem entrevistados para esta reportagem contam histórias semelhantes às expostas pelo relatório.
'Torturaram e mataram meu filho'
María (nome fictício) diz que alguns policiais chegaram ao negócio administrado por seu filho com o rosto coberto e sem identificação, enquanto outros percorriam as ruas e buscavam afastar os seus familiares dali.
"Meu filho morava no mesmo prédio, mas alguns andares acima. Como não tinha nada a esconder, ele desceu por conta própria e se apresentou aos agentes. Eles o torturaram e deram quatro tiros. A mim, diziam que ele estava preso, quando já o haviam matado há mais de uma hora."
Seu testemunho coincide com o que foi relatado nas dezenas de entrevistas que a ONG Observatório Venezuelano de Violência (OVV) realizou em todo o país.
Seu diretor, Roberto Briceño-León, diz que "o procedimento geralmente é o mesmo". "Eles chegam encapuzados e sem identificação, o que viola todas as leis venezuelanas e, enquanto uns percorrem as ruas e afastam os parentes, outros matam o cidadão, quase sempre dentro de casa. Então, entregam o corpo a um necrotério ou hospital e justificam o que aconteceu dizendo que houve uma resistência às autoridades."
Também é comum, diz Briceño, manipular a cena do crime para sustentar a tese de que houve um confronto.
Reforço de tropa de elite é aposta na repressão
Uma recente investigação jornalística da agência Reuters entrevistou Derrick Pounder, um médico legista galês especializado em torturas e execuções extrajudiciais. Depois de ver os ferimentos de bala nos corpos de várias pessoas mortas por agentes da Faes, Pounder duvidou que isso tivesse ocorrido no "contexto dinâmico dos tiroteios".
De acordo com os números que o governo deu à equipe de Bachelet, cerca de 5,3 mil pessoas morreram em 2018 após "resistir às autoridades". ONGs como a OVV dizem que esse número passa de 7,5 mil. Segundo Briceño, "em Estados como Aragua, a polícia já mata mais do que os criminosos".
A falta de dados oficiais impede saber exatamente o número de agentes que compõem a Faes. Briceño enfatiza que "está claro que houve um esforço de reforçar a Faes, reduzindo o efetivo dedicado à prevenção de crimes e apostando na repressão".
Na maioria dos casos, as famílias das vítimas relatam ter ocorrido o roubo de dinheiro, objetos de valor e até carros por policiais. Os vizinhos de Maria disseram a ela que o corpo do seu filho foi carregado embrulhado em lençóis na carroceria de sua própria caminhonete e que uma motocicleta também foi levada pelos agentes.
Faes atua especialmente em áreas mais pobres
As áreas mais pobres e populares são geralmente as mais punidas por crimes e violência. É nelas que a Faes é mais ativa e cada vez mais presente.
O relatório de Bachelet observou que "o governo pode estar usando a Faes e outras forças de segurança para incutir medo entre a população e manter um controle social". Briceño diz que suas "roupas sinistras, pretas e com caveiras, deixam claro que há uma intenção de intimidar a população".
Em 23 de janeiro, depois que Juan Guaidó se declarou "presidente interino" da Venezuela, protestos contra Maduro em áreas populares de Caracas foram reprimidos pela Faes. "Foram noites de chumbo e mais chumbo", diz um morador do bairro José Félix Ribas.
Ele afirma que os agentes "bateram nas portas e começaram a entrar nas casas" e que viu agentes matarem três vizinhos e transportarem seus corpos em caminhões. Houve protestos em outubro passado contra os excessos da Faes no bairro, com palavras de ordem que exigiam que a tropa se retirasse da área.
A Faes também é rejeitada por algumas bases do chavismo, que avaliam que a tropa age contra os mais desfavorecidos.
Um líder chavista do município de Petare, na região metropolitana de Caracas, que prefere não informar seu nome, diz que houve atritos entre as lideranças locais e os agentes após serem pedidas explicações sobre o assassinato de um dos jovens da região.
Petare tem sido tradicionalmente um dos pontos de maior apoio à "Revolução Bolivariana" iniciada por Hugo Chávez, antecessor de Maduro. "Ninguém quer essa polícia aqui", diz uma moradora.
Como o governo reagiu
O relatório de Bachelet incluiu entre suas recomendações a dissolução da Faes e uma investigação independente sobre suas ações. Alguns dias depois da divulgação do documento, Maduro compareceu a um evento com a tropa. "Viva a Faes!", disse ele.
Muitas famílias de vítimas têm medo de fazer denúncias por temer represálias e pedem à mídia que não divulgue seus nomes verdadeiros. Todos os entrevistados para esta reportagem disseram não ter recebido uma resposta depois de relatar incidentes ao Ministério Público.
Liliana Ortega, fundadora da Cofavic, associação de defesa dos direitos humanos que presta apoio legal às famílias que fazem denúncias, diz que "muitas vezes há atrasos na condução de processos de investigação e negligência em autópsias". "A grande maioria dos casos nunca vai a julgamento", afirma.
Briceño aponta que "existem poucos casos de policiais condenados na Venezuela, com total impunidade da Faes", e promotores públicos admitem que as investigações que afetam a polêmica força policial são sistematicamente bloqueadas.
Briceño acredita que a reação do governo às denúncias contra a Faes mostra que "eles estão realmente orgulhosos do que está sendo feito". "Eles não acreditam no sistema penitenciário, não acreditam no sistema judicial, essa é a única política de segurança. Não estamos falando sobre o desempenho de elementos isolados. É uma política de Estado. E é uma política de extermínio."